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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BAIRROS DE SANTOS - SÉCULO XXI - [26]
Paquetá

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Publicado em 7/6/2010 no jornal A Tribuna de Santos, página A-3


DOS CASARÕES HISTÓRICOS À HISTÓRIA DE ABANDONO - Os casarões antigos, alguns seculares, se espalham pelas ruas do Paquetá, em Santos. No passado, abrigaram famílias nobres. Hoje, transformaram-se em cortiços, refletindo os efeitos do abandono. Estrangulado entre o badalado Centro HIstórico e o Porto em franca expansão, o bairro abriga 1.368 moradores

Imagem: reprodução parcial da primeira página de A Tribuna de 7/6/2010

 

Lugar onde os cortiços se impõem

Moradores e comerciantes aguardam por projetos que possam tirar o bairro da estagnação e ajudá-lo a vencer a miséria de décadas

Da Redação

O Paquetá já foi um bairro de luxo e abrigou ricas moradias. Mas a falta de projetos eficientes que resgatem o progresso fica evidente na degradação dos imóveis e das ruas. Há décadas, o bairro permanece parado no tempo e estrangulado entre o Centro, impulsionado pelo otimismo de prometido crescimento, e o Porto em franca expansão.

O Paquetá é delimitado pelas ruas São Francisco e Xavier da Silveira, Constituição e João Otávio. Desse quadrilátero que expõe muita miséria, o desenvolvimento parece passar longe. A própria Secretaria de Planejamento estima que todas as habitações ali são "subnormais", classificação dada a moradias sem condições estruturais nem sanitárias de acolher seres humanos.

Nessa região, são os cortiços que predominam. Ficam em casarões, muitos deles seculares, onde viveram famílias nobres entre o final do século 19 e a primeira metade do século passado. Hoje, as mansões deterioradas abrigam diversas famílias, uma em cada cômodo alugado, muitas das quais com banheiros coletivos.

No bairro com 1.368 moradores em 499 domicílios, segundo o censo 2000 do IBGE, 266 famílias recebem Bolsa Família por estarem em situação d e pobreza (com renda mensal por pessoa de R$ 70 a R$ 140) ou extrema pobreza (até R$ 70 por pessoa).

Na lista, está Gilda Silva Gabas, 40 anos. Quatro filhos e apenas a renda do marido, de um salário mínimo. Às vezes, ela até consegue um complemento vendendo material reciclável, ofício que exercia até meses atrás. Mesmo pagando os R$ 250,00 em dia, Gilda foi despejada do cortiço em que morava. "A gente pagava o aluguel pro dono da chave. Mas ele nã pagava pro dono (da casa). Aí a gente teve que sair".

Dono da chave é uma espécie de sublocador do casarão, função muito comum na região central. Ele aluga a casa do proprietário e loca os quartos para as famílias. Há casarões com 10, 12 cômodos, distribuídos inclusive em porões úmidos.

A soma de todos os aluguéis pagos ao dono da chave normalmente ultrapassa o valor acertado por ele com o dono do imóvel. Assim, ele ganha à custa de famílias que não têm outra alternativa a não ser habitar cortiços.

Após ser vítima da desonestidade de um deles, Gilda teve que arrumar R$ 300,00 para garantir o aluguel do quarto de outro imóvel. "Vendi minha carroça, que era meu ganha-pão. Consegui R$ 200,00. Os outros R$ 100 tirei do Bolsa Família. Tive que tirar da boca das crianças".

Meses depois, a casa em que passou a morar foi lacrada pela Prefeitura por falta de condições estruturais. Com a ajuda de uma amiga, ela e a família estão alojadas provisoriamente em um imóvel.

Desabafo

"Esta área não tem jeito. É só lixo, é só abandono.

Político nenhum liga pra isso aqui"

Adelino da Silva, dono de uma loja de móveis usados

Cemitério - Em bairro de tanta pobreza, o contraste está associado a um cemitério, construído em 1854. Local vizinho de dezenas de submoradias, no Cemitério do Paquetá estão enterrados, ironicamente, representantes da aristocracia e da burguesia de Santos nos séculos 19 e 20.

Em um desses imóveis do entorno, meia dúzia de famílias habitam quartos divididos no porão. Outros seis cômodos ficam no primeiro - e único - piso. O banheiro é o mesmo para todos.

"Eu já estava querendo voltar pra São Paulo, porque aqui é ruim mesmo, viu? Mas aí veio esse projeto dos predinhos. Isso é o que nos dá esperança"., comemorou Márcia Lopes Ribeiro, de 40 anos, moradora do quarto dos fundos do casarão com dois filhos - Tatiana, de 15 anos, e Thiago, 9.

Os predinhos a que Márcia se refere são os conjuntos que estão sendo construídos na Rua General Câmara.

Ela reclama não só de pagar R$ 250,00 por um lugar apertado em um casarão deteriorado. O lixo nas ruas também incomoda muito.

"Esta área não tem jeito. É só lixo, é só abandono. Político nenhum liga pra isso aqui", resumiu o comerciante Adelino da Silva, dono de uma loja de móveis usados.


Márcia mora com 2 filhos em um quarto de cortiço, mas aguarda apartamento em conjunto habitacional

Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

Projeto depende de donos de imóveis

A Prefeitura terá de contar com a boa vontade dos proprietários dos casarões da região central da Cidade para colocar em prática o Programa Alegra Centro Habitação. A iniciativa promete melhorar as condições de habitabilidade dos cortiços do Paquetá e parte de Vila Nova, Vila Mathias e Centro.

O programa prevê isenções fiscais aos proprietários que reformarem seus imóveis na região central e adaptá-los ao tamanho das famílias que os habitam, dando boas condições de moradia. Mas a adesão dos donos das casas é facultativa.

O projeto de lei que institui o Alegra Centro Habitação - nome popular para o Programa de Reabilitação do Uso Residencial na Região Central Histórica de Santos - foi enviado à Câmara em 27 de maio de 2009 e foi aprovado em primeira discussão. Mas teve alterações por causa da reforma administrativa da Prefeitura. Agora, aguarda segunda discussão.

"Essa é uma ação e inclusão social. Queremos a restauração dos imóveis para dar condições de moradia e manter as famílias lá", afirmou o secretário municipal de Planejamento, Bechara Abdalla Pestana Neves.

 

Seleção

Em levantamento preliminar, o Município identificou a existência de 350 a 400 imóveis exigidas para inclusão no programa

 

Pela iniciativa, os proprietários que aderirem à idéia se comprometem a adaptar os cômodos de seu imóvel a três tipos de planta definidos pela Prefeitura. Um tipo tem 10 metros quadrados para famílias com até duas pessoas. O segundo deve ter entre 20 e 40 metros quadrados, para famílias com até oito integrantes. O terceiro módulo é de até 60 metros quadrados, para até 12 pessoas, com mais de um cômodo.

Todos têm banheiro privativo. Os módulos "garantem ventilação e conforto", segundo Neves, e serão desenvolvidos por arquitetos da Prefeitura e oferecidos aos proprietários. Caso invistam nas reformas conforme propõe o programa, ganharão isenção total do ITBI, IPU e do ISS da obra, além de desconto no IPTU e ISS do patrocinador da reforma, caso haja.

A Secretaria de Planejamento pode encontrar obstáculos geográficos para a concretização dessa idéia. Como a ocupação dos cortiços é irregular, pode faltar espaço para acomodar todas as famílias em um cortiço, na transformação de cômodos, conforme os módulos padronizados pelo Município. Há cômodos com 8 pessoas e outros de mesmo tamanho ocupados por 3, por exemplo.

"Por isso, teremos uma comissão pactuada composta pela Prefeitura, moradores, proprietários e associação dos cortiços. Esse grupo vai realocar famílias para os imóveis onde está sobrando espaço. "Vamos construir esse processo e controlá-lo", afirmou o secretário.

Pelo projeto, o proprietário deve se comprometer a manter o imóvel alugado para os moradores atuais por até cinco anos após a adesão ao programa. Mas a iniciativa não garante o congelamento do preço do aluguel. Após a reforma, com o imóvel em melhores condições, o locador pode aumentar o preço. Isso geraria a expulsão de moradores da região central, exatamente o que o poder público busca evitar com o Alegra Habitação.

O secretário, novamente, atribui à comissão pactuada a missão de mediar as relações e propor índices de correção no aluguel dos imóveis. Ele afirmou que, após a aprovação do projeto, a secretaria vai convocar cada proprietário de imóveis degradados que viraram cortiços para explicar as vantagens de aderir ao programa.

E se eles simplesmente não quiserem melhorar as condições de seus imóveis? "Vamos pegar mais pesado na fiscalização". A Prefeitura pode autuar proprietários pelo não cumprimento dos códigos Sanitário e de Edificações, que exigem condições mínimas para moradia. Antes não se fiscalizava, segundo ele, o público sempre fechou os olhos para essa irregularidade. "Porque essa é uma questão social. Se fechar um cortiço, as pessoas vão morar onde?"


Intenção é adaptar os cortiços, para terem boas condições de moradia

Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

Mutirão

O sonho de ter seu espaço e viver com as mínimas condições humanas deve virar realidade até 2011 para moradores de cortiço. No ano que vem, deve ficar pronto o empreendimento erguido no terreno do número 410 da Rua General Câmara, como fruto da iniciativa da Associação dos Cortiços do Centro (ACC), entidade formada pelos próprios moradores.

A obra começou em janeiro de 2009, é financiada pelo Crédito Solidário, programa da Caixa Econômica Federal, e administrada em sistema de autogestão pela ACC. Os futuros moradores do conjunto atuam em mutirão nos serviços gerais. O prédio, com 113 unidades, já foi erguido e 70% ficaram prontos neste ano. Mas as obras estão paralisadas desde fevereiro. É que a empreiteira contratada pela AC não conseguiu cumprir os prazos estabelecidos pelo contrato. "A Caixa libera a verba mensalmente e, a cada final de mês, verifica se o que foi acordado já foi feito. No mês nove, a construtora informou que não teria como continuar", afirmou Rafael Paulo Ambrósio, presidente da ONG Ambienta, que presta assessoria para a Associação dos Cortiços.

A empresa alegou que, com o dinheiro recebido, não poderia honrar compromissos financeiros assumidos para finalizar o empreendimento. "Estamos revendo todos os contratos. Vamos contratar profissionais e não mais uma empreiteira", explicou a presidente da ACC, Samara Faustino.

Um engenheiro já foi contratado. Precisam ser concluídos os sistemas elétrico e hidráulico, parte do telhado e o acabamento externo. A parte interna fica por conta dos moradores, que acompanham o empreendimento. Eles pleiteiam junto à Cohab uma verba para a compra de material para esse acabamento. O conjunto custou R$ 4,515 milhões, sendo R$ 30 mil por unidade pagos pela Caixa  R$ 8 mil de contrapartida do Governo do Estado.


Samara Faustino, presidente da ACC

Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

História

O adensamento no Paquetá começou na segunda metade do século 19, após um crescimento populacional em ritmo mais acelerado a partir de 1870 e o aparecimento de epidemias ocasionadas pelas péssimas condições sanitárias da época, que afastaram os moradores do Centro, local mais adensado. Até então, o bairro era conhecido apenas pelo cemitério, construído em 1854.  elite começou então a se estabelecer no Paquetá e na Vila Nova, em casarões imponentes, até os anos 1940.

"A partir dessa década, com a construção e ampliação dos caminhos para a praia e a inauguração da Anchieta (1947), há uma migração mais acelerada em direção à orla", explicou o historiador Dionísio de Almeida, da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Com a desocupação, os imóveis passaram aos poucos a servir de moradia para pessoas de baixa renda. Com a falta de planejamento urbano na região e o abandono dos imóveis, a região entrou em acelerado processo de degradação e evidenciou um problema social.


Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria

Veja o bairro em 1982
Veja Bairros/Paquetá

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