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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO
Vila Itatinga, um local de muito encanto (3)

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Publicado em 14/04/1983 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)


Não bastasse a beleza da floresta ao redor, tudo é muito bem cuidado, 
com jardins, gramados e plantas ornamentais

Vejam como é a vida na vila verde e amarela

"Pega! Segura! Vai de novo! Tenta que dá!" A gritaria não poderia ser maior. Tudo acompanhado de muitas palmas, vaias, sorrisos e desafios, como a ocasião exigia.

Tristezas e mau humor não tinham vez no dia do aniversário do Itatinga Atlético Clube. E todas as amarguras ficavam esquecidas no momento do chamado "Pega porco". Vejam só: soltavam um porco no pátio, todo lambuzado de graxa, e várias pessoas saíam correndo atrás, tentando pegá-lo. Se agarrar uma animalzinho desse, assustado, não é fácil, imaginem com o corpo escorregadio! A brincadeira garantia bons momentos de descontração, e quem conseguisse realizar a façanha levava o porco para casa, como brinde.

Mas, essa era apenas uma das atrações da festança. Tudo começava bem cedo, com uma corrida desde a usina até o portinho, e se estendia por todo o dia, com corrida de saco, corrida das três pernas, corrida do ovo, cabo de guerra, pau-de-sebo e, logicamente, com partidas de futebol.

O velho Vergara, dono de muitas terras nas imediações, dava um boi de presente para o pessoal e, portanto, carne para churrasco nunca faltava. Caía a noite e a animação não diminuía: começava o forró e quem mais podia se sacudir ao som de um bom baião!

Para as crianças, uma vida ao ar livre, com muitas pescarias - As festas de 7 de Setembro, comemorativas do aniversário do quase sexagenário clube alvinegro, estão bem vivas na lembrança de seu Ari de Oliveira, que morou em Itatinga até os 16 anos. Ele guarda muitas e boas recordações, e só deixou o lugar porque o pai se aposentou e não restou outra alternativa.

Seu Ari não esconde a saudade dos banhos de água geladinha na Cachoeira do Oswaldo, muito menos das pescarias e passeios no Rio da Brasileira ou no Rio Itapanhaú. Cansou de pescar nas noites frias de inverno, quando as tainhas apareciam aos montes, para a alegria de seus olhos de moleque. O ritual de preparação o deixava igualmente encantado: abria-se um buraco, colocava-se a tainha dentro; depois uma leve camada de terra e a brasa. Não demorava muito e o peixe estava tostadinho, pronto para ser devorado.

Os meninos não apenas conheciam os melhores pesqueiros, como descobriam com a maior facilidade as pacas, preás, tatus e tantos outros animais que habitavam as matas ao redor da Vila. Tatus, o Ari e o irmão pegavam em quantidade, mas nunca levavam mais do que um para casa. Se eles caçassem dois, a mãe preparava um e mandava que dessem o outro de presente para a avó. Mas a avó morava em Santos, e nenhum deles queria enfrentar o suplício de ir até a casa dela. Não pela avó, é claro. Seu Ari explica: "A gente era obrigado a calçar sapato - que martírio! - e só voltar no dia seguinte, por causa da condução. Em Santos não tínhamos nada para fazer, a não ser ver o bonde 15. Coisa monótona demais. Como as horas custavam para passar!"

Grandes festas juninas e cinema de graça, agora são coisas do passado - Os limites de uma casa representavam muito pouco para as crianças, acostumadas com a imensidão de Itatinga. Conheciam tudo quanto era canto, mas evitavam ao máximo o caminho que dava para a casa do seu Antônio Lourenço: muita gente jurava já ter visto alma penada por lá. Por via das dúvidas, os meninos passavam bem longe. Não queriam saber de valentia envolvendo o sobrenatural.

Não faltava o que fazer durante o dia inteiro, pois inclusive eram eles próprios que construíam seus brinquedos, como carrinhos, pernas de pau e coisas do tipo. Volta e meia corriam na casa de dona Manoela, a única de Itatinga que vendia borracha para estilingue. Pagavam Cr$ 1,00 por borracha, e conseguiam dinheiro para essas pequenas compras vendendo feixes de lenha que juntavam no mato. Como naquela época não havia fogão a gás, faturavam uns bons trocados.

Eles só abandonavam as brincadeiras de todo dia quando alguma outra coisa mais interessante desviasse a atenção. Por exemplo: as festas juninas organizadas por seu Justiniano. Itatinga era embandeirada de ponta a ponta, havia procissão e homenagens a São João. De tão grandes, as fogueiras de seu Justiniano ardiam três dias sem parar.

A passagem de ano também nunca passava despercebida. Seu Janguinho descia de seu recanto tranqüilo, lá na Boa Vista (onde a Codesp capta a água que abastece a usina), com a família inteira, viola em punho, parando de porta em porta e entoando as cantorias típicas da Folia de Reis. Outros se juntavam e amanheciam cantando, numa alegria danada.

E o cinema? Bom, a garotada gostava muito, desde que fossem apresentados filmes de faroeste. Eles sempre descobriam com antecedência qual a programação da semana (seu Manequinho, pai do Ari, era quem tomava conta da lata do filme) e, "se fosse coisa de amor, não prestava". Nesse caso, preferiam ir roubar laranja e abacate no pomar, pois sabiam que por duas horas estavam livres de serem pegos pelo engenheiro, assíduo freqüentador do cinema.

Codesp cortou condução e gerou crise na agremiação esportiva - Dizem que nem tudo o que é bom dura sempre. E isso se tornou realidade no que se refere a muitas coisas em Itatinga. Não há mais as festas de seu Justiniano, o cinema foi desativado pela Codesp e o popular Itatinga Atlético Clube enfrenta uma de suas maiores crises. Faz muito tempo que os jogadores não entram em campo e que as arquibancadas cobertas da Praça de Esportes Benjamin Weinschenck não abrigam os entusiasmados torcedores.

Segundo dizem alguns, o clube entrou em crise desde que a Codesp cortou o transporte marítimo, por meio do qual as agremiações visitantes chegavam até Itatinga. Diariamente partia um rebocador do porto até lá, mas a Codesp extinguiu a linha, alegando necessidade de economia de combustível.

Desde então, ficou muito difícil para Itatinga receber clubes visitantes ou ir jogar em outros lugares, daí o desânimo que se abateu entre todos. Restaram fotos dos bons tempos e as lembranças dos lances precisos de grandes craques, como Bica, Jorge Alexandre, Ariovaldo, Edmir, o Messias, Manelino, Antônio Jorge, Guri e José Fontes (já falecido).

Mas não foi esse o único problema ocasionado pelo corte do transporte marítimo diário. Em conseqüência disso, geralmente faltam mercadorias no armazém, algumas básicas, como arroz e feijão. Agora, Itatinga é abastecida apenas uma vez por semana, na única viagem semanal que o rebocador faz, e nesse meio tempo as prateleiras se esvaziam.

Não bastasse isso, os moradores perderam um meio de locomoção bastante prático para Santos, e se tornaram dependentes de nada menos que sete conduções, incluindo o bondinho e a lancha da Codesp que atravessa o Rio Itapanhaú.

Ônibus para o Centro de Bertioga há apenas em três horários por dia, isso quando nenhum deles quebra e fica pelo meio do caminho, coisa muito comum de acontecer com aqueles coletivos em péssimo estado. Os atrasos de mais de uma hora também se tornaram rotina e o pessoal é obrigado a aguardar sob a chuva ou sol, pois não existe abrigo.


A professora Cleide vive lá para atender as crianças

Quase todos são parentes, vivem tranqüilos e não sabem o que é violência - "Se não estivéssemos tão ilhados, isso aqui seria um paraíso", desabafa uma moradora. Ao fazer essa declaração, ela reproduz o pensamento de muita gente, pois quem vive em Itatinga gosta muito de lá e apenas lamenta o isolamento quase total.

De outra parte, o pessoal sabe que esse isolamento garante muita tranqüilidade. Os quintais não precisam de muros ou cercas, tampouco é necessário trancar portas e janelas à noite. Quem passa diante da casa da professora Cleide, sempre encontra a chave na fechadura, pelo lado de fora.

Efetivamente, Itatinga não sabe o que é roubo, assalto ou violências. E jamais se encontra um bêbado, pois é proibida a venda de bebida alcoólica em seus limites. Outro detalhe: muitas das pessoas possuem algum grau de parentesco, pois não raro acontecem casamentos entre os filhos das diferentes famílias.

As crianças não poderiam dispor de melhor lugar para viver, pois espaço livre não falta, muito menos ar puro e o salutar contato com a natureza. É comum vê-las brincando em suas bicicletas, catando frutos no mato, correndo atrás do animalzinho de estimação ou escorregando pelas encostas dos pequenos e gramados morros, sentadas em folhas de coqueiros.

Quando se machucam, pedem a ajuda de Crispim, enfermeiro de Itatinga há 13 anos. Ele praticamente não tem folga, e se dispõe a atender qualquer morador a qualquer hora do dia ou da noite. Não há gripe ou infecção de garganta que resistam ao seu tratamento. Ao perceber que se trata de um caso mais sério, encaminha para Bertioga. Fora isso, um médico do INPS visita Itatinga uma vez por semana.


Telefone Kellog, uma raridade

Jovens partem em busca de opções e aposentados também não podem ficar - A Elaine não sossega. A Denise e o Reginaldo, tampouco. Mas com toda a tranqüilidade do mundo a professora Cleide Negreiros consegue acalmá-los e dar seqüência às aulas. Ela ensina para as turmas de 3ª e 4ª séries e está em Itatinga há 13 anos. As turmas de 1ª e 2ª séries ficam aos cuidados de Rosana Bueno Mesquita, que em agosto substituiu a professora Esther, depois de 29 anos e sete meses de trabalho.

Enquanto as crianças se encontram nessa faixa escolar, tudo bem. Depois disso, as coisas começam a complicar: é preciso completar o 1º grau em Bertioga. Quando os filhos atingem a idade de 12, 13 ou 14 anos, dificilmente os pais conseguem segurá-los em casa. Não existem empregos em Itatinga, as dificuldades de prosseguir os estudos atormentam e não há outro jeito senão partir em busca de alternativas.

As duas filhas de dona Consuelo, Mariléia e Itamara, se foram. A Marinilza, filha de seu Zeca Bueno, foi morar com a irmã mais velha, que já saíra de Itatinga. Seu Dionísio e dona Ceciliana têm uma filha em Santos, e a outra, de 14 anos, diz que também se mudará no ano que vem.

As mães não sabem se acompanham os filhos ou se ficam com os maridos. No final, sobra um bocado de tristeza para todo mundo. Tristeza tão grande quanto aquela que as famílias sentem quando devem deixar Itatinga depois de muitos anos, por motivo de aposentadoria do chefe da casa. É assim: o dia da partida chega.

Para evitar dramas maiores, as mulheres estão inclusive procurando diversificar as atividades. Incentivadas pelo padre Primo Bernardes, que reza missa uma vez por mês na capelinha, um grupo delas - Ana Maria, Ceciliana, Marilza, Marilene, Carmem e Cerléia - fundaram a Comunidade da Imaculada Conceição e criaram o Grupo de Oração Carismática.

Devido às atividades religiosas, saem mais, conhecem diferentes lugares e pessoas e tornam menos dolorosa a partida de Itatinga, que um dia chegará. Com certeza.


O time do lugar já disputou campeonatos, mas atualmente está em crise

 A Tribuna encerra série sobre bairros

Com esta reportagem, A Tribuna encerra a série Conheça o seu Bairro, que vinha sendo publicada às quintas-feiras, desde 6 de maio do ano passado. Nesse período, bairros, morros e regiões do Distrito de Bertioga foram objeto de amplas reportagens: o jornal levantou problemas e reivindicações, conversou com antigos moradores para reconstituir a história, descreveu o processo de ocupação e discorreu sobre os rumos do crescimento das diferentes localidades.

Os levantamentos incluíram também consultas a estudos de Olao Rodrigues, Francisco Martins dos Santos, Wilma Teresinha de Andrade e Costa e Silva Sobrinho, bem como a edições de A Tribuna, ao Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) - 1978, publicado pela Prodesan, e aos volumes de A Baixada Santista - Aspectos Geográficos (diversos autores), editado pela Universidade de São Paulo, em 1965.

Veja as partes [1] e [2] desta matéria
Veja Bairros/Itatinga/Bertioga

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