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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO
Recantos pitorescos nas ilhas das Neves e Diana (4)

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Publicado em 28/10/1982 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)


O sol e o rio no dia-a-dia dos pescadores

Ilha Diana
Uma vila que trabalha muito, mas vive em paz

Reviravoltas da vida. De repente, dona Dina se viu sozinha na ilha, sem filhos, sem vizinhos com quem conversar. Era a primeira moradora.

Ela e o marido, já falecido, viviam no Saco do Embira (ou Bocaina), em Vicente de Carvalho. Mas naqueles primeiros anos da década de 40 tiveram que deixar o lugar por força da ampliação do aeroporto da Base Aérea. Partiram para a ilha. Só que o marido ia pescar e ela ficava totalmente só. Como não teve filhos, o casal resolveu adotar crianças. Adotou seis.

Os vizinhos chegaram aos poucos. Vieram Pedro, Luísa, Aurora e outros velhos conhecidos do Saco do Embira. Hoje, os cerca de 100 moradores formam uma grande família. Todos se conhecem e mais que isso, são parentes ou possuem relações de compadrio. Esse é um dos motivos para não deixarem a vidinha simples que levam por nada no mundo.

Crianças não faltam: são 47 e, portanto, representam metade da população. Vivem à vontade, andam de um lado para outro o tempo todo, pés no chão e cabelos sempre revoltos, devido ao vento que sopra a maior parte do tempo.

Não precisam mais do que um short e uma camiseta para enfrentar o dia. Nada de chinelo ou sapato incomodando nos pés. No frio, o casaco logo fica de lado: quem há de sentir frio, sentado sob o sol, brincando de pega-pega, se embalando no balanço ou tentando pegar o caranguejo danado, que insiste em se esgueirar por entre as pedras e o lodo?

As mães, tranqüilas, porque sabem que os pequenos estão por perto. Nada é longe na Diana. Além do mais, não há ladrões ou assaltantes. Só tomam conhecimento de cenas de violência por meio do rádio e da televisão. Ouvem cada coisa escabrosa do mundo cá de fora, que a Edith Hipólito não vem à Cidade nem para passear.

Na ilha, sabem que por perto só tem amigos, gozam de sossego e tranqüilidade. Outro dia o Reinaldo Viscardi foi visitar a irmã, mas voltou bem depressa: não se conformou (e nem se acostumou) com tanto barulho. Benedito Manoel Gomes, filho do lugar, não deixa por menos e vai dizendo: "Embora de vez, só no caixão".

E se ninguém quer partir, tampouco chegam novos moradores. As terras pertencem à União e, para alguém se mudar para lá, precisa de aprovação da Capitania dos Portos, que exige do pretendente carteira de pescador. Assim, a população cresce apenas porque os adultos se casam e têm filhos.

Com o tempo ruim não tem pescaria e sim muita preocupação - O dia começa cedo na Ilha Diana. Quando o galo canta, às 4, 5 horas da manhã, muitos estão de pé. É hora de olhar o rio, observar como andam a maré e os ventos. Se a natureza não colabora, não tem pescaria.

Quando o tempo arruína e a chuva cai dias seguidos, o ambiente fica triste e os pescadores tomados de preocupação. Se a situação aperta, o jeito é mergulhar para tirar ostras, sair atrás de marisco e caranguejo. E esperar a maré boa, tempos melhores.

Os instrumentos de pesca são variados e incluem tarrafas, redes de espera, arrasto, covo ou cerco e espinhel. Por perto se pesca tainha, robalo, parati, carapé e bagre, mas os que conheceram o rio e o estuário em outras épocas sabem que não há nem comparação com a fartura de antigamente. Os peixes desaparecem das águas e os moradores mais jovens estão tratando de arrumar emprego fora, se ajeitar enquanto podem.

Eles são testemunhas de que os pescadores levam uma vida nada fácil. Às vezes passam a noite toda no mar e voltam para casa de mãos vazias. Em outros casos, há muita oferta do produto e se vêem obrigados a vender quase de graça.

Todos vendem no atacado, mais precisamente no Mercado Municipal de Santos. Pela tainha, peixe dos melhores, conseguem em média Cr$ 200 por quilo. E embora saibam que é revendida por Cr$ 400,00, Cr$ 600,00 ou até Cr$ 800,00 o quilo, não têm condições de entrar no sistema de venda direta ao consumidor. Conforme explica Reinaldo Viscardi, se capturam mil quilos de pescado, conseguem comercializar tudo no atacado.

O único produto vendido diretamente ao interessado final é o camarão vivo, muito utilizado na pesca amadora. Nos fins de semana, chegam muitos turistas à Diana, procurando por esse tipo de isca.

Na época em que dá mais camarão, lá para janeiro e fevereiro, o preço cai para Cr$ 5, Cr$ 6 ou Cr$ 10 a unidade. Quando tem pouco, os pescadores conseguem até Cr$ 30,00 por unidade, só que dão um duro danado para juntar uma boa quantidade. Quarta-feira da semana passada, Vicente Viscardi trabalhou das 6 da manhã às 11 horas para pescar 100 camarões, o que lhe renderá no máximo Cr$ 300,00. E isso com o cuidado de manter os crustáceos vivos a semana inteira, em viveiros rústicos que ficam parcialmente submersos na água. Camarão morto não atinge bom preço.

Sudepe só deixou promessas em troca da hospitalidade - Pelas incertezas cada vez maiores que a vida de pescador proporciona, algumas mulheres ajudam no sustento da família, trabalham como empregadas domésticas ou faxineiras, em Guarujá. A tendência é aumentar esse número, ainda mais que o pessoal da Sudepe andou por lá, fez mil promessas e nunca mais apareceu. Levou consigo as esperanças de melhoria que os pescadores artesanais ainda guardavam.

As mulheres que ficam em casa são caprichosas, lustram panelas e assoalhos a ponto de parecerem espelhos. Às 11 horas, o almoço está pronto e os varais cheios de roupa: resultado de uma manhã inteira de trabalho.

Nas horas vagas, elas se juntam no portão ou procuram a sombra de uma árvore para conversar coisas simples da vida, reclamar da carestia e perguntar se crianças e plantas vão indo bem.

Quando chega uma visita, não falta quem ofereça um cafezinho, um pedaço de bolo ou umas bolachas. Desta vez, a gentileza ficou por conta da Geny, 28 anos, mãe de quatro crianças, a mais velha com 11 anos de idade.

Se alguém pedir licença para se chegar, a Edith lembra que "licença só na Prefeitura". É o seu jeito de dizer "pro" visitante ficar à vontade, fazer da casa dela a sua. E se a despedida é acompanhada de um obrigado, ela ri e brinca novamente: "Ainda quer brigar, é?"

Pois é: como brigar depois de tanta hospitalidade?


Brinquedos de loja nunca fazem falta

Veja as partes [1], [2] e [3] desta matéria
Veja Bairros/Sítio das Neves/Ilha Diana

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