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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - NAVIO SINISTRADO
Ais, ais... uma novela de 38 anos (1)

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Um dos maiores exemplos de como a burocracia e a negligência das autoridades podem manter uma situação de risco permanente até mesmo durante décadas, o navio sinistrado Ais Georgius permanece semi-submerso junto ao canal de navegação do porto santista, mesmo diante dos grandes riscos que isso representa para o porto e a comunidade, e dos constantes protestos contra essa situação:
 


Manchete do jornal A Tribuna de Santos, em 9 de janeiro de 1974

Principais fatos após a chegada do navio a Santos

27/12/1973 - O Ais Giorgis chega a Santos e fundeia na barra à espera de uma vaga no porto.

30/12/1973 - O navio atraca no cais dos armazéns 30 e 31 e começa a descarga de caixas, sacos e tambores, com leite em pó, óleo de pinho, resina, champanha e produtos químicos diversos, entre os quais nitrato de sódio.

8/1/1974 - Às 21h34, segundo registro dos bombeiros, começa o incêndio violento e incontrolável, que seria o maior da história do porto.

9/1/1974 - Já de madrugada, o navio, que oferece riscos a outros navios e às instalações do porto, é puxado para o meio do estuário e encalhado perto da margem esquerda, na altura do Armazém 25.

22/11/1974 - A armadora Shipmeyr recebe indenização da seguradora e autoriza a venda do que restou da embarcação.

22/1/1975 - O navio e sua carga são adquiridos pela empresa Lavre-Guarulhos. Nos anos seguintes, os destroços passam para as mãos de José dos Ramos Afonso e Aquiles Sauli Maosolete, depois substituído por Edivenes Festa.

8/11/1978 - A empresa Jommag adquire o Ais Giorgis por Cr$ 3.165.832,49.

6/5/1979 - A Jommag informa que dentro de 30 dias o cargueiro seria rebocado para as instalações em Guarujá, onde terminava o desmonte do cruzador Almirante Barroso, da Marinha.

8/7/1979 - Violento vendaval, durante a madrugada, quebra as amarras e arrasta a embarcação para o meio do estuário, onde se encontra até hoje.

27/10/1988 - Depois de muita discussão, a Marinha decide que o navio, abandonado pelo dono, deve ser retirado pela Secretaria Nacional dos Transportes, que delega essa competência à Codesp, por intermédio da Portobrás.

2/5/1988 - A Diretoria de Portos e Costas (da Marinha) baixa portaria, autorizando a Portobrás a levantar novos dados sobre a situação do navio.

13/4/1989 - O navio-tanque Ipanema, com 14 mil toneladas de álcool, raspa nos destroços do Ais Giorgis. Conforme registro de A Tribuna na ocasião, se houvesse colisão, poderia ter causado incêndio.

16/4/1989 - O clamor público obriga a Portobrás a tomar uma atitude. Seu presidente, Carlos Theophilo, assina termo de responsabilidade sobre o navio.

15/1/1990 - Em visita a Santos, o então ministro da Marinha, Henrique Sabóia, recebe pedido da comunidade, para que pressione a Portobrás a tomar atitude.

1/11/1991 - A Codesp realiza reunião pública para anunciar a abertura de concorrência para a remoção do navio.

9/3/1992 - A Codesp modifica os termos da concorrência, para facilitar a formação de consórcios.

17/4/1992 - O prazo para a compra do edital da concorrência é prorrogado, extra-oficialmente, porque não houve interessados.

28/5/1992 - Termina o novo prazo da licitação, que prevê a retirada do navio e da carga, sem prejuízos para a navegação e o ambiente.

2/10/1992 - A firma Jabour Exportadora, eliminada na fase inicial do julgamento, obtém liminar judicial e continua na concorrência. Outras empresas também apelam à Justiça.

5/3/1994 - Por determinação do Ministério dos Transportes, a Codesp anula a concorrência.

13/11/1996 - A Codesp inclui a remoção do navio em seu plano de projetos prioritários, contando com verbas do Banco Mundial.

20/8/1997 - Os recursos são incluídos na previsão orçamentária de 1998 e o capitão dos portos chega a anunciar que o navio seria resgatado no prazo de três meses.

8/1/1998 - A Codesp publica novo edital, alterando as datas da concorrência internacional.

16/3/1998 - São abertos os envelopes da licitação e a Superpesa é considerada vencedora.

17/4/1998 - O Conselho de Administração (Consad) da Codesp ratifica a decisão da comissão julgadora e autoriza a elaboração do contrato.

9/8/1998 - A balsa Superpesa VIII chega a Santos para iniciar o serviço de demolição do Ais Giorgis.

Setembro de 1998 - Mergulhadores chegam à Cidade para avaliar o estado do navio. Também começam a colocar bóias sinalizadoras na região.

[Cronologia publicada no caderno Porto & Mar do jornal santista A Tribuna, em 7 de janeiro de 1999, ao ser registrado o 25º aniversário do afundamento do navio. Os trabalhos de remoção dos destroços ainda iam começar]

"Ais Georgius": por pouco, a catástrofe prevista...

Carlos Pimentel Mendes (*)

Muita sorte têm determinadas autoridades, que por pouco, bem pouco, se livraram de explicar ao público sua omissão no caso do cargueiro Ais Georgius, sinistrado em 8 de janeiro de 1974 e cujo casco permanece até hoje às margens do canal de navegação no estuário do porto de Santos.

Esta coluna já havia responsabilizado - em dezembro passado - até o presidente Sarney pela falta de uma solução para o caso. Na semana passada, quase ocorreu um desastre ecológico, quando o petroleiro nacional Ipanema, da Fronape/Petrobrás, com 14.420 toneladas de óleo diesel e álcool, por pouco não colidiu com o cargueiro semi-submerso: desgovernado por meia hora, na noite do dia 11, em meio à chuva torrencial, quando deixava o cais do armazém 12, foi salvo pelos rebocadores Platão e Saturno, que na emergência se juntaram aos Eridanus, Neptuno e Virgo, da empresa Saveiros, Camuyrano Serviços Marítimos, que realizavam as manobras para a saída do porto.

Afora o risco do derramamento de combustível em grande quantidade na área interna do porto, houve o de incêndio, que poderia se alastrar às instalações portuárias e até, conforme as correntes aquáticas, atingir depósitos de produtos químicos e combustíveis do porto, o que significaria uma catástrofe ainda maior que o desastre ecológico.

Em comentários anteriores, nem mencionamos o risco de colisão com um navio gaseiro ou petroleiro, para que não dissessem que estávamos acometidos de sinistrose ao relacionarmos os riscos da permanência do Ais Georgius naquele local: fechamento parcial do porto e do acesso aos cais privativos de indústrias como a Cosipa, perda de 10% da receita cambial do país durante esse período, risco de contaminação das águas pelos produtos químicos porventura existentes no porão do navio sinistrado etc.

Nos últimos quatro meses, a última nota de nossa seção Nos Bastidores é invariavelmente dedicada à contagem do tempo que passou desde o sinistro de 1974, cobrando providências que parecem nunca surgir. Parece que só ocorrerão após o acidente que previmos ter acontecido.

Torna-se ridículo que no meio do principal porto latino-americano de carga geral haja um navio semi-submerso há tanto tempo que sua posição é até assinalada nas cartas náuticas. O Ais Georgius é um perfeito retrato deste país, aliás...

(*) Carlos Pimentel Mendes era na ocasião em que foi publicado este editorial - dia 18 de abril de 1989 - o jornalista responsável pelo caderno semanal Marinha Mercante em Todo o Mundo, publicado no jornal O Estado de São Paulo.


O incêndio ocorreu na noite de 8 de janeiro de 1974
Foto: jornal santista A Tribuna

Incêndio a bordo foi "noite de horrores"

Hélio Schiavon e Pesquisa A Tribuna (*)

No dia 8 de janeiro de 1974, o novo comandante da Capitania dos Portos do Estado de São Paulo, Nuno Marques Pillar, que substituía o capitão Valentim Pereira Ferreira, não poderia imaginar que seu primeiro dia em Santos seria marcado por uma autêntica "noite de horrores". Era o incêndio do cargueiro grego Ais Giorgis, seguido de violentas explosões, que sacudiram a Cidade e espalharam pânico.

O horror começou, na verdade, na tarde do dia 8, quando os portuários constataram que a carga do Ais Giorgis "ardia na mão dos estivadores, fumegando no contato entre as várias qualidades de produtos químicos, transportados em um único porão".

Foi justamente a combustão espontânea do nitrato de sódio, embarcado em vagão junto ao costado do navio, o estopim para que as horas seguintes ficassem marcadas na lembrança de todos os que viveram aquela noite.

O começo do fogo - Pelos registros da Companhia Docas de Santos (CDS), concessionária particular que administrava o porto, eram 21h34 quando o fogo começou na galera (vagão aberto) nº 40 da empresa, destruindo-a parcialmente.

Os bombeiros dominaram o fogo, mas não impediram que o casco do navio se aquecesse, incendiando os produtos químicos que estavam nos porões.

Meia hora depois, nada mais podia ser feito pelo cargueiro. As chamas passaram ao restante da carga. E, para salvar as instalações do porto, o navio, que estava atracado no cais dos armazéns 30 e 31, foi rebocado para o meio do estuário.


"Foi a maior tragédia no cais. Uma noite de sustos, correrias, pânico em toda a Cidade"
Legenda e foto: Arquivo, jornal santista A Tribuna, edição comemorativa
do 40º aniversário do caderno Porto & Mar, 17 de agosto de 1985

Vítima fatal - Dois rebocadores lançaram seus cabos, enquanto todos abandonavam a embarcação em chamas. Menos Marcelo Martins Vicente, auxiliar de segurança da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes da CDS. Ele tentou deixar o navio pendurado em um cabo dos rebocadores, mas não conseguiu completar a travessia. Caiu e desapareceu na água em chamas. Seu corpo só foi encontrado na manhã do dia seguinte.

O Ais Giorgis queimou durante três dias e três noites. Considerado perdido, o armador Shipmeyr foi ressarcido de suas perdas pela seguradora, que passou a ser dona dos destroços.

A seguradora promoveu um leilão e os arrematantes foram José dos Ramos Afonso e Aquiles Sauli Macsolette, substituídos depois por Idivenes Festa.

Em 1978, os novos donos tiraram os motores e todos os metais preciosos da embarcação. Em seguida, desencalharam o navio e o rebocaram para um estaleiro de Vicente de Carvalho, onde completariam o desmonte.

Vendaval - Mas a odisséia do cargueiro sinistrado não terminava aí. Na mesma noite em que foi desencalhado, um vendaval açoitou a região, arrebentou os cabos que o prendiam e arrastou o Ais Giorgis para o meio do estuário, desta vez na altura do cais do Armazém 16 para quem o vê de Santos e na estação de barcas de Vicente de Carvalho para os observadores de Guarujá.

O navio ficou junto ao canal de navegação apenas com a proa (frente) para fora da água, constituindo-se sério risco para a passagem de outros navios.

Estudos contratados pela Codesp, que ficou com a responsabilidade de resgatar a embarcação, mostraram que o Ais Giorgis contém, ainda, toneladas de produtos químicos nos porões. O seu resgate exigirá, portanto, cuidados especiais, tanto para evitar novos acidentes pessoais, como para impedir a poluição do estuário.

(*) Publicado em 7 de janeiro de 1993 no caderno Porto & Mar do jornal santista A Tribuna, em matéria sobre os então completados 19 anos do sinistro.

Os destroços do navio, em foto do final da década de 1980/90 (foto do arquivo do editor de 'Novo Milênio')
Os destroços do navio, em foto do final da década de 1980/90
Foto: arquivo do editor de Novo Milênio

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