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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - PIONEIROS DO AR
Um vôo pioneiro (3)

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Durante os testes de seus primeiros aeroplanos, na Baixada Santista, também o aviador Edu Chaves sofreu um acidente, no Guarujá, registrado no jornal santista A Tribuna, em uma sexta-feira, 14 de novembro de 1913 (página 1 - ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da matéria original

Edu Chaves

O glorioso aviador paulista caiu ontem ao mar em conseqüência de uma pane no motor do seu aparelho

O bravo campeão dos ares explica a A Tribuna a causa do acidente - A futura Escola de Aviação do Estado de São Paulo

Edu Chaves, o destemido aviador paulista que tantas proezas tem feito voando no seu elegante Bleriot, escapou ontem, graças ao seu extraordinário sangue frio e à sua incomparável perícia, de uma horrível queda, que fatalmente teria as mais desastrosas conseqüências.

O valoroso aviador, que tem os seus monoplanos 50 HP e 80 HP, tipo Bleriot, guardados em uma das dependências do Grande Hotel de la Plage, na praia do Guarujá, veio anteontem pela manhã de São Paulo, a fim de preparar um desses aparelhos, com o qual devia voar no prado da Moóca, na capital, por ocasião da grande parada que a Força Pública ali deve realizar amanhã. Auxiliado pelo seu mecânico Robert e pelo ajudante deste hábil profissional, Edu Chaves regulou, anteontem cedo, o motor Gnome, de 80 cavalos, do monoplano que lhe foi há tempos oferecido pelo Aero Club Paulistano, e logo que verificou achar-se a máquina em boas condições, efetuou um belo vôo sobre a nossa cidade, partindo da praia do Guarujá.

Desse lindo reide aéreo demos em nossa edição de ontem pormenorizada descrição.

Ontem pela manhã, cerca de 11,30, Edu Chaves, que se achava no Guarujá, resolveu realizar mais uma prova com o seu elegante velívolo, fazendo-se desta vez acompanhar de Robert, o seu dedicado e fiel mecânico.

Retirado o possante 80 HP do respectivo hangar e verificadas cuidadosamente todas as suas peças principais, Edu Chaves e Robert tomaram lugar na nacela do aparelho, e o motor foi em seguida posto em marcha.

O Gnome do monoplano de Edu trabalhava admiravelmente.

Edu deu o sinal de lacher tout e o esguio pássaro mecânico ergue-se celeremente ares em fora.

Após algumas evoluções sobre a praia do Guarujá, Edu tomou rumo da cidade, de onde seguiu em direção à Ponta da Praia, sempre voando a uma altura calculada em 800 metros.

Ao regressar para a cidade, quando o aeroplano se achava sobre o Mercado Municipal, o motor começou a falhar, sinal de que se ia dar em breve uma pane.

Edu Chaves, com uma extraordinária calma, mediu, em um fechar de olhos, todo o perigo a que estava exposto, assim como o seu companheiro de reide aéreo.

O seu monoplano de 80 cavalos é um aparelho diferente dos que Louis Bleriot, o célebre aviador e fabricante de aparelhos de voar, costuma construir para neles montar os motores Gnome de força de 80 cavalos. Edu Chaves, quando há tempos fez encomenda desse veículo na Europa, recomendou que se modificasse o trem de aterrissagem, a fim de diminuir de 80 quilos o respectivo peso. Essa modificação consistiu na supressão das molas em espiral que servem para amortecer o choque quando os aeroplanos tocam o solo após um vôo.

No monoplano de Edu o trem de aterrissagem compõe-se apenas de duas minúsculas rodas munidas de pneumáticos e ligadas por um eixo. Das extremidades do eixo partem dois finos garfos que prendem as rodas ao corpo do aeroplano.

Tal é o trem de aterrissagem do monoplano de Edu, trem que deixou assombrado o aviador argentino engenheiro Nemberry, quando, de passagem por este porto, foi visitar o hangar do seu colega brasileiro.

Essa modificação, se por um lado apresenta a vantagem de diminuir sensivelmente o peso do aparelho, tem, por outro, o inconveniente de tornar perigosíssimas as aterrissagens em terrenos duros ou insuficientemente aplainados.

Foi nesse perigo que pensou Edu, segundo declarou ao nosso repórter ontem, quando percebeu que o motor do seu monoplano ia sofrer uma pane.

Voando sobre a cidade, Edu não tinha lugar algum onde pudesse descer sem perigo, caso o motor parasse.

Por isso, logo que verificou ameaçar o motor "dar o prego", o destemido rapaz tratou de procurar a direção do mar, onde mais facilmente poderia descer.

Sempre calmo, sempre manobrando com extraordinária perícia, Edu fez rumo para a baía. Ao chegar, porém, próximo à Recebedoria de Rendas, o motor parou repentinamente e Edu, que se achava a cerca de 400 metros de altura, foi obrigado a flanar o aeroplano, afim de salvar-se e salvar o seu mecânico.

Deixando que o monoplano, em vol piqué aceleradíssimo, tomasse velocidade, Edu dirigiu-o para o mar e assim conseguiu passar por sobre o edifício da Alfândega e pela mastreação do paquete nacional Tupy, da Companhia Nacional Comércio e Navegação, o qual se achava atracado ao cais em frente ao armazém n. 6 da Docas. Um bem aplicado golpe do leme de profundidade equilibrou novamente o aparelho, quando este se achava a uns dez metros acima das águas calmas da baía.

Mais alguns segundos e o possante 80 HP de Edu Chaves pousava delicadamente no mar.

Robert, o mecânico de Edu, abandonou a nacela e agarrou-se à borda de uma canoa que passava pelo local na ocasião da queda do aeroplano.

Por ali também passava nesse momento uma lancha-automóvel, de propriedade do sr. Augusto Gomes, e na qual seguiam para a Bocaina o sr. Mauro Mariano e mme. Santini, que para aquele bairro ia em serviço de sua profissão de parteira.

Edu Chaves, que se conservou dentro da nacela do seu monoplano, logo que a lancha deste se aproximou, pediu que lhe passassem um cabo e com ele amarrou à embarcação o seu aeroplano, a fim de evitar que fosse ao fundo.

Só depois de salvo o aparelho é que Edu passou-se para a lancha que, auxiliada por uma outra da Alfândega, rebocou o monoplano para perto do vapor Tupy. De bordo desse navio foi içado o aeroplano, com auxílio de um guindaste, e colocado no convés, próximo ao castelo de proa.

Resguardado o seu pássaro mecânico, Edu e seu mecânico partiram para o Guarujá, a fim de mudarem de roupas, dali regressando uma hora depois.

A bordo do Tupy, Edu Chaves e os seus dois mecânicos desmontaram o motor e verificaram então qual havia sido a causa do desastre.

Tendo nas mãos uma pequenina peça de aço retirada de um dos cilindros do motor, Edu, voltando-se para o repórter da Tribuna, exclamou, rindo-se: "Ora, aqui está esta coisinha que quase nos fez perder as cabeças!"

E explicou logo em seguida: "Foi o contrapeso da válvula de admissão de um dos cilindros que se quebrou durante o vôo. Os Gnomes são ótimos motores, mas de vez em quando nos pregam destas partidas. É a segunda vez que caio em conseqüência da ruptura de uma destas pecinhas. A primeira vez foi em Rocinha, quando eu efetuava o reide aéreo São Paulo-Campinas".

- E o acidente inutilizou-lhe o aeroplano? indagamos.

- Não. O aparelho quase nada sofreu. Apenas uma das asas teve a tela rasgada na extremidade. O motor apanhou água salgada, mas com uma cuidadosa limpeza e substituição do contrapeso da válvula avariada, estará em breve em condições de trabalhar.

Abusando da paciência evangélica com que Edu nos atendia, interrogamo-lo acerca da futura Escola Paulista de Aviação.

- Está para breve a sua inauguração, informou-nos Edu Chaves.

O aeródromo de Guapira já está concluído. Os hangares também já estão prontos. Aguardamos apenas a chegada de três aeroplanos para aprendizagem, os quais já estão aqui na Alfândega, para inaugurarmos a escola.

- E quais os tipos de aparelhos que vai adotar no estabelecimento?

- Bleriot e Morane-Saulnier. São dois ótimos tipos de aeroplanos. Os Morane sobretudo prestam-se admiravelmente para o nosso país, pois são muito fortes e duram muito.

Agradecemos a Edu as gentis informações e, abraçando-o mais uma vez, deixamo-lo em preparativos de embarque para S. Paulo, onde pretende voar amanhã por ocasião da parada militar no prado da Moóca.

O aeroplano avariado vai ser remetido hoje para S. Paulo, a fim de ser ali reparado.

Edu Chaves voará amanhã em monoplano de força de 50 cavalos.

O monoplano de Edu Chaves na ocasião em que estava sendo içado para bordo do vapor nacional Tupy, após a sua queda ao mar

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