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Edição 155 - OUT/2006
OPINIÃO

Biodiversidade em baixa

José Eli da Veiga (*)

Com o propósito de obter um Produto Interno Líquido (PIL), que chegou a ser chamado de "PIB-verde", muitos economistas apostaram em técnicas de precificação dos bens e serviços naturais (e também de outros intangíveis) para os quais não existem mercados. Conforme avançaram nesse rumo, perceberam que estoques são muito mais significativos para a avaliação da riqueza do que os fluxos captados por cálculos de produto. Passaram, então, a procurar modos de estimar o que chamam de "poupança genuína", ou de "poupança líquida ajustada".

No entanto, até agora, não conseguiram fazer estimativas sobre a depreciação de ativos cruciais, como água potável, solo, áreas de pesca oceânicas, florestas e manguezais. Também fica de fora a atmosfera, que serve para despejo de particulados, nitrogênio e óxidos de enxofre.

Pior: os preços estimados para atribuir valor monetário aos bens naturais que entraram na lista baseiam-se em premissas que ignoram a capacidade limitada de sistemas naturais recuperarem-se de perturbações (a resiliência). Resultados demasiadamente precários, portanto, como ficou evidente no ano passado, quando veio a público o relatório do Banco Mundial "Where is the wealth of Nations?".

É sorte, portanto, que outro grupo de economistas tenha rejeitado essa crença na necessidade de colocar preços em ativos ambientais. Em vez de fazer malabarismos para afirmar qual seria o valor monetário da camada de ozônio, do mico-leão-preto, ou do bem-me-quer, procuram mobilizar todos os conhecimentos científicos disponíveis para chegar a medidas físicas da sustentabilidade.

E entre as várias tentativas que vêm surtindo efeito nos últimos dez anos - desde que a ONU se empenha nessa direção - nenhuma conseguiu superar em clareza e simplicidade os dois indicadores básicos propostos pelo WWF Internacional em seus relatórios bianuais intitulados "Living Planet Report".

Ainda mais importante do que essas impressionantes cifras globais são as ricas tabelas que permitem comparações entre os países. Por exemplo: em hectares globais equivalentes, há sérios déficits ecológicos per capita nos EUA (-4,8), na China (-0,9) e na Índia (-0,4). Mas, felizmente, ainda existem significativas reservas em alguns países, como na Rússia (+2,5) e, sobretudo, no Brasil (+7,8). Reservas que tenderão a desaparecer com rapidez se não for derrubada a ditadura do PIB como única e sacrossanta medida de riqueza. Um temor que só pode ser poderoso convite ao exame dos três cenários apresentados no final do relatório.

A simples projeção das tendências atuais mostra que sérios colapsos se avizinharão. Com moderada mudança, até haverá chance de que a pegada se alinhe à biocapacidade, mas somente no próximo século. E se a utopia do desenvolvimento sustentável for levada a sério, essa proeza poderá ser alcançada em meados deste século.

(*) José Eli da Veiga é professor titular da USP (Departamento de Economia e Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental) autor de “Desenvolvimento Sustentável – O desafio do Século XXI” e membro do Conselho Consultivo do WWF-Brasil.