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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - HISTÓRIA - BIBLIOTECA NM
A História Econômica de Cubatão (7)

Com o título: "Entre estatais e transnacionais: o Pólo Industrial de Cubatão", esta tese de doutorado foi defendida em janeiro de 2003 no Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) pelo professor-doutor Joaquim Miguel Couto, de Cubatão, que autorizou sua transcrição em Novo Milênio. O tema continua:

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ENTRE ESTATAIS E TRANSNACIONAIS: O PÓLO INDUSTRIAL DE CUBATÃO

Prof. Joaquim Miguel Couto

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Capítulo II

Os gloriosos anos cinqüenta: a implantação da Refinaria Presidente Bernardes e a constituição do primeiro pólo petroquímico brasileiro

2.3 – Localização industrial e a refinaria de 45 mil barris

Como já foi visto, a decisão final de se localizar a refinaria de 45 mil barris de petróleo no Porto de Santos (ou localidades próximas) ocorreu em uma reunião do presidente da República com o Conselho de Segurança Nacional, que rejeitou, assim, o parecer técnico do CNP para localizar a refinaria no Rio de Janeiro.

Dessa forma, a impressão que se passou para a história, é de que a decisão para construir a refinaria no Porto de Santos foi uma decisão política (ou de estratégia militar), e não técnica. Na verdade, ocorreu justamente o contrário: a primeira decisão do CNP foi de cunho político (dos membros cariocas do CNP), enquanto que a decisão do Conselho de Segurança Nacional foi eminentemente técnica (amparada pelos estudos do coronel Levy).


Instalações da Refinaria Presidente Bernardes, em foto de 1956
Foto de Boris Kauffmann, no Guia Santista (Tourist Guide to Santos) de 1956, Santos/SP

O primeiro manual de localização industrial no Brasil, escrito por Fernando Mota, em 1960, ensina que os principais fatores locacionais são o mercado ou a matéria-prima [26]. Geralmente, segundo esse autor, as empresas industriais procuram se localizar próximas ao mercado consumidor (efetivo ou potencial) ou próximas a sua fonte principal de matéria-prima.

Outros fatores locacionais importantes são a disponibilidade de mão-de-obra, de energia e os custos de transporte. Podem ser ainda alinhadas as economias de escala, de localização e de urbanização. Por economias de localização temos as indústrias vinculadas pelas inter-relações insumo-produto: química, metalúrgica etc. (Mota, 1960:47) [27].

Apesar do exposto acima, Mota concluiu "que os fatores locacionais, encarados no tocante à orientação da atividade industrial, podem ser sumariados, mais realisticamente, em: 1) mercado; 2) matérias-primas; 3) mão-de-obra; 4) energia; 5) capital; 6) transportes" (Ibid., p.151).

Diz que o analista, ao tratar o problema locacional, deve se concentrar nos fatores que afetam o custo de produção e de distribuição da produção. Entre os exemplos que o autor utiliza para indústrias que se localizam próximas ao mercado consumidor, temos a destilação e refinação de petróleo e a fundição de produtos metalúrgicos, ou seja, os dois casos de Cubatão (Ibid., p.142).

Outro ponto ressaltado pelo autor, e que tem nexo com Cubatão, é que algumas regiões podem desfrutar de condições locacionais que antes não possuíam, quando se estabelecem nelas um sistema de produção e de distribuição de energia elétrica, abundante e mais barata (Ibid., p.66). Esse é um dos atributos locacionais de Cubatão, que surgiu com a construção Henry Borden, em 1926 [28].

Outro estudo importante de localização industrial foi o realizado por Azonni (1981). Analisando os fatores que influenciaram a localização das indústrias paulistas, no período de 1958 a 1967, considera que a influência mais importante partiu dos fatores aglomerativos, "cujo coeficiente de correlação parcial é maior do que os dos demais" (Azonni, 1981:56). Atribui ainda como fator importante o tamanho do mercado da cidade de São Paulo, bem como o custo de transporte.

Quanto ao custo de mão-de-obra, esse fator pouco significou na localização das empresas. Também os incentivos municipais, como doação de terrenos ou isenção de impostos municipais, não determinaram a localização das indústrias: "(...) acreditamos poder concluir que os incentivos não são fator locacional importante o suficiente para suplantar aqueles fatores com que os comparamos" (Ibid., p.58).

Por fim, cabe resgatar o estudo clássico dos complexos industriais de Jean Chardonnet (1953), em que afirma, com base na experiência dos países desenvolvidos, que as áreas portuárias eram as escolhidas para a localização de indústrias siderúrgicas, refinarias e fertilizantes, dado o grande volume de matérias-primas e produção envolvidos.

De acordo com a Petrobras (1973:22), seguindo a mesma linha de Mota, existem duas teorias para a escolha de uma determinada região para instalar uma nova refinaria: "(..) a da localização nas proximidades da jazida produtora de petróleo e a da localização próxima da região onde o consumo de derivados é mais acentuado. Essa última teoria tem prevalecido ultimamente face à maior facilidade e ao menor custo para o transporte do petróleo em comparação com o transporte dos derivados. Aliadas a esses fatos, outras causas influenciam na escolha da localização, como a existência de uma infra-estrutura que possa suportar a instalação da refinaria, a disponibilidade de mão-de-obra, energia elétrica, água etc.".

No caso da primeira refinaria da Petrobras, Landulpho Alves (antiga Mataripe), prevaleceu a primeira teoria, ou seja, a localização próxima à jazida produtora de petróleo, conforme depoimento da própria Petrobras (1976:48): "(...) projetada especialmente para processar o óleo produzido nos campos baianos de Candeias, D. João e Itaparica". No caso da Refinaria de Cubatão, prevaleceu a segunda teoria, a da localização próxima a um grande centro consumidor: "(...) a escolha do município de Cubatão deveu-se à maior proximidade com o mercado, à adequada infra-estrutura e a razões estratégicas de defesa de suas instalações" (RPBC, 13 de abril de 2000:01).

Para a geógrafa Lea Goldenstein (1972:126), "foi portanto em virtude de uma decisão de nível político, com base em razões de ordem estratégica, porém, como tudo leva a crer, atendendo ao empenho manifestado por grupos econômicos de São Paulo, que se deu a implantação desse colossal conjunto industrial na raiz da serra". Ou seja, Goldenstein considera que a decisão do CNP de instalar a refinaria nas proximidades do Porto de Santos foi uma decisão de ordem política e militar. Desconhecia a geógrafa da USP que o Conselho de Segurança Nacional estava amparado pelo estudo técnico desenvolvido pelo coronel Arthur Levy.

Levy, através de suas pesquisas, reconheceu que a refinaria deveria se situar na região de maior consumo, e que tinha, como outros fatores positivos, o maior porto e a maior usina hidrelétrica do país [29]. A questão de estratégia militar foi obra do próprio Levy, como um reforço para colocar a refinaria no sopé da Serra de Cubatão, ao lado da usina hidrelétrica, pois em caso de um ataque aéreo, dada a encosta da Serra do Mar e seus contrafortes, só restaria uma única rota de ataque [30].

Naquela época, a questão militar estava muito presente na mentalidade das pessoas. As manchetes dos jornais, durante todo o ano de 1949 e 1950, eram quase sempre as mesmas, "a eminência de uma terceira guerra mundial, entre Estados Unidos e União Soviética". A própria revista Observatório Econômico, na sua edição de agosto de 1949 (página 94), antes da escolha do Rio de Janeiro pelo CNP, afirmava que o local da refinaria dependia de critérios técnicos e de segurança nacional.

Alguns autores, como Goldenstein (1972:212), acreditam que a refinaria deveria ser instalada no Planalto, pois o Oleoduto que abastece Cubatão é o mesmo que leva os produtos derivados ao Planalto. Podemos afirmar, contra isto, que a refinaria não foi para o Planalto em função unicamente da usina hidrelétrica Henry Borden [31].

A disputa entre Santos e Cubatão para sediar a refinaria foi relativamente fácil de ser resolvida. Primeiro, as terras em Santos eram bem mais caras que as de Cubatão, principalmente em função da crise por que passava a cultura da banana. Segundo, Cubatão tinha vastas áreas contínuas em comparação a Santos [32]. Terceiro, localização da Usina Hidrelétrica em Cubatão [33]. Quarto, subsolos mais firmes que os de Santos. Quinto, abundância de água doce, de captação direta pela refinaria, coisa não possível em Santos. Sexto, Santos era uma região densamente habitada para instalar uma refinaria [34]. Sétimo, em Santos, a refinaria ficaria mais exposta a um ataque militar [35].

O único ponto favorável a Santos seria a possibilidade de ligação direta com os petroleiros para receber petróleo e exportar os derivados para outras regiões do país. Esse fator foi o motivo para se construir a Refinaria Landulpho Alves à beira mar, na Bahia de Todo os Santos, com um terminal marítimo localizado a poucos quilômetros da mesma, situado na Ilha de Madre de Deus.

Assim, podemos concluir que a escolha da região de São Paulo para instalar a refinaria foi, com toda certeza, em função do seu grande mercado consumidor. Sua instalação em Cubatão, por outro lado, ocorreu devido, principalmente, à possibilidade de se situar ao lado da maior hidrelétrica em operação do país. Todos os outros motivos apontados, são em conseqüência, fatores de menor importância, embora no seu conjunto venham a propiciar melhores condições de funcionamento e de instalação.

A implantação da Refinaria em Cubatão não teve como preocupação a oferta de empregos nem o desenvolvimento econômico e social da região, mas sim abastecer um o principal centro consumidor de derivados de petróleo do Brasil. No mais, visou à diminuição da dependência das importações de derivados, dado que uma das preocupações da Petrobras, em suas publicações, era sempre mostrar a economia de divisas em razão da refinação interna de petróleo.


A RPBC foi a primeira refinaria de petróleo do Brasil
Foto: José Moraes, in jornal A Tribuna, 9/4/1998, caderno especial Cubatão 49 anos


NOTAS:

[26] Partindo dos trabalhos de Augusto Losch e Walter Isar, passando pelas teorias parciais da localização de J.H. von Thunen e W. Launhardt, e pela teoria geral de Alfredo Weber, Fernando Mota procurou escrever uma obra próxima da utilidade imediata, para soluções de problemas concretos. Segundo a teoria, a eficiência de qualquer atividade econômica depende da distribuição espacial dos mercados supridores e de consumo. A questão é: onde produzir? A escolha da localização de uma atividade industrial, por isso, pode determinar o seu êxito ou o seu fracasso (Mota 1960:05).

[27] Quanto aos fatores locacionais específicos, temos as condições de clima, a disponibilidade de água e de terras, serviços e resíduos industriais. O alto custo da terra, nos grandes centros urbanos, se torna exemplo da tendência desaglomerativa. Já os fatores motivacionais são divididos em dois grupos: fatores tangíveis (crédito, impostos incentivos governamentais etc.) e fatores intangíveis (motivações pessoais, bem estar social etc.) (Mota, 1960:47).

[28] Mota (1960:125) finaliza afirmando que não existe uma solução científica e inequívoca para a localização de uma indústria, pois a localização industrial depende não só de fatores econômicos, mas também de orientação política, administrativa e até ideológica dos responsáveis pela sua formulação, no ambiente do Estado.

[29] Rattner (1972:28) considera que a Refinaria de Cubatão foi racionalmente planejada: "Com raras exceções – a refinaria Presidente Bernardes em Cubatão e a Companhia P. de Aços seriam apenas casos isolados – não houve planejamento macroeconômico por ocasião da implantação desses complexos industriais em São Paulo".

O poder de atração da Usina da Light pode ser vislumbrado pelo discurso de Getúlio Vargas, em dezembro de 1953: "É a necessidade urgente, a necessidade cada vez maior de aproveitar o potencial elétrico do Brasil. O desenvolvimento industrial do país está em atraso porque falta-lhe energia elétrica necessária; porque esse desenvolvimento não é acompanhado pela produção de energia elétrica barata para essa expansão de suas indústrias" (Vargas citado por Pereira, 1975:192).

[30] Essa única rota de ataque é atualmente protegida por quatro baterias antiaéreas, dispostas em Guarujá e na Rodovia Piaçaguera-Guarujá. Esse fato levou muitos estudiosos a considerar que a instalação da refinaria em Cubatão foi pelo motivo único de segurança nacional: "De acordo com as plantas do projeto da firma norte-americana Hidrocarbon Research Incorporation, a Refinaria Presidente Bernardes originalmente seria construída num local do litoral do Estado do Rio de Janeiro. Apesar de o porto de exportação de café, Santos, não estar equipado para o atracamento de grandes petroleiros, preferiu-se Cubatão como local por razões de segurança nacional" (Gutberlet, 1996:102).

[31] A própria Goldenstein (1965:21), entretanto, reconhecia a importância da usina Henry Borden: "Além disso, não resta a menor dúvida que, quando se cogitou de levar grandes indústrias para Cubatão, como a Refinaria, as indústrias petroquímicas, e a Cosipa, o fato da Light lá se encontrar e oferecer condições de energia fácil e direta, foi fator básico, sem o qual todos os passos seguintes não se teriam efetivado".

[32] "O afastamento do porto comercial ocorre quer pela dificuldade de encontrar terrenos disponíveis, como pelo alto preço dos mesmos (...)" (Goldenstein, 1972:45).

[33] Para Radesca (1965:100/101) não existe a menor dúvida quanto à relevância da Henry Borden para a localização industrial de Cubatão: "Das grandes indústrias estabelecidas na Baixada, foi a Light das pioneiras e a energia gerada em suas usinas muito concorreu para que novos grandes estabelecimentos industriais se localizassem na região, ocupando áreas outrora cobertas pelos bananais. A energia elétrica gerada em Cubatão foi a responsável, também, em grande parte, pelo desenvolvimento de todo o Parque Industrial paulista e, portanto, pela fisionomia atual da Capital e de inúmeras regiões do interior do Estado".

A autora ainda cita um depoimento de Pierre Monbeig: "A hidreletricidade produzida pela Light desempenhou aqui o papel exercido pelo carvão no vale do Ruhr e pelo petróleo no sul dos Estados Unidos" (Monbeig citado por Radesca, 1965:101). Goldenstein (1972:120) vai na mesma linha: "Sem a usina da Light e a possibilidade de estender os fios de alta tensão até as novas empresas, o processo de industrialização [de Cubatão] certamente ainda estaria por começar".

[34] "Evidentemente, não era aconselhável que uma refinaria do porte da Presidente Bernardes fosse instalada na área urbana de Santos. Muitos locais mais próximos à área portuária foram cogitados sem que se optasse por nenhum deles" (Goldenstein, 1972:41). Poucos meses após sua inauguração, em setembro de 1955, uma das torres da refinaria explodiu, no que seguiu um grande incêndio (Silva, 1985:162).

Um antigo morador escreveu sobre o acidente: "Num final de semana fomos jantar com Cássio e Gemma na Fabril. Em dado momento começamos a ouvir um forte chiado e quando saímos da casa nos assustamos com o espetáculo. Toda a serra e as nuvens do céu se iluminavam com aquele intenso clarão avermelhado. Compreendemos logo que um pavoroso incêndio lavrava na Refinaria. Quando por fim o fogo foi dominado, horas depois, voltamos a Cubatão e encontramos a cidade deserta.

"A população, usando todo tipo de condução, até mesmo a pé, debandou apavorada em direção a Santos. Só bem mais tarde começou a regressar a seus lares. Naquela trágica noite foi constatado por um engenheiro e três operadores um vazamento de gás numa das torres de craqueamento de petróleo da Refinaria. O engenheiro mandou que um dos operadores descesse e fechasse a válvula para interromper o vazamento. Nesse instante irrompeu o incêndio e o engenheiro e os dois operadores em sua companhia morreram carbonizados no alto da torre. Somente escapou com vida aquele que descera para fechar a válvula" (Pereira, 1988:305/306).

[35] Com todos esses motivos, ficou fácil para Goldenstein (em outro trabalho) concluir que "razões de ordem técnica teriam justificado a instalação da Refinaria neste lugar. Situada a meio-caminho do porto (entrada de matéria-prima) e do grande centro consumidor e distribuidor (a cidade de São Paulo), e dispondo de energia, abundância de água e facilidade de comunicações, Cubatão foi o lugar eleito pela indústria petrolífera e, em conseqüência, pela indústria petroquímica" (Goldenstein, 1965:22).