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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM... - 1839 - BIBLIOTECA NM
1839-1855 - por Kidder e Fletcher - 12

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Em meados do século XIX, os missionários metodistas estadunidenses Daniel Parrish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901) percorreram extensamente o território brasileiro - passando inclusive por Santos e por Cubatão em 1839 (Kidder) e 1855 (Fletcher) -, fazendo anotações de viagem para o livro O Brasil e os Brasileiros, que teve sua primeira edição em 1857, no estado de Filadélfia/EUA.

Kidder fez suas explorações em duas viagens (de 1836 a 1842), e em 1845 publicou sua obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (leia), sendo seguido por Fletcher (a partir de 1851), que complementou suas anotações, resultando na obra O Brasil e os Brasileiros, com primeira edição inglesa em 1857 e sucessivamente reeditada.

Esta transcrição integral é baseada na primeira edição brasileira (1941, Coleção "Brasiliana", série 5ª, vol. 205), com tradução de Elias Dolianiti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, publicada pela Companhia Editora Nacional (de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre), publicada em forma digital (volume 1 e volume 2) no site Brasiliana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - acesso em 30/1/2013 - ortografia atualizada - páginas 243 a 267 do volume 1):

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O Brasil e os Brasileiros

Daniel Parrish Kidder/James Cooley Fletcher

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Senado (abertura anual da Assembleia Geral por d. Pedro II)

Imagem: reprodução da página 245 do 1º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Capítulo XII

O Campo de Santana.

O trajeto comum, para as carruagens que vêm e vão em direção à Gamboa, é pelo Campo de Santana. Dos lados dessa vasta praça erguem-se muitos edifícios públicos importantes. A estação da Estrada de Ferro, um vasto quartel, a Câmara Municipal, o Museu Nacional, o Palácio do Senado, o Ministério das Relações Exteriores e uma grande Casa de Ópera podem ser vistos em diferentes trechos do parque.

Abertura da Assembleia Geral.

Assiste-se aí na data de 3 de maio a uma animada cena, quando as sessões da Assembleia Geral são abertas pelo imperador em pessoa. O séquito, que vem de São Cristóvão até o palácio do Senado, não é ultrapassado em efeito cênico por qualquer outro de igual gênero na Europa.

Os guardas a pé, com suas lanças, os dragões e hussardos em seus pitorescos e brilhantes uniformes, as bandas militares a cavalo, as grandes carruagens oficiais, com seus seis cavalos ajaezados, seus cocheiros e postilhões vestidos de libré, a carruagem da imperatriz puxada por oito cavalos cinzentos — a magnífica carruagem imperial, puxada por igual número de cavalos brancos, ornados de plumas Príncipe de Galles e a longa cavalgada das tropas - formam um fausto digno do Império.

Os seis carros puxados por seis cavalos são dos oficiais da casa imperial, S. Majestade d. Tereza vem rodeada por suas damas de honra, com vestidos e caudas de verde e ouro.

Pensando que algumas belas leitoras podem ficar satisfeitas com os detalhes da toilete de d. Tereza, alguém mais acostumado do que eu com essas particularidades das vestimentas femininas, disse-me que o habillement da imperatriz, nas ocasiões solenes, é forrado de cetim branco, pesadamente bordado a ouro, com uma profusão de ricas rendas caindo sobre o corpete e formando as mangas. São presas umas às outras com magníficos diamantes. A cauda é de veludo verde com bordados de ouro, correspondentes ao da saia. Seu diadema, com os cabelos penteados formando grandes anéis na testa, é uma coroa de diamantes e esmeraldas, em forma de flores, erguendo-se em forma de diadema sobre a testa, e da qual caem brancas plumas de avestruz, graciosamente, até os ombros. Uma almofada grande com fitas combinadas de diferentes cores, escarlate, púrpura e verde, cruzam o busto desde o ombro direito até a cintura, sobre a qual um porção de esmeraldas e diamantes de primeira água, espalha-se cobrindo-lhe todo o colo.

O sorriso da imperatriz é de uma doçura cativante, não apenas nessas ocasiões solenes porém sempre, quer essa princesa napolitana acompanhe o seu augusto esposo, numa festa noturna, quer quando, com uma única acompanhante, concede audiência aos que desejam prestar homenagem à S. Majestade.

O imperador é realmente um Saul — cabeça e ombros acima do seu povo; e, em sua vestimenta oficial, com a coroa sobre a sua bela e delicada cabeça, e o cetro na mão, quer recebendo as saudações de seus súditos, quer abrindo as Câmaras Imperiais, é um belo exemplar de humanidade. Sua altura, quando descoberto, é de seis pés e quatro polegadas, e sua cabeça e o seu corpo são belamente proporcionados: de um relance pode-se ver, por aquele cérebro bem desenvolvido e por seus belos olhos azuis, que não se trata de um mero manequim colocado no trono mas, pelo contrário, de um homem que pensa.

A abertura das Câmaras é sempre feita pelo imperador em pessoa. Ele lê uma breve fala do trono, expondo as condições e as necessidades do Império e, em seguida, declarando aberta a sessão, desce do estrado, seguido em cortejo, até a carruagem imperial, por todos os dignitários da corte e membros da Assembleia. O cortejo volta a São Cristóvão, passando através de ruas decoradas com tapeçarias de seda carmesim e brocados de cetim.

Não há, nessa cerimônia a mesma assistência entusiástica que comparece à posse de um novo presidente dos Estados Unidos, porém as circunstâncias são diferentes: a fala do trono do Imperador corresponde apenas à mensagem anual do presidente, não havendo ocasião para as manifestações de júbilo que fazem parte integrante de uma posse. O princípio monárquico está profundamente arraigado no coração dos brasileiros e, na sua adaptação a este povo e este país, é infinitamente superior à república.

Parece-nos próprio, ao tratar da abertura da Assembleia Geral, dar o esboço dos acontecimentos que se seguiram ao advento do atual Imperador.

Recordando a História.

Estamos lembrados que foi no Campo de Santana que os cidadãos, reunidos em abril de 1831, pediram a d. Pedro I que restabelecesse o Ministério, que merecia a preferência do povo. Diante da recusa do monarca a esse pedido, repetida e respeitosamente instado pelos seus próprios magistrados, várias divisões do exército e da Guarda Nacional juntaram-se ao povo. Um ajudante foi enviado ao Palácio de São Cristóvão para receber a resposta definitiva, que foi dada sob a forma da abdicação do monarca, em circunstâncias que fazem jus à nossa mais alta admiração.

O ajudante (Miguel de Frias Vasconcelos) voltou a todo galope de São Cristóvão com o decreto de abdicação nas mãos. Foi recebido com as mais animadas demonstrações de júbilo, e o ar da manhã ressoou com os vivas a d. Pedro Segundo.

A Regência.

Logo de manhã cedo, todos os deputados e senadores da metrópole, juntamente com os ex-ministros de Estado, reuniram-se na casa do Senado, e nomearam uma Regência Provisória
[T45], composta de Vergueiro, Francisco de Lima e o marquês de Caravelas, que deviam administrar o país até à nomeação de uma Regência Permanente [T46], regulada pela Constituição.

O filho do antigo imperador, em favor do qual foi feita a abdicação, ainda não contava seis anos de idade: — entretanto, foi levado em triunfo pela cidade, e a cerimônia da sua aclamação como imperador foi preparada com todo entusiasmo que se possa imaginar.

Durante a sucessão desses acontecimentos, o corpo diplomático esteve reunido em casa do Nuncio Apostólico, para resolver sobre a atitude que devia tomar, diante da revolução vitoriosa. O sr. Braun, encarregado de negócios norte-americanos, comunicou não poder estar presente a essa reunião, percebendo que o seu especial objetivo era proteger os interesses da realeza.

Aqueles que se reuniram, entretanto, concordaram em enviar uma mensagem às autoridades existentes, na qual, depois de afirmar que a segurança de seus concidadãos perigava no meio dos movimentos populares que se estavam desenrolando, pediam, para aqueles, um mais explícito gozo dos direitos e imunidades concedidas pelas normas e tratados das nações civilizadas. Mais tarde resolveram procurar o ex-imperador, em comissão, para ouvirem de seus lábios se de fato ele havia mesmo abdicado!

Essas medidas eram altamente ofensivas ao novo governo, sendo consideradas como uma interferência não solicitada. O governo ficou altamente satisfeito com a atitude mantida pelo sr. Braun assim como pelo sr. Gomez, encarregado de negócios da Colômbia, que discordaram da política dos agentes diplomáticos. O ministro de Estado observou que a conduta de ambos havia sido a de "verdadeiros americanos".

O 9 de abril foi designado para o primeiro dia de recepção de d. Pedro II, embora o ex-imperador ainda estivesse no porto. Um Te-Deum foi cantado na capela Imperial, as tropas foram passadas em revista, e uma imensa massa popular, carregando folhas da árvore nacional como um emblema de lealdade, enchia as ruas. Retiraram-se os cavalos da carruagem imperial para que se pudesse carregar à mão o soberano infante. Quando foi conduzido a Palácio e chegou à janela, uma inumerável multidão passou diante dele. Depois recebeu os cumprimentos pessoais do corpo diplomático, nenhum de seus membros estando ausente, não obstante a recente visita a bordo da fragata Warspite.

O novo governo ofereceu cavalheirescamente a d. Pedro I um navio oficial, para a sua viagem. Ele declinou do oferecimento, em virtude da demora e das despesas necessárias, fazendo notar, ao mesmo tempo, que os seus bons amigos, os reis da Inglaterra e da França, podiam bem oferecer condução, para si e sua família, o que realmente havia sido feito pelos seus respectivos comandantes navais no porto do Rio de Janeiro.

A 17 de junho, a Assembleia Geral procedeu às eleições da Regência Permanente. Foram eleitos Lima, Costa Carvalho e João Braulio Muniz. A Assembleia Geral esteve inteiramente ocupada, durante a primeira legislatura, em acirrados debates sobre a reforma constitucional.

O sr. Antonio Carlos de Andrade presidia a Câmara dos Deputados; José Bonifácio, que havia sido designado pelo ex-imperador como tutor de seus filhos, foi recomissionado pela Assembleia, tendo essa corporação decidido que a nomeação imperial estava invalidada. Aceitando essa incumbência, o notável brasileiro declarou não querer receber nenhuma compensação pelos serviços que podia prestar nesse importante cargo, declaração que ele manteve com o espírito de verdadeiro patriota. Não obstante a grandeza da revolução que tão rapidamente se tinha operado, a tranquilidade pública não foi alterada.

No dia 7 de outubro, chegaram os despachos oficiais trazendo as congratulações do Governo dos Estados Unidos pela nova ordem de coisas. Foi a primeira demonstração dos sentimentos de outra nação que a Corte do Brasil recebeu, causando assim uma especial satisfação.

No mês de abril de 1832, ocorreram no Rio de Janeiro dois levantes militares e, no mês de julho seguinte, o ministro da Justiça, em seu relatório público, aproveitou a ocasião para denunciar o venerável José Bonifácio como suspeito de ter sido conivente naquelas perturbações. O relatório de uma comissão da Câmara dos Deputados pediu a sua demissão, sem sequer ouvi-lo. A Câmara votou-a por absoluta maioria, porém o Senado discordou, e caiu o projeto de exilar o Andrada. Os regentes enviaram a sua demissão à Assembleia Geral. Uma deputação da Câmara dos Deputados pediu-lhes que se conservassem nos cargos. Anuíram ao pedido, porém organizando imediatamente um novo ministério.

No ano seguinte, porém, a oposição triunfou, não mantendo aquelas injustas acusações a José Bonifácio, porém restituindo o velho patriota às suas funções de tutor do jovem Imperador.

O ano de 1834 foi assinalado por importantes transformações feitas na Constituição do Império. Uma dessas criava Assembleias anuais nas províncias em substituição aos conselhos gerais até então existentes. Os membros das Assembleias Provinciais deviam ser eleitos de dois em dois anos. Outra modificação abolia a regência trina, e novamente conferia esse encargo a um só indivíduo, eleito de quatro em quatro anos.

Realizou-se em seguida a eleição para o regente único, e o Senado adiou por longo tempo a proclamação do candidato eleito; porém afinal soube-se que a escolha recaíra em Diogo Antonio Feijó, de São Paulo, que recebera grande maioria de votos. Feijó, embora padre, por muitos anos esteve empenhado em questões políticas e, dois anos antes, fora eleito senador. Um dos últimos atos da administração precedente fora a sua designação para bispo de Mariana, diocese situada na rica província de Minas. Feijó empossou-se como regente único no dia 12 de outubro de 1835. No dia 24, fez uma judiciosa proclamação ao povo brasileiro, expondo os princípios que pretendia respeitar na sua administração.

Resolvida a agitada questão da Regência, os negócios assumiram um aspecto mais permanente. Várias nações estrangeiras, por essa ocasião, elevaram a categoria de seus agentes diplomáticos. Os Estados Unidos desejaram fazer o mesmo, mas não o fizeram.

Em 1836, o governo, entre outras sugestões em benefício do povo, propôs o emprego de missionários morávios, para catequizar os índios do interior. Essa medida, juntamente com outras provenientes da mesma administração, recebeu a mais rancorosa e áspera oposição por parte de Vasconcelos, veterano político de grande habilidade e eloquência fora do comum, mas de princípios duvidosos e pouca moralidade.

Não obstante a habilidade e a força de Vasconcelos, as principais propostas da administração passaram. Houve um empréstimo de dois mil contos de réis, (200 mil libras), para aliviar temporariamente o Tesouro, e simultaneamente rebeliões ativas e francas se iniciavam no Rio Grande do Sul e no Pará. A influência delas, porém, a custo se sentia na capital, onde tudo parecia tranquilo e próspero. A Assembleia Geral mostrou-se demorada em tomar providências para dominar aquelas revoltas e, nas vésperas de entrar em férias, Feijó prolongou as sessões por um mês, para que "os membros da Assembleia pudessem cumprir o seu dever". Os movimentos para abolição da Regência, e entrega do Governo ao jovem imperador, já se haviam iniciado, desde os primeiros dias. Com o tempo e com as circunstâncias favoráveis, tornaram-se mais ostensivos.

Na administração, Feijó não fazia cálculos para se tornar popular. O seu caráter partilhava da intransigência dos antigos romanos. Quando resolvia uma atitude, seguia-a contra toda a oposição. Não inclinado a fazer ostentação de si próprio, também não aprovava exibições alheias. Não praticou nem cultivou a arte comum de lisonjear a vontade do povo. Muitas vezes mudou seus ministros, porém raras vezes, ou nunca, os seus conselheiros. Afinal, tão embaraçado se encontrou entre a rebelião do Rio Grande e a oposição facciosa, que impedia as suas medidas para reprimi-la, que resolveu resignar o cargo.

A 17 de setembro de 1837, Feijó abdicou, e o partido da oposição assumiu o poder. Pedro de Araujo Lima, então ministro do Império, assumiu a Regência em cumprimento de um dispositivo constitucional, embora Vasconcelos
[T47] fosse o principal fator da nova ordem de coisas. Nenhuma comoção se verificou, e era evidente que a força do novo governo consistia na sua união.

Uma diferente política foi adotada em relação ao menino Imperador. Feijó assumira um ar distante e cerimonioso; a nova administração tornou-se super atenciosa. Muitas despesas foram feitas com festejos públicos e as inclinações do povo, apaixonadamente amante de pompas e de exibições de realeza, começaram a ser plenamente satisfeitas. Em outubro de 1838, foram apurados os votos da nova eleição, e Lima foi eleito regente. Sua principal função era amparar a minoridade do imperador.

Se o próprio regente esperava este ou outro resultado, logo se viu que a dignidade do seu cargo era totalmente eclipsada pelas novas honras tributadas ao jovem imperador. As frequentes mudanças de ministério, daí em diante, embaraçaram a diplomacia e o governo brasileiro, causando muitas insatisfações nos países estrangeiros, que não concordavam em ver as suas reclamações desprezadas seja por que motivo fosse. Gradativamente, porém, os negócios internos e externos foram se ajustando.

Maioridade de d. Pedro II.

O ano de 1840 foi assinalado por novas e ostensivas modificações políticas, que resultaram na abolição da Regência. O imperador d. Pedro II contava então 15 anos. E o partido político que se opunha à Regência, juntamente com o Ministério, esposaram um projeto de declarar a minoridade terminada, e elevar d. Pedro II à plena posse de seu trono.

Esse projeto tinha sido várias vezes discutido durante os últimos cinco anos, mas sempre fora qualificado de prematuro e absurdo. Argumentavam que a Constituição limitara a minoridade do soberano à idade de 18 anos, e que era cedo demais para um jovem assumir a tarefa de governar um tão vasto império. Por outro lado, instava-se que, quanto às responsabilidades, a Constituição resolvera que ninguém se poderia associar ao imperador em qualquer circunstância. Por isso a abolição da Regência viria devolver naturalmente os poderes dos regentes a qualquer outro administrador.

Havia, porém, uma diferença: o regente, como tal, gozava dos privilégios da própria realeza, sendo inteiramente irresponsável. Essa circunstância foi apresentada como sendo um grande e crescente mal. Por mais desejável que fosse, para um soberano, possuir os atributos de irresponsabilidade, era esta uma coisa perigosa para um cidadão acidentalmente elevado àquelas funções, com o perigo de poder dispensar o bem e o mal sem esperar resposta pela sua conduta. Ao serem discutidos esses assuntos, muitos sentimentos despertaram; porém as pessoas mais bem informadas supunham que o regente saberia derrotar o plano feito visando a sua queda.

O debate sobre a moção da Câmara dos Deputados que declarava o imperador em idade suficiente, iniciou-se no começo de julho, e teve que lutar, principalmente, com objeções constitucionais. Os legisladores não tinham realmente, poder para emendar ou ir além dos preceitos constitucionais. Mas o plano estava concertado.

Os ânimos se exaltaram e a paixão do povo começou a ser levada em conta. Prevaleceu a violência da linguagem, e as paixões pessoais começaram a manifestar-se. Antonio Carlos de Andrade, já descrito como um homem de grande saber e eloquência, porém ao mesmo tempo orgulhoso e indisciplinado, mostrou-se campeão do partido atacante, acusando o regente e o seu Ministério de usurpação, principalmente quando, depois de 11 de março, a princesa imperial d. Januaria completou a idade legal. Seus esforços foram poderosamente contrariados mas a sua causa rapidamente ganhou adeptos, tanto na Assembleia como no seio do povo.

Galvão, havia pouco ainda ligado ao outro partido, fez um impressionante discurso afirmando ser a aclamação imediata inevitável. Alvares Machado pedia que se abandonassem agora as peias partidárias. "
A causa do Imperador era a causa da Nação, e deveria receber a aprovação de todo aquele que amasse a sua Pátria".

Navarro
[T48], um jovem, porém influente representante por Mato Grosso, seguiu-se com um violento discurso de oposição em que estigmatizava o Regente e todos os seus atos, usando a mais violenta linguagem. Quando estava no auge da sua arenga, exclamou de repente — "Viva a maioridade de S. Majestade Imperial!"

As galerias, apinhadas de gente, até então tinham guardado o mais religioso silêncio: porém essa exclamação fez irromper uma salva de entusiásticos e prolongados aplausos. Navarro, não podendo mais se fazer ouvir, tirou o lenço do bolso, para responder aos vivas da galeria. Os membros do outro partido, que se sentavam junto dele, imaginaram ver um punhal em suas mãos e, não sabendo em que dariam as coisas, puseram-se a fugir para salvar a vida. Seguraram Navarro, para conservá-lo calmo, mas ele, não percebendo a razão do assalto, furiosamente repeliu-o. Em alguns momentos, dominou a maior e mais descontrolada excitação; a ordem, porém, foi prontamente restabelecida.

Uma multidão achava-se do lado de fora, exigindo a elevação ao trono do jovem Imperador. Alguns chegaram mesmo a proclamar a sua maioridade nas praças públicas da cidade. O partido ministerial resistiu desesperadamente a esses estranhos movimentos na Câmara, mas não podia dominar os debates.

Limpo de Abreu (depois visconde de Abaete), ex-ministro, era favorável à revolução, porém desejava que essa se processasse deliberada e conscientemente, precedida no mínimo do relatório de uma comissão, que justificasse o passo acertado. Depois de muita oposição à medida, foi nomeada a comissão, seguindo-se uma calma momentânea.

Durante a noite, ambos os partidos passaram em revista a situação. Os clubes e as Lojas realizavam sessões, e a oposição se pôs a conspirar. O Regente e o seu ministério também se mantinham em conclave. Vasconcelos, senador por Minas Gerais, e veterano político, homem porém que se tornara por muito tempo odioso em virtude de grande deliquescência moral, foi chamado para conselheiro.

A sessão da Câmara dos Deputados, no dia seguinte, foi aberta no meio da mais profunda ansiedade. As galerias estavam apinhadas de gente. O relatório da comissão foi ansiosamente aguardado e imperiosamente exigido. Mas não apareceu.

Navarro acusou a maioria da comissão de estar traiçoeiramente pretendendo fazer delongas. Exigiu a declaração imediata, e sem maiores formalidades, da maioridade do Imperador. Apelou para as galerias e recebeu uma ensurdecedora resposta de vivas a d. Pedro II. Seguiu-se uma indescritível confusão. O presidente da Câmara tentou prosseguir na ordem do dia; mas foi impossível. A questão absorvente teve que ser discutida. Os mais moderados membros da oposição desejavam que a elevação ao trono do jovem imperador fosse adiada até à sua data natalícia, 2 de dezembro. Os mais violentos exclamavam veementes contra qualquer adiamento.

Os debates prolongaram-se de modo pouco habitual. No meio deles, entrou um mensageiro, trazendo documentos do regente. Foram lidos pelo secretário. O primeiro, foi a nomeação de Bernardo Pereira de Vasconcelos, para ministro do Império! Ao ouvirem o nome de Vasconcelos, surgiram irreprimíveis protestos de indignação em toda a Câmara. O secretário passou a ler o segundo documento, verificando-se que continha um ato de prorrogação, suspendendo a Assembleia Geral desde aquele dia até 20 de novembro próximo futuro.

A confusão e a indignação chegaram então ao auge. O público das galerias não pôde mais ser dominado. Soltava uma torrente de imprecações contra a administração, misturadas com vivas pela maioridade de d. Pedro II. Antonio Carlos, Martin Francisco (os dois Andradas), Limpo de Abreu ergueram-se de pé e, um após outros, lançaram seu veemente protesto contra aquele ato de loucura da parte do governo.

Acusavam o regente de crime de traição, e declaravam que todo brasileiro deveria resistir contra as medidas despóticas. Apresentavam Lima como agarrando-se com unhas e dentes ao poder, que estava prestes a fugir-lhe das mãos. Denunciavam-no como usurpador, desejando sacrificar o monarca e o trono aos azares de uma guerra civil em todos os recantos do Império. Vasconcelos era retratado como um monstro, cujo nome significava toda espécie de vícios e de crimes, sendo, além disso, o pior inimigo que o imperador tinha; mas estava nas suas mãos ser agora traído o jovem monarca!

O presidente da Câmara tentou forçar o ato de prorrogação, porém foi impedido. Antonio Carlos de Andrade retirou-se então, apelando para que todo brasileiro patriota o seguisse, até às salas do Senado, situado no Campo de Santana, quase a uma milha de distância. Seus amigos da Câmara e o povo em massa acompanhavam-no e a multidão foi aumentando pouco a pouco.

Com a chegada dos deputados ao Senado, as duas Casas imediatamente resolveram reunir-se em sessão conjunta, e nomear uma deputação, tendo Antonio Carlos à frente, para procurar o imperador e obter-lhe consentimento para a aclamação. Durante a ausência da deputação, vários senadores pretenderam acalmar as paixões do povo. A multidão, fora, havia aumentado e atingia agora alguns milhares de pessoas. Nenhum soldado apareceu; porém os cadetes da Academia Militar, com o calor de seus entusiasmos juvenis, tomaram as armas e prepararam-se para defender o seu soberano.

A deputação voltou, anunciando que, após os seus membros terem apresentado ao imperador o estado de coisas na presente crise, S. Majestade consentiu em assumir as rédeas do governo, tendo ordenado ao regente a revogação dos seus odiosos decretos e, novamente resolveu que a Câmara continuasse em sessão. Tempestades de aplausos seguiram-se a essas comunicações. O entusiasmo do povo não conheceu limites. O país estava salvo, e nenhum sangue fora derramado! Os cidadãos congratulavam-se mutuamente, por esse triunfo pacífico da opinião pública.

As discussões da Assembleia assumiram um aspecto de revolução consumada, que fora tão singularmente iniciada. Lima passou a ser estigmatizado como o ex-regente, e foi declarado incompetente para reunir as Câmaras que ele tinha tentado suspender. O marquês de Paranaguá, presidente do Senado, declarou que não havia nenhuma Câmara atualmente em sessão mas que os membros de ambas compunham uma augusta Assembleia Popular, personificando a nação, e pedindo que o imperador não fosse mais considerado um menor.

Estava finalmente resolvido que assim permaneceriam em sessão permanente, até que S. Majestade pudesse comparecer e prestar, na presença dos membros daquela reunião, o juramento prescrito pela Constituição. A Assembleia, por conseguinte, permaneceu na Casa do Senado durante toda a noite. Um corpo da Guarda Nacional, os alunos da Academia Militar e numerosos cidadãos conservaram-se também em guarda.

Ao romper do dia, o povo começou novamente a se reunir, e perto de 10 horas da manhã, nada menos de oito a dez mil dos mais respeitáveis cidadãos rodeavam o Palácio do Senado. A essa hora, o presidente da Assembleia fez uma formal declaração dos motivos da convocação. Procedeu-se à chamada dos membros das duas Casas e, verificando-se que havia um número legal, não só de senadores como de deputados, o presidente ergueu-se e disse:

"
Eu, como órgão dos representantes da Nação, reunidos em Assembleia Geral, declaro que S. Majestade d. Pedro II está, neste momento, em sua maioridade, e em pleno exercício de suas prerrogativas constitucionais. Viva a maioridade de S. Majestade o sr. d. Pedro II.! Viva o sr. d. Pedro II, imperador constitucional, e defensor perpétuo do Brasil! Viva o sr. d. Pedro II!"

Milhões de vivas, dos membros da Assembleia, dos espectadores da galeria, e da multidão do Campo irromperam no ar em resposta, prolongando-se com indescritível entusiasmo e alegria. Foram escolhidas as deputações que deveriam aguardar a chegada de Sua Majestade e preparar uma proclamação dirigida ao Império.

As 3h30min da tarde apareceu a comitiva Imperial: S. Majestade vinha precedido pelos dignitários do Palácio, e acompanhado por suas imperiais irmãs. Ao verem o jovem imperador, o entusiasmo dos presentes excedeu a toda expectativa. Nada mais se pôde ouvir durante toda a cerimônia do que a repetição dos vivas, ecoando em todo o Campo de Santana.

S. Majestade foi recebido com todas as formalidades, sendo conduzido ao trono, junto do qual os membros do corpo diplomático já se achavam com seus uniformes de gala. O imperador, então, ajoelhou-se e pronunciou o juramento prescrito pela Constituição: depois que "o ato de juramento" foi lido em voz alta, e solenemente assinado, proferiu-se a seguinte proclamação, já redigida por Antonio Carlos de Andrada, e aprovada pela Assembleia:

"
Brasileiros! — A Assembleia Geral Legislativa do Brasil, reconhecendo o auspicioso desenvolvimento intelectual com que a Divina Providência quis dotar S. Majestade Imperial d. Pedro II, reconhecendo também os males inerentes que proviriam de um governo mal dirigido — correspondendo, além disso, ao unânime desejo do povo desta Capital, que julga estar em perfeito acordo com os desejos de todo o Império, — que e o de conferir ao nosso Augusto Monarca, os poderes que a Constituição lhe assegura; em vista de tão importantes considerações, essa Assembleia julga conveniente, para o bem-estar do país, declarar a maioridade de d. Pedro II, para que possa entrar no pleno exercício de seus poderes, como Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil. O nosso Augusto Monarca acaba de prestar em nossa presença o solene juramento exigido pela Constituição.

"Brasileiros! As esperanças da Nação se converteram em realidade. Uma nova era baixou sobre nós. Possa ela ser de ininterrupta união e prosperidade! Possamos nos tornar dignos de tão grande benção!
"

Depois que as cerimônias terminaram, S. Majestade dirigiu-se ao Palácio da Cidade, acompanhado pela Guarda Nacional e pelo povo. Realizaram-se nessa noite, numerosas e esplêndidas recepções, e a alegria de toda a cidade se manifestou por iluminações espontâneas do mais brilhante efeito.

Para surpresa de todos, a revolução se tinha completado. A Regência estava abolida; dominava a calma; e d. Pedro II, a criança que, com 6 anos de idade, havia sido aclamado soberano de um vasto Império — agora, aos 15 anos de idade - se achava investido de todas as prerrogativas do seu trono imperial. O jovem imperador era muito crescido para sua idade, porém não tinha ainda as harmoniosas proporções que presentemente tanto o distinguem. O seu espírito era, por natureza, completamente maduro.

Como estudante, ele fora, pode-se dizer sem o menor exagero, notabilíssimo em seus gostos aplicação e rápidos progressos. O estudo das ciências naturais, — não meras tinturas, porém, investigações as mais extensas e difíceis constituía o seu maior prazer; e a facilidade que tinha para adquirir as línguas era tal, que podia já nesse tempo conversar nas principais línguas conhecidas. Não foi, portanto, uma frase vazia a que Antonio Carlos de Andrade empregou quando se referiu "ao feliz desenvolvimento intelectual" de sua jovem majestade imperial. Ele não era um simples "menino imperador".

O ano precedente assistira à inauguração das linhas de vapor ao longo de todo o litoral do Brasil, de modo a permitir que os recentes acontecimentos desenrolados no Rio de Janeiro fossem logo conhecidos por todas as cidades da extensa costa do Atlântico e, por meio de enviados especiais, em poucas semanas, as mais remotas partes do vasto Império estavam dando vivas a d. Pedro II.

As congratulações estavam na ordem do dia. Todas as sociedades, todas as instituições públicas de todas as províncias e de quase todas as cidades, da capital até as mais distantes regiões do Império, apressaram-se, ao receber essas notícias, não somente em celebrar o acontecimento, com júbilo incontido, mas também a enviar uma deputação, que manifestasse ao próprio imperador o seu mais profundo sentimento de satisfação, pela proclamação de sua soberania, e seus mais ardentes votos pela sua felicidade e prosperidade.

Assim se fez, sem derrame de sangue, a terceira revolução popular do Brasil. A Constituição, com exceção apenas do artigo relativo à maioridade do imperador, foi conservada intacta.

Quanto ao governo dos nove anos que precederam, pode-se dizer, sem dúvida, que o governo da Regência foi um benefício para o Brasil. Durante todo o período de sua existência, ela lutou com sérias dificuldades financeiras bem como contra a formidável rebelião do Rio Grande do Sul, além de levantes passageiros noutras províncias. Assim mesmo, o progresso entrou na ordem do dia e, por vários meios, havia sido assegurado.

O governo pessoal do imperador iniciou-se sob auspiciosas circunstâncias. Foi objeto de um entusiasmo que nunca mais declinaria. Os dois orientadores do seu primeiro gabinete foram Antonio Carlos e Martin Francisco de Andrade, o irmão mais velho dos Andradas; José Bonifácio não mais existia. Em 1833, depois da sua demissão de tutor do imperador, retirara-se da vida pública, isolando-se na bela ilha de Paquetá, situada na baía do Rio de Janeiro, onde permaneceu até a sua morte próxima, em Niterói, no ano de 1838.

Antonio Carlos, logo de início, franca e lucidamente expôs os princípios em que a ação ministerial devia basear, na nova ordem de coisas. Esses princípios eram seguros e sólidos; e, reconhecida a energia dos Andradas, somada à dos seus companheiros, deve-se presumir que nenhum esforço foi poupado, para pôr tais princípios em prática.

A Nação estava rejubilante com a ideia da gloriosa revolução que se tinha realizado; porém os legisladores, cansados pelo recente paroxismo, caíram logo no seu velho método de fazer negociatas. A primeira medida da oposição foi a designação de um Conselho de Estado, cujos membros deveriam ter as funções de conselheiros especiais do imperador. Esse Conselho tornou-se um motivo imediato e prolongado de discussão, mas não chegou a termo, senão no ano seguinte.

Os negócios do Império caminhavam em seu curso natural. Quando o assunto da maioridade do imperador perdeu o ar de novidade, os preparativos da coroação próxima tornaram-se tema de interesse universal e ilimitadas preocupações.

Coroação de D. Pedro II.

A primeira parte do ano de 1841 foi fixada para a coroação. Os preparativos para esse acontecimento foram realizados com grande antecedência. Os convidados de honra e as despesas rivalizavam entre si em pompa e ostentação. As embaixadas extraordinárias foram enviadas pelas diferentes cortes da Europa, para cumprimentarem o trono brasileiro.

Os diplomatas e os políticos tudo faziam para partilhar de tais honras, no momento. Enquanto isto se dava, os artistas e os negociantes da metrópole tudo empregavam para se assegurarem os lucros oriundos das festividades. Preços exorbitantes eram pedidos por qualquer artigo de ornamentação de luxo; mas, como tais artigos se tornaram realmente necessários, a pobreza ambiciosa, não menos que a avareza invejosa, foram obrigadas a se submeterem àquelas extorsões.

Antes da próxima sessão da Assembleia Geral, ocorreram dificuldades que seriamente embaraçaram a administração. Várias províncias resistiram à indicação dos novos presidentes, manifestando então tendências para a revolução. Mas, o mais sério mal provinha da rebelião longamente continuada do Rio Grande do Sul.

Na ansiedade com que o gabinete desejava ver terminada essa guerra interna; Alvares Machado foi indicado como agente do governo para tratar com os rebeldes. Depositavam muita confiança na sua influência pessoal junto aos rebeldes, e ele foi investido com poderes extraordinários e extraconstitucionais. Mas, com todas as facilidades que se lhe ofereciam, os insurgentes recusaram assumir qualquer compromisso. Machado foi, então, nomeado presidente da Província.

Nessas funções, em vez de empunhar um gládio de combate, como seus predecessores o haviam feito, ou pretendido fazer, Machado adotou medidas conciliatórias, preferindo entreter negociações com os rebeldes. Essa atitude foi estigmatizada como desonrosa para o Império, e um tal alarido foi feito, em relação a ela, que excitou protestos gerais para que os interesses do trono não fossem traídos.

Esses protestos eram, de fato, dirigidos contra o Ministério. Pediu-se a mudança do mesmo, o que foi afinal conseguido. No dia 23 de março, os Andradas e seus amigos, com exceção apenas de um, foram demitidos, sendo assim suplantados aqueles que tinham produzido a nova ordem de coisas, justamente em tempo para que seus adversários se garantissem as decorações e os emolumentos que, em breve, seriam distribuídos.

Mortificantes como foram em algumas de suas consequências, não causaram esses fatos o menor pesar aos Andradas, em relação aos seus desejos pessoais. Poderiam eles apelar para os primeiros dias de sua prosperidade política, para provar a sua dedicação desinteressada pela pátria. Podiam agora, como então, retirar-se em honrosa pobreza, conservando os reclamos de um puro patriotismo como um tesouro mais precioso do que riquezas e títulos. Pertencia-lhes a honra que faria com que a posteridade indagasse as razões pelas quais não receberam as honras que mereciam. Outros homens haviam chegado à ignomínia de receber títulos que nunca mereceram.

Quando a Assembleia Geral se reuniu em maio do ano seguinte, encontrou-se o expediente para adiar a Coroação. Assim, por mais dois meses, os festejos antecipados, que continuaram a ser o motivo absorvente das conversações e dos preparativos em todas as rodas, desde o imperador e as princesas, até as classes mais humildes.

Afinal esse acontecimento tão ansiosamente esperado, realizou-se a 18 de julho de 1841. Foi magnífico, além de toda a expectativa. O esplendor do próprio dia, milhares de brasileiros e estrangeiros enchendo as ruas, decorações custosas e de gosto, feitas nas praças públicas e em frente das casas particulares, os arcos triunfais, as estrondosas saudações das bandas de música e dos canhões, a perfeita ordem e tranquilidade, que dominaram nos prestitos populares e nas cerimônias do dia, juntamente com tudo o que se poderia imaginar ou desejar de melhor, tudo pareceu combinar-se para fazer daquela ocasião uma das mais imponentes que já hajam ocorrido no Novo Mundo.

O ato da consagração realizou-se na Capela Imperial, e a ele se seguiu uma recepção no Palácio da Cidade. As iluminações noturnas foram feitas com grande esplendor, tendo-se prolongado, por nove sucessivos dias, os festivais comemorativos daquele acontecimento.

Tanto quanto a pompa e exibição podem promover a estabilidade de um governo e assegurar um respeito imorredouro pela coroa, tudo se fez no Brasil, nessa data, dentro das possibilidades do momento. Há circunstâncias, porém, ligadas à pompa monárquica, e as prodigalidades das despesas dessa coroação, que não deixam de ser muito embaraçantes, para quem tem de lutar com as mesmas.

As finanças do Império enfrentavam então as maiores dificuldades, e decresciam de dia para dia. O dinheiro gasto na realização desses grandes festejos, inclusive a despesa de cem mil dólares com a coroa imperial, foi tomado de empréstimo, aumentando assim a imensa dívida pública. Além disso, o governo longe estava de ser estável e firme, seus conselheiros estavam divididos, e a sua política vacilante. A existência desse estado de coisas constituía um ótimo pretexto para as esplêndidas demonstrações festivas, acima descritas. Julgaram-nas assunto da máxima importância, para rodear o trono com tal esplendor que pudesse parecer para sempre venerável aos olhos do público.

Depois da coroação, foram reiniciadas as sessões da Assembleia Geral. A 23 de novembro foi aprovada uma lei, estabelecendo o Conselho de Estado. Este se modelou na base dupla de um ordinário e extraordinário conselho privado, nos moldes ingleses.

Entre os cavalheiros que compunham esse Conselho destacavam-se Lima, Calmon, Carneiro Leão, e Vasconcelos [T48-bis]. Os próprios indivíduos que se opuseram aos Andradas no período da maioridade do jovem imperador e que foram postos abaixo, por aclamação, tinham, no curto espaço de um ano, não só conseguido conquistar, de novo, o favor público, como também assegurar para si próprios nomeações vitalícias da maior influência.

Vasconcelos, na verdade, não procurava títulos. Eram mesquinharias que ele facilmente dispensava, para, com elas, gratificar seus companheiros. Mas amava o poder, e nem as mortificações nem as derrotas desviavam-no do seu alvo. Finalmente, conseguia uma posição, que provavelmente estava de acordo com as suas inclinações mais do que qualquer outra, na qual, como guia espiritual do Conselho, a sua influência se fazia largamente sentir.

A 1º de janeiro de 1842, o exmo. sr. Hunter [A38], encarregado de negócios dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, apresentou suas credenciais de Ministro Plenipotenciário e Enviado Extraordinário, cargo para que fora promovido. Essa diferença foi prontamente correspondida pela nomeação do exmo. sr. Lisboa [T49], como ministro do Brasil em Washington.

Em continuação do presente esboço histórico do Brasil, é penoso dizer que o ano de 1843 foi assinalado por várias e sérias perturbações da ordem em diferentes pontos do Império. Principiaram pela eleição de deputados. Várias fraudes foram então cometidas, quer pela mudança do dia e da hora, quer pela transferência dos lugares em que se deviam realizar as eleições. E o que era pior ainda: batalhões regulares e de homens armados introduziram-se no recinto da votação, enquanto a multidão dos votantes era trazida de outros distritos. Em suma, o suborno, a corrupção e a força triunfavam sobre o livre exercício da opinião pública.

Não se deve supor que um partido fosse o único culpado dessas medidas; pelo contrário, com o seguimento das coisas verificou-se que a oposição tinha sido bem-sucedida, e que o partido ministerial estava em minoria. A conduta do Ministério foi de tal natureza - embora agisse com alguma razoabilidade a fim de evitar a reunião regular da Assembleia decretando uma sessão extraordinária -, que os ecos da rebelião foram ouvidos em províncias do Império que até então haviam sido das mais fiéis e tranquilas.

São Paulo e Minas Gerais levantaram-se e entraram no regime de desordem; a mais profunda consternação dominou e, até na capital, uma proclamação incendiária foi afixada nas esquinas das ruas, convocando o povo para libertar o imperador do domínio que lhe tinham imposto, e para salvar, não só o trono como a Constituição, das ameaças de aniquilamentos.

É interessante notar que os brasileiros, em suas comoções intestinas, sabiam colocar a censura no seu verdadeiro lugar, e sempre se uniam em torno de d. Pedro. Este, por outro lado, provou sempre, pelo seu caráter e pelas suas medidas, ser digno de tal devotamento. O poder do imperador no Brasil não se assemelha ao do monarca da Rússia, mas é tão limitado como o do soberano da Inglaterra.

O governo se entregou a extremas medidas. A milícia foi convocada e proclamada a lei marcial nas três províncias sublevadas. Foi mantida, porém, a supremacia da lei. Os propósitos do Império foram, durante algum tempo, muito velados e de poucas promessas, mas gradativamente a tempestade foi amainando. A ordem se foi restabelecendo sem reais hostilidades ou perdas de vidas humanas. As piores consequências da rebelião foram sentidas nos distritos em que se deram, sendo que a confiança pública e as rendas nacionais muito sofreram por sua causa.

As eleições, no findar do ano de 1842, ocorreram com mais tranquilidade, e a 1° de janeiro de 1843, o imperador em pessoa abriu as sessões da Assembleia Geral, tendo nomeado novo ministério. Desde então até hoje, tem havido bruscas quedas dos partidos e das facções e, embora sempre tenha havido certa soma de corrupção e falta de escrúpulo nos negócios políticos da nação, nenhuma grave perturbação tem afetado o seu bem-estar, tendo dominado sempre uma tendência constante para a obediência da lei. Em relação com isso, as dificuldades financeiras foram diminuindo e aumentando a prosperidade nacional.

Casamentos Imperiais.

Os mais notáveis acontecimentos públicos, que ocorreram no Rio de Janeiro, no ano de 1843, foram os casamentos imperiais, celebrados com grandes provas de regozijo e máximo esplendor.

Nos primeiros dias de julho de 1842, o imperador d. Pedro II havia ratificado um contrato de casamento com sua Real Alteza a Sereníssima Princesa sra. d. Tereza Christina Maria, augusta irmã de S. Majestade o rei das Duas Sicílias. O casamento se realizou em Nápoles e, a 5 de março, uma esquadra brasileira, composta de uma fragata e duas corvetas, saiu do Rio de Janeiro, rumo ao Mediterrâneo, para conduzir a imperatriz à sua pátria futura.

Entrementes, a 27 de março do mesmo ano, uma divisão francesa chegou, sob o comando de S. Real Alteza o príncipe de Joinville, filho de Louis Philippe. Era essa a segunda visita que Joinville fazia ao Brasil. Logo depois de sua chegada, fez propostas matrimoniais a S. Imperial Alteza d. Francisca, terceira irmã do imperador. As negociações habituais foram encerradas prontamente; a 1º de maio realizava-se o casamento no Palácio da Boavista e, a 13 do mesmo mês, o príncipe e sua imperial consorte partiram para a Europa.

A imperatriz d. Teresa chegou ao Rio no dia 3 de setembro e foi recebida, não só com magníficas cerimônias, como também com sincera cordialidade da parte dos brasileiros.

Deve-se também mencionar que a irmã mais velha de d. Pedro II, d. Maria, rainha de Portugal, também já recebera como seu real consorte o príncipe Fernando Augusto de Saxe-Coburgo-Gotha; e a 28 de abril de 1814, S. Imperial Alteza d. Januaria se casou com um príncipe napolitano, o conde de Attila, irmão da imperatriz do Brasil e do rei das Duas Sicílias. Assim, no decorrer de um só ano, a família imperial do Brasil contratou honrosas e lisonjeiras alianças com as cortes da Europa.

Em 1844, o Brasil se rejubilou com o nascimento do príncipe imperial d. Affonso; mas a sua morte prematura, no ano seguinte, consternou a nação inteira. Em 1846 a princesa Izabel (atual herdeira presuntiva) nasceu, e em 1847 a sua irmã d. Leopoldina. Em caso de morte dessas princesas, e da resignação do imperador sem outro sucessor, a Constituição prevê que a mais velha das netas (d. Januaria) será herdeira do trono imperial.

Progresso do país.

Em 1850, o tráfico dos escravos (que se continuava, a despeito de solenes tratados) foi efetivamente abolido: e, logo depois, numerosos compradores do desumano tráfico — homens que até então tinham usufruído alta posição na sociedade — foram banidos.

No mesmo ano, deu-se a inauguração da primeira linha de vapores para a Europa; estando o Império atualmente ligado ao velho mundo, por nada menos de três linhas. Uma linha de vapores une atualmente as duas Américas.

Nos últimos dez anos, o progresso do Brasil se tem desenvolvido. O seu crédito público externo é o mais alto possível. Melhorias internas tem sido projetadas e executadas em grande escala; a tranquilidade tem dominado, não perturbada pelas pequenas sublevações provinciais; o espírito de partido vem perdendo a sua primitiva violência; a atenção de todos está mais do que nunca dirigida para os triunfos pacíficos da agricultura e do comércio.

A instrução pública vem sendo mais amplamente difundida; e, embora muito falte fazer para elevar as massas, ainda assim o Brasil continuará a desenvolver os princípios da sua nobre Constituição e - se a educação e a moralidade dominarem no interior de seus limites -, ele, no devido tempo, assumirá o seu posto na primeira fila das nações.


Nota do Autor

[A38] Nenhum diplomata estrangeiro deixou mais sinceros amigos que o falecido Sr. Hunter, de Rhode Island. Seus conhecimentos como universitário e sua afabilidade como cavalheiro conquistavam todos os corações.

Notas do tradutor:

[T45] A Regência Provisória era constituída por Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, Francisco de Lima e Silva e José Joaquim Carneiro de Campos (marquês de Caravelas).

[T46] A Regência Permanente era constituída por Francisco de Lima e Silva, José da Costa Carvalho (marquês de Monte Alegre) e João Braulio Muniz.

[T47] Bernardo Pereira de Vasconcelos.

[T48] Antonio Navarro.

[T48-bis] Manuel de Araujo Lima, Miguel Calmon, Honorio Hermeto Carneiro Leão e Bernardo Pereira de Vasconcelos.

[T49] Autor de Memorandum sobre a questão de limites do Brasil, publicado em Revista do Inst. Hist. Geogr. Bras. IX — 436.