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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM...
1925 - por Galeão Coutinho

"...Bairro-Jardim no Cubatão de Cima, pouco adiante do povoado melancólico que acabamos de visionar..."

Em 29 de abril de 1925, numa época em que Cubatão era apenas um distrito de Santos, o jornal santista A Tribuna publicou em sua página 2 este artigo de Galeão Coutinho (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria original

Centrifugismo urbano

Um grande bairro em formação - A obra da Light - A descentralização das indústrias e o aproveitamento das forças vivas da natureza - Perigos do centripetismo urbano - O testemunho de Saint-Hilaire - Oportunas observações de Devas Stanton sobre o urbanismo intensivo - O recuo da povoação vicentina

O sopé da serra do Paranapiacaba, em sua extensão imensurável, é uma das maravilhas do território paulista, que a febre do urbanismo intensivo e a especialização agrícola do café vedaram, por longo tempo, aos olhos da gente mais empreendedora do país.

Apenas os agricultores de bananas para lá convergiram, empenhados em descobrir os melhores tratos de terra para o cultivo da excelente e rendosa musácea: e como essa lavoura, até bem pouco, esteve relegada para um grupo de homens laboriosos, mas não equiparados socialmente aos dos poderosos lavradores do Estado - a classe cafeeira desfruta os foros de verdadeira e bem organizada aristocracia rural em S. Paulo - só no começo deste ano da graça de 1925, um pedido de informação emanado do Ministério da Agricultura, a respeito daquelas terras, fez generalizar certo movimento de interesse pelas mesmas.

Muito antes do tempo em que tal se verificava, três homens altamente empreendedores, os srs. Anthero Correa, dr. Henrique Dumont Villares e Eusébio Pinto de Carvalho, já para lá haviam lançado as vistas, antevendo, por subitânea e simultânea indução prática, o grandioso futuro da privilegiada zona.

O agravar-se, dia a dia, da situação em que se encontram a população e as indústrias de S. Paulo, motivada pela longa estiagem em que lhes fez minguar as fontes vitais - água, força e luz - acentuou a importância daquela faixa territorial servida por grandes e caudalosos mananciais, que resistem à mais implacável das secas.

Coincidindo o ponto de vista de vários homens de negócios em torno da zona opulenta, de um momento para outro ei-los a marchar na mesma direção, inspirados pelos mesmos objetivos.

O dr. Henrique Dumont Villares, expressão vibrante de uma família de engenheiros notáveis, entre os quais se aponta o glorioso aviador patrício Alberto Santos Dumont, entra de adquirir, logo, grandes tratos confrontantes com a área em que se encontra a Empresa Fabril do Cubatão, importante monumento da atividade paulista, a fim de instalar um bairro industrial; a Light lá está lançando os fundamentos de uma poderosa usina elétrica; os srs. Anthero Correa e Euzébio Pinto de Carvalho empreenderam já a abertura de duas grandes vilas à margem da estrada Vergueiro e no sopé da serra majestosa.

Convidados, por nímia gentileza daqueles cavalheiros, a escrever a história da região, eis-nos palmilhando lugares poetizados pela lenda, cheios de sugestões amáveis da primeira idade da nossa pátria.

Em verdade, o Brasil colonial bem poucos recantos oferece tão prestigiados pela História como o Cubatão. Lá está, invadido pelo mato, um trecho do Caminho do Padre José, que se presume ter sido aberto ou consertado pelo venerável padre José de Anchieta.

Mas, naquele ambiente de tradição, é bem de notar, o viajante não respira hoje a desoladora bafagem que os lugares históricos exalam. A terra não foi revolvida pelo homem, de sorte a apresentar aspectos de exaustão desconsoladora, transmitindo aos visitantes a melancolia do passado. Tudo é força e juventude. A floresta imensa da montanha arremessa para o ar puro os zimbórios catedralescos das árvores seculares; antes de chegar ao sopé, deleita-se o observador na contemplação da estrada, muito limpa e muito branca, separando as duas glebas verdejantes; à esquerda, o local das futuras vilas Bruncken e Nova Califórnia; à direita, os terrenos onde se edificarão, também, duas vilas.

A baixada, para lá do rio Cubatão, está coberta de capoeirões, demonstrando que as terras tiveram cultura. Entre a antiga e a nova estrada, vêem-se as ruínas de um velho engenho de açúcar.

Ao percorrer esses lugares, vamos recordando a opulência colonial que rolou pelo pendor da serra, vamos rememorando, sobretudo, o esforço, inconcebível hoje, dos primeiros povoadores. Por fortuna, pouco havia que tivéramos sob os olhos a obra famosa de Antonil, onde se historia, com abundância de pormenores verdadeiramente assombrosa, as culturas do açúcar, tabaco e ouro, que eram, no gracioso dizer de frei Paulo de S. Boaventura, "mais doces de possuir no Reino que de cavar no Brasil".

Que o local denominado Cubatão serviu de pouso fácil aos paulistas, quando demandavam a nascente vila do porto de Santos, comprovou-o frei Gaspar da Madre de Deus, nas suas Memórias: "Teve (a vila do porto de Santos) o seu nascimento junto do outeirinho de Santa Catarina, e na sua adolescência ainda não passava do ribeiro do Carmo para o Ocidente; mas ao depois de se aumentar o comércio com a vila de São Paulo e povoações de Serra acima, aos poucos se foi estendendo para Oeste; porque os paulistas, quando vinham a Santos, alugavam as casas mais próximas do porto de Cubatão, e mercavam nas primeiras lojas, onde achavam os gêneros que lhes eram necessários".

Largo período jazeu a população cubatense no mais lastimável abandono. A cidade de Santos, no seu desdobrar vertiginoso, constituindo-se à margem do estuário um formidável empório comercial, fez confluir ao seu coração a seiva que começava a latejar nos arredores. Não é daqui o fenômeno. Em todos os grandes centros de atividade humana estamos assistindo a uma sorte de centripetismo coletivo, dando em conseqüência o sacrifício dos núcleos circunjacentes, que são fatalmente anulados.

O foco central como que os insula num lastimável marasmo vegetativo, que se acentuará tanto quanto a facilidade de transportes permitir o deslocamento das forças vivas desses pequenos povoados para os grandes. É o que se observa em Niterói, cidade de vagaroso progresso em face da tumultuosa capital da República. Em Portugal, há tempos, certo escritor anotava, com exuberância de pitoresco, que as populações dos arrabaldes próximos de Lisboa, hortelões, carrejões (N.E.: carregadores), ferreiros e outros mesteirais (N.E.: artesões), permaneciam imobilizados secularmente em estado de cultura muito mais rudimentar do que o das afastadas províncias, contrastando com a esplendorosa quermesse de civilização que se acha a alguns quilômetros de seus casebres. Mesmo em São Paulo, ainda hoje vamos encontrar os resíduos rejeitados pelo urbanismo selecionador no bairro de Santo Amaro.

Eis como explicar o atraso em que se empedrara o Cubatão, para onde, nestes últimos tempos, mercê dos deuses, tem convergido, não só a visão segura de alguns espíritos eminentemente realizadores na iniciativa particular, como, também, a dos administradores do município, conforme tivemos ensejo de salientar no discurso proferido no banquete ali ofertado ao sr. cel. Joaquim Montenegro.

De conformidade com a lição dos Estados Unidos da América do Norte, onde alguns industriais estão operando a descentralização de suas fábricas, escarmentados já pelas funestas conseqüências morais e físicas do urbanismo intensivo, e ainda no empenho patriótico de levar a vida e o trabalho aos pontos mais remotos - é tempo de irmos contrariando aqui a tendência para as aglomerações coletivas, em prejuízo das localidades favorecidas admiravelmente pelas forças vivas da natureza.

A distribuição demográfica, numa área imensa como a do Brasil, não pôde nunca ser feita dentro dos moldes harmônicos que fora de desejar. E se dissermos que a facilidade de comunicações vem contribuindo para a formação de núcleos ativos em certos pontos e a extinção de outros, estabelecendo um verdadeiro tobogã para as nossas populações, que perdem, assim, as características que só se adquire na estabilidade - não nos apoiamos senão no insuspeito testemunho de Saint Hilaire, que, no Serro, em Minas, deparara com uma população dotada de apreciáveis qualidades e tão apercebida do progresso intelectual do mundo, que ao ilustre viajante francês muito surpreendeu a cultura das damas que habitavam a vetusta cidade sertaneja.

Naqueles tempos de difícil locomoção, não se conheciam ainda os perigos do urbanismo absorvente.

Devas Stanton, no seu livro A chave do progresso universal, aponta os inconvenientes das aglomerações urbanas, quando diz: "...os triunfos da mecânica tornaram rápidas e baratas as comunicações; e, daí, tornar fácil o abastecimento das grandes cidades, o que antes era difícil, mas, ao mesmo tempo, removia o principal estorvo, evitando que as indústrias e a vida urbana se manifestassem com todas as suas sedutoras atrações; as super-populações urbanas, ou antes o urbanismo, com todos os seus horrores, foram originados realmente pelas invenções do nosso tempo. Bairros pobres onde nas cidades a miséria se patenteava e a promiscuidade existia, é um mal muito antigo; mas o que é novo, é a sua extensão devido à proporção desmarcada que a cidade agora absorve da vida da nação; a contínua corrente em que dezenas de milhões de indivíduos põem como preocupação principal ver como lhes é possível pagar o aluguel da casa, alimentando-se com o que lhes sobra, o que nunca é bastante. Para estes infortunados, todos os prazeres, todas as ilusões fagueiras com que a cidade lhes acenara, são transformados na realidade triste que o urbanismo absorvente e maléfico, irmão gêmeo do mesmo progresso, lhes reserva".

Esse quadro sombrio foi bosquejado por quem muito devia conhecer a miséria londrina. Devas Stanton era inglês.

No Brasil, cabe a São Paulo, forja fragorosa de grandiosas iniciativas, a dissolução gradativa dos núcleos compactos, disseminando-os em vilas arejadas e risonhas.

Tal é o fim objetivado pelos fundadores do Bairro-Jardim no Cubatão de Cima, pouco adiante do povoado melancólico que acabamos de visionar ligeiramente.

De algum modo esse empreendimento será o refluir das forças, que se haviam concentrado nas terras baixas, para o sopé da serra de Paranapiacaba, operando-se, destarte, o recuo histórico da povoação vicentina, tão curiosa e memorável no seu perpétuo fluxo e refluxo civilizador.

S. Galeão COUTINHO.

(Introdução à monografia em preparo Santos nas terras altas).


Vila Bruncken - Bairro Jardim-Cubatão de Cima - corretores Maurílio Corrêa e Galeão Coutinho. Notem-se nomes como Luís La Scala, os Villares, Albertino Moreira, Rui Ribeiro Couto
Publicado no jornal santista A Tribuna em 10 de março de 1925, página 5

Veja também os loteamentos Vila Nova e Vila Bandeirantes, em anúncios de 1952

Já em 13 de março de 1925, o jornal santista A Tribuna publicou em sua página 2 esta matéria (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria original

Santos nas terras altas

O progresso do Cubatão - Um bairro-jardim em vias de ser edificado

O êxito alcançado pela empresa que acaba de ser constituída para fazer surgir na falda da serra do Paranapiacaba, lugar denominado Cubatão de Cima, uma vila moderna, dotada de todo o conforto, aproveitando os acidentes naturais do terreno e adaptando-os ao embelezamento daquela localidade, corresponde plenamente à febre intensa de progresso que ora agita o organismo deste poderoso Estado. Corresponde, ainda, à necessidade que de longe se vinha fazendo sentir, em Santos, de um Bairro-Jardim, a exemplo dos de S. Paulo, para onde convergisse aquela parte da população que ama os recantos pitorescos, os vilinos tranqüilos, na orla das montanhas.

Pelas suas excelentes disposições topográficas, o Cubatão de Cima é um local verdadeiramente privilegiado. Numa época, como esta, em que os horrores da prolongada estiagem ameaçam as populações do interior do Estado, fazendo sentir os seus terríveis efeitos na própria capital, uma esplêndida região como aquela, ali, à margem da estrada Vergueiro, de fácil acesso, portanto, não podia permanecer olvidada, como até bem pouco estava acontecendo, dos próprios habitantes de Santos.

Águas abundantes, de primeira qualidade, jorram do alto, elemento precioso e vital; florestas benfazejas cobrem o solo virgem, numa extensão imensurável. Eis, porém, que a iniciativa de alguns capitalistas, centralizada na faixa da serra majestosa, começa a atrair a atenção de todos. Dentro de pouco tempo, segundo palestra que teve conosco o esclarecido capitalista e industrial de S. Paulo, dr. Henrique Dumont Villares, erguer-se-ão ali uma usina elétrica e uma fábrica de adubos químicos, além de outros estabelecimentos industriais. Os trabalhos nesse sentido já foram iniciados.

Esse surto maravilhoso explica o êxito alcançado pelas vendas, em prestações, dos esplêndidos terrenos da Vila Bruncken, prenunciando igual sucesso para os da Vila Nova Califórnia, que já está sendo demarcada pelo agrimensor sr. João R. Caldeira, e que, graças aos esforços e feliz orientação dos seus proprietários, srs. Anthero Corrêa e Eusébio Pinto de carvalho, obedecerão ao mais apurado gosto, já quanto à disposição de suas ruas, avenidas, praças ajardinadas e belvederes, já no que se refere ao aproveitamento dos recursos naturais que a harmoniosa estrutura do solo oferece ali.

E vai, assim, a nossa querida cidade, de um momento para outro, devido ao milagre de energia de alguns homens empreendedores, ver surgir um admirável bairro, onde se conjugarão, no mesmo coletivismo jovial, habitantes de Santos e da Paulicéia.

E em 8 de março de 1925, o mesmo A Tribuna tinha publicado este texto, por sua vez transcrito do jornal Commercio de Santos, denotando o início de uma verdadeira campanha de vendas do loteamento Vila Bruncken (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução parcial da matéria original

Um bairro que progride

O futuro desdobramento de Santos

Quem, viajando por estrada de ferro ou de rodagem, atravessa hoje o bairro do Cubatão, não pode deixar de se impressionar, diante do surto inesperado que a existência econômica e industrial daquele distrito está assumindo.

Cubatão, que, até há pouco, era uma povoaçãozinha esquecida, à beira da estrada da S. P. R., cuja presença o viajante mal percebia, oculta sob a mataria densa, dia a dia se transforma num centro de intensa atividade fabril, numa forja do mais profícuo labor coletivo.

Estendido em grandes latifúndios, coberto de luxuriante vegetação, o distrito oferece, à argúcia empreendedora dos modernos espíritos práticos, campo vasto onde desenvolver as mais arrojadas e promissoras iniciativas. Por isso, é natural que ali onde o capitalismo vanguardista, namorando aqueles até agora abandonados rincões, que ocultam possibilidades de realizações magníficas.

Uma ligeira visita aos arredores do povoado, que continuamente se dilata, trepando colinas e avassalando planícies, permite aquilatar o "crescendo" em que vai o progresso do distrito. Aqui e ali, surgem fábricas dos mais variados misteres, atirando para o alto as suas chaminés cilíndricas e enchendo o ar com o rumor soturno dos seus maquinismos em movimento. Em torno desses arsenais, onde se prepara a riqueza econômica do nosso município, se agrupam as vilas operárias, burburinhentes colméias em que frutifica a vida doméstica.

Ao mesmo tempo que florescem as indústrias, até há pouco apenas incipientes, fundam-se empresas importantes para a exploração dos produtos do solo e o retalhamento de vastas extensões em lotes de fácil aquisição. No chamado Cubatão de Cima há o mesmo "fervet opus" para o aproveitamento dos recursos naturais, que o futuroso bairro oferece.

Ao lado da importante Companhia Fabril, que ali prospera, homens resolutos e corajosos, como os srs. Dumont Villares, de um lado, Eusébio Carvalho e Anthero Corrêa de outro lado, iniciam os pródomos dum vasto programa de empreendimentos.

Há dias, foi nos dado ver a planta da projetada Vila Bruncken, propriedade destes últimos, amplíssimos tratos de terra, dotados de boas e profusas aguadas, e ora submetidos à disciplina geométrica do compasso e do esquadro. Vila Bruncken, Nova Califórnia, e tantas outras que com o decorrer do tempo irão aparecendo, serão, num futuro pouco remoto, adequados desdobramentos de Santos, cujo expansionismo urbano está exigindo novos e mais dilatados horizontes.

Cubatão, porque progressista e ubérrimo, não tardará muito a integrar-se no organismo nuclear da cidade, sob cuja jurisdição prospera.

Quem viver, verá.

(Transcrito do Commercio de Santos, de 27/2/1925).