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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - ESTRADAS
O maior engavetamento na Via Anchieta (4)

Foram 15 mortos, 300 feridos e 140 veículos destruídos, em junho de 1977
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Um denso nevoeiro, numa época em que era pouca a sinalização e não tinham sido desenvolvidas iluminação e pintura específicas para reduzir os efeitos da neblina, foi o principal motivo para uma seqüência de 3 km de acidentes na Via Anchieta, em 28 de junho de 1977, caracterizando um dos maiores acidentes automobilísticos da história mundial. Os fatos foram assim registrados no dia seguinte, 29/6/1977, pelo antigo jornal santista Cidade de Santos:
 
Governo do Estado pagará enterros

O Governo do Estado, segundo revelações do coronel Moacir Teixeira da Silva Braga, chefe da Casa Militar do governo Paulo Egydio Martins, se comprometeu a cobrir todas as despesas com os funerais das vítimas do acidente ocorrido ontem cedo na via Anchieta. O coronel Braga esteve ontem às 18h40, em visita oficial, juntamente com o prefeito Antônio Manoel de Carvalho, na provedoria da Santa Casa, onde fez a declaração, para em seguida dirigir-se ao necrotério, onde transmitiu em nome do Governo os votos de pêsames às famílias e a notícia de que os funerais seriam pagos pelo Estado.

O representante do Governo, antes de chegar a Santos, já estivera no Município de Cubatão e lá manteve contato com autoridades da área, inteirando-se parcialmente da situação em que se envolveram inúmeros trabalhadores que se dirigiam para suas indústrias. Em seguida, o coronel Braga, que veio em companhia do major Milton Silva, subchefe da Casa Militar, dirigiu-se à Provedoria da Santa Casa de Santos, onde o alcaide santista já o aguardava. O burgomestre fez um amplo relatório verbal ao representante do Governo do Estado e apresentou-lhe uma lista datilografada das vítimas do acidente.

Conversa reservada - Durante alguns instantes, na Provedoria, o prefeito manteve conversa com o coronel Braga e o major Milton, que em seguida dirigiu-se a um telefone, para falar com São Paulo. Momentos mais tarde, o major voltava à sala de reunião, e o coronel Braga convocou os jornalistas para anunciar a medida do governador, disposto a pagar os funerais.

A partir de hoje será montado um esquema especial com o policiamento da área, mais a polícia rodoviária, para prevenções de casos semelhantes ao que originou o acidente na Anchieta ontem pela manhã. Os detalhes do esquema que o Governo pretende adotar, no entanto, o coronel Braga não revelou. E quem se mostrou de certa forma entendido em assuntos meteorológicos foi o prefeito Antônio Manoel de Carvalho, que não permitiu que o representante do governador respondesse a uma pergunta a respeito da previsão meteorológica veiculada em jornais sobre a visibilidade para a hora do acidente. Os jornais davam como visibilidade zero a partir das 7 horas da manhã. E o sr. Carvalho disse que de certa forma é imprevisível o cálculo exato da formação de nebulosidade densa, porque a bruma que cobriu ontem a cidade, segundo o entendido prefeito, vem do mar e é barrada pelo paredão natural formado pela encosta da Serra do Mar. Em razão disso, segundo os conhecimentos meteorológicos do prefeito, a bruma fica retida naquele local, sem que exista possibilidade de previsão para o fenômeno.

Apesar das explicações que os jornalistas haviam pedido ao coronel Braga, a rodovia Anchieta, no trecho da Baixada, considerado pelo prefeito uma área de grande densidade de névoa devido à parede da Serra do Mar, não é iluminada e não possui sinalização especial para ocasiões desse tipo.

Uma mensagem -  Antes do final da reunião do coronel Braga com os jornalistas, ele disse que o ideal seria a formação de uma comissão técnica especializada, para a prevenção de acidentes dessa natureza. Em seguida, ainda acompanhado do prefeito, seguiu para o necrotério da Santa Casa e depois da Areia Branca.

Ao transmitir a determinação do governador Paulo Egydio Martins, a comitiva de autoridades deixou transparecer uma forte comoção, principalmente na sala onde estavam sendo velados três irmãos - Wanderley, Walter e Wilson de Oliveira - que perderam a vida tragicamente no acidente.

O coronel Braga, que é presidente de uma Comissão Especial de Calamidades Públicas, junto ao Gabinete do Governador do Estado, comentou que a mobilização de médicos da Secretaria da Saúde, bem como o serviço de doação de sangue, tinha sido perfeito, tanto assim que ao final ressaltou o fato de que às 14h30, a Santa Casa já havia conseguido recolher plasma sanguíneo de 160 doadores e chegou a dispensar algumas pessoas que chegaram depois daquele horário, por falta de condições de acondicionamento do plasma. Elogiou também o serviço da Rodoviária no atendimento das vítimas e dos veículos para desimpedir a rodovia.

o chefe da Casa Militar disse que, juntamente com o governador Paulo Egydio Martins, acompanhou vivamente, através do Centro de Operações da Polícia Militar, o desenrolar dos acontecimentos, ontem cedo, na Via Anchieta.

Na pista, o volante: com nome, sem dono

Em meio aos destroços de centenas de veículos, mortos e feridos, um fato se destacou no acidente: a sorte do motorista Zelmo Mártire (Travessa Major Freire, 11). Ele dirigia o Expresso de Luxo, placas WX-1740, no sentido São Paulo-Santos e, no local, bateu contra um veículo e foi violentamente prensado por outros, mas nada sofreu. A professora Araci Pereira Bastos, uma de suas quatro passageiras, teve morte instantânea, prensada entre as ferragens retorcidas do Opala.

"Quando percebi que algo estava errado, tentei tirar o carro da pista, mas já era tarde. O choque foi violento e a impressão que se tinha era de que uma poderosa prensa estava espremendo o carro. Mas nada sofri e posso dizer que nasci hoje", diria mais tarde Zelmo.

Depois, ele mostrava um volante da Loteria Esportiva do teste passado, no qual o título era "A sorte existe". Para Zelmo, apesar de não ter feito os 13 pontos, a sorte existiu mesmo, pois acabou sendo contemplado com um prêmio maior: a própria vida. No local, a polícia encontrou outro volante da Loteria Esportiva, só que este do próximo teste e pertencente a Quendelisa dos Santos (rua Saturnino de Brito, 288). Porém, entre os feridos não se encontrou ninguém com esse nome, donde se concluiu que o volante poderia estar de posse de outra pessoa. Apesar do momento ser de consternação, não faltaram os "experts" que pediram licença para copiar os volantes, julgando-os "bom palpite".

Imagem publicada com a matéria

Serviço já previa o forte nevoeiro

A tragédia marcou o primeiro aniversário do Serviço Meteorológico da DERSA que, junto com a rodovia dos Imigrantes, ontem, comemorava seu primeiro ano de funcionamento. Criado para orientar os motoristas quanto ao tempo na estrada, no complexo rodoviário Anchieta-Imigrantes, nos setores Planalto, Serra e Interligação e Baixada Santista, poucas vezes suas informações foram imprecisas e falhas.

Ontem, no horário do acidente, no setor Serra e Interligação, tal como ocorreu, previa-se a formação de nevoeiro pela manhã e fim de tarde, com visibilidade entre 10 metros e 5 mil metros. A mesma precisão não alcançou o Setor da Baixada, onde o forte nevoeiro da manhã dificultava acentuadamente a visibilidade. Esse problema foi previsto pelo Serviço de Meteorologia da Diretoria de Hidrografia e Navegação, através da Capitania dos Portos, que enfatizava: "céu meio encoberto, com a presença de nevoeiro pela manhã".

Apesar dessas previsões - e de, normalmente, nesta época do ano ser costumeira a formação de intensa neblina - nenhuma providência especial foi adotada pela DERSA, que se limitou a manter os mesmos esquemas adotados em dias normais. Esse fato, em todos os comentários sobre o fatídico engavetamento - ganhou a mesma conotação de estranheza que há muito tempo outra atitude da empresa vem sofrendo: a sinalização e iluminação perfeitas do trecho Planalto - onde o fenômeno meteorológico raramente ocorre - em contraposição ao estado do setor Baixada, constantemente motivo de reclamações.

Há dias, na Câmara Municipal Santista, o vereador José Gonçalves (MDB) criticou o anúncio de nova iluminação para o trecho do Planalto - reeditando velhos pronunciamentos - enfatizando que as melhorias executadas pela DERSA na via Anchieta destinam-se sempre a esse setor. A solicitação de Gonçalves - até agora sequer respondida - referia-se, modestamente, não a realizações imediatas, mas, pelo menos, estudos de novos sistemas de iluminação para o setor Baixada.

Naquele anúncio - do qual a Baixada não fazia parte - era prevista a instalação de moderno sistema de iluminação para o trecho Planalto, que, ainda recentemente, ganhou os sofisticados postes de luminárias em forma de trevo e de luz amarelada, própria para neblina - embora, nesse local, não ocorra com tanta freqüência.

Ainda a névoa - "Formação de nevoeiro pela manhã", é ainda a previsão do tempo para hoje, fornecido pelo Serviço de Meteorologia da Capitania dos Portos, fenômeno que deverá repetir-se ainda por várias vezes na atual estação, devido à formação de massas quentes.

Contudo, para evitar acidentes e não se ver envolvido em tragédias como as de ontem, o motorista tem apenas duas alternativas: deixar de utilizar o complexo Anchieta-Imigrantes nos horários em que o nevoeiro é mais intenso - primeiras horas da manhã e início da noite - ou jogar com a sorte, seguindo as antigas recomendações da Polícia Rodoviária. Entre estas, estão: desenvolver baixa velocidade, não parar na pista, trafegar sempre com as lanternas acesas, mantendo distância mínima de vinte metros do veículo que for à sua frente e jamais parar na pista, por qualquer razão, dirigindo-se sempre ao acostamento.

15 mortes foram confirmadas nos hospitais

Até ontem à tarde, era dos mais intensos o movimento em todos os hospitais da Baixada, notadamente na Santa Casa de Santos e, por isso, havia bastante dificuldade para se estabelecer o número exato de mortos.

Contudo, à noite, o CPA/I - Comando de Policiamento de Área da Polícia Militar informava que o número de mortos já estava na casa dos 15 e poderia aumentar em virtude de estarem internadas várias vítimas em estado grave.

Os 15 mortos relacionados pelo CPA/I são: os irmãos Wanderlei, Walter e Wilson de Oliveira; Almerindo Teodoro Daise; Carlos José Luiz Martins Vasquez (avenida Joaquim Miguel Couto, 148 - Cubatão); Daniel Almeida Martins; Joel Almeida Fragoso (ou Fragôa) Machado; Mironildes da Silva Santos; Paulo Eduardo Maneira da Silva; Aristides Santos Toledo; Araci Pereira Bastos (estes nomes foram confirmados pela Santa Casa de Santos). Contudo, existem outros quatro dados como mortos, mas que não constam da relação fornecida pela Santa Casa. São eles: Alberto Ramos; Manoel Cardoso; Duílio David e Francisco Chagas.

Necrologia confirma - Horas mais tarde, a necrologia confirmava a morte dos quatro: Alberto, Duílio, Manoel e Francisco. Alguns corpos foram removidos para o necrotério do Cemitério da Areia Branca e outros para o necrotério da Santa Casa. Por volta do meio-dia, uma multidão se comprimia no cemitério da Areia Branca, verificando-se cenas dramáticas, com algumas pessoas desmaiando e outras sofrendo fortes crises nervosas.

Enquanto isso, no local, equipes de policiais e de salvamento dos bombeiros lutavam para retirar outros corpos dos veículos acidentados, alguns deles nada mais que um monte de ferros retorcidos. Em vários casos, a ferragem teve que ser cortada com maçaricos e serras para que os corpos pudessem ser retirados.

Famílias preocupadas - Não demorou muito para que a notícia do gigantesco acidente se espalhasse por toda a Baixada, tendo início então o sofrimento das pessoas cujos parentes trabalham no Parque Industrial de Cubatão. Todos queriam ao mesmo tempo informações sobre a relação dos mortos e feridos e, para isso, utilizavam a única opção possível: as redações dos jornais e emissoras de rádio.

Mas as informações eram confusas e desencontradas, pois a própria polícia carecia de maiores detalhes sobre o número de vítimas, já que muitas foram atendidas nos diversos hospitais da Baixada e não havia como relacioná-las em curto espaço de tempo. O pânico das famílias aumentava à proporção em que as emissoras iam fornecendo alguns nomes dos mortos e feridos, alguns feridos leves eram dados como mortos e vice-versa, em razão da enorme confusão gerada pelo elevado número de veículos envolvidos (mais de 200), o que deixava a expectativa de um número de vítimas muito maior.

À tarde, já era quase impossível entrar no cemitério da Areia Branca, tal a quantidade de pessoas ali concentradas. Amigos e parentes dos mortos procuraram aquele local onde lhes seriam prestadas as últimas homenagens. Se, pela manhã, as cenas dramáticas já eram comuns, à tarde o ambiente ficou ainda mais constrangedor. Inúmeras senhoras e moças, além de alguns homens, tiveram que ser socorridos, atacados de fortes crises nervosas.

Representantes das empresas que operam no Parque Industrial de Cubatão foram também ao cemitério da Areia Branca para tratar dos problemas relacionados com o sepultamento das vítimas. Novamente cenas dramáticas se verificaram e até as pessoas que ali se encontravam apenas por curiosidade ficaram sensibilizadas e muitas delas também tiveram de ser socorridas no Pronto Socorro da Zona Noroeste.

Outros mortos - Segundo informações, entre as pessoas que estão internadas, várias se encontram em estado gravíssimo e o número de mortos poderá se elevar ainda mais, no maior acidente de trânsito já ocorrido em toda a história da Via Anchieta. "Eu estava numa Kombi da Constram e comigo estavam mais oito companheiros. Eu apenas quebrei o braço e posso dizer que tive sorte, mas não sei como estão meus companheiros. Depois que pulamos para fora, ainda vi quando a Kombi, apertada por outros veículos que iam batendo uns nos outros, ia sendo amassada como se fosse uma bola de papel". Foi o que disse o cozinheiro Manoel Pina, que concluiu dizendo: "foi a coisa mais horrível que eu vi". Ele falou com a reportagem quando chegava ao cemitério da Areia Branca, onde foi em busca de informações sobre seus companheiros. Como Manoel, muitos outros trabalhadores na área da Cosipa e familiares, que não conseguiam informações em outros locais, buscavam como único recurso os necrotérios.

Para os funcionários dos necrotérios, nunca se teve notícia de uma tragédia de tais proporções. Apesar de ser amplo e espaçoso, o da Areia Branca foi pequeno para conter a multidão que o invadiu a partir das 10 horas da manhã.

O pátio da Areia Branca ficou repleto de veículos e o movimento foi considerado muitas vezes superior ao próprio dia de Finados. À noite, circularam informações de que a mãe dos irmãos Wanderley, Wilson e Walter de Oliveira, mortos no acidente, ao tomar conhecimento do fato, sentiu-se mal e teve de ser hospitalizada em estado grave.

Outras notícias, também não confirmadas, diziam que não se tratava de um caso isolado, pois muitos outros parentes de pessoas feridas no acidente tiveram de ser atendidos nos hospitais. Até o encerramento desta edição, era grande o número de pessoas que continuava na Santa Casa, algumas querendo a confirmação sobre o estado dos familiares ali hospitalizados e outras à espera de um milagre, depois de ouvirem a frase: "o estado dele é gravíssimo, estamos fazendo o possível. Tenha fé em Deus".

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