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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Chronica Geral do Brazil
Uma crônica de 1886 - Introdução

Clique aqui para ir ao índice do primeiro volumeEm dois tomos (1500-1700, com 581 páginas, e 1700-1800, com 542 páginas), a Chronica Geral do Brazil foi escrita por Alexandre José de Mello Moraes, sendo sistematizada e recebendo introdução por Mello Moraes Filho. Foi publicada em 1886 pelo livreiro-editor B. L. Garnier (Rua do Ouvidor, 71), no Rio de Janeiro. É apresentada como um almanaque, dividido em séculos e verbetes numerados, com fatos diversos ordenados cronologicamente, tendo ao início de cada ano o Cômputo Eclesiástico ou Calendário Católico.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, foi cedido  a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas V a XV:

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Chronica Geral do Brazil

Alexandre José de Mello Moraes

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Introdução

O Brasil é um país sem história. Até o presente, nenhuma obra existe que consubstancie o espírito geral de cada época de nossa civilização; dos acontecimentos do passado, da vida moral e evolutiva das diferentes fases por que temos atravessado.

É que estamos distantes do momento da arte histórica, por isso que os materiais esparsos e os fatos não reunidos opõem-se ao encargo do juiz que tem de julgá-los com vistas próprias, e de acordo com a variabilidade de aspecto e caráter das nossas populações.

A ausência completa de ordem nos trabalhos que entre nós se anunciam com tais pretensões, que não manifestam a observação nem o estudo metódico, porém tradições mutiladas e pesquisas incompletas, confirmam o nosso dizer, avigorado com a Chronica geral do Brazil, narração de fatos sem comentários, para servir de contribuição à história nacional.

E não foi preenchida essa lacuna por meu venerando pai, não porque lhe faltassem a perspicácia do filósofo, o interesse dramático despertado pela luta das raças e maravilha da natureza, o conhecimento seguro dos homens ao serviço das idéias. Possuindo tesouros que constituiriam a riqueza de uma geração de historiadores, teve pressa de entregá-los à Pátria na Chorographia Historica, Brazil-Reino e Imperio, Independencia, Brazil Historico e um sem número de biografias, documentos, memórias, panfletos e artigos de jornais que por aí correm, que, sem a sua laboriosa atividade, seriam intervalos nunca supridos.

Se nos voltarmos para o passado evocando as sombras laureadas dos que se ocuparam de semelhantes assuntos, quem mais alto encontraremos do que o severo autor da Chronica geral, a cuja voz poderosa reproduzem-se as cenas da conquista e das primeiras invasões, assistimos cheios de horror ao lúgubre interrogatório dos Inconfidentes, ressurgem do chão do patíbulo as cabeças lívidas e impassíveis dos mártires de 17 e 24?

Mais do que ele, quem deu nova direção à torrente de ideias patrimoniais, familiarizando-nos com grandes vultos de nossa história política, até então desconhecidos, imprimindo nos acontecimentos fisionomia mais distinta, formas mais regulares?

Entretanto, o operoso escritor, que concentrava em si a ciência da história e o gênio do historiador, deixou de sê-lo, devido por certo à exuberância da sua mesma força. E quando ele, depois da publicação deste livro, dispunha-se a esculpir os primeiros traços no seu colosso – A Historia do Brazil -, a morte cresceu-lhe aos pés e o artista, atirando o escopro aos ares, caiu fulminado, servindo-lhe de lápide os fragmentos espalhados de seu monumento.

Pela grandeza das lascas desbastadas, quem não adivinha no bloco uma estátua de Júpiter Olímpico?

O que produziram seus antecessores não nos parece que possa ser equiparado ao que ele nos deixou. Durante o fecundo período de 1750 a 1830, a nossa história literária não registrou publicações de mais valor, com vistas mais generalizadoras, abrangendo maiores proporções, com relação à cadeia dos acontecimentos.

A asserção é fácil de provar e a suspeição de que podemos ser acoimados pelo nosso caráter de filho impõe fazê-lo.

Não temos uma história, dissemos; e é verdade. A profusão de trabalhos no gênero que se nos deparam desde a segunda metade do século XVIII até hoje, nos produzem o efeito de uma enorme galeria onde se encontram esboços, ao acaso, de um todo, por acabar e fundir.

Começando pelo mais antigo dos nossos cronistas incluídos na data acima (1750 a 1830), fr. Antonio de Santa Maria Jaboatão, é de merecido apreço a Chronica da Provincia ou Novo Orbe Seraphico. Mas a estimativa de seu livro não vai além da história localizada de sua ordem, servindo-lhe de acessórios – lendas, pequenas descrições e notícias.

Pedro Taques, escritor de estilo fácil, colocou-se em outro ponto de vista para descortinar a história: dele existem a Historia da Capitania de S. Vicente, cujo limite o título determina, e a Nobiliarchia Paulistana.

Apesar dessas composições marcarem um passo adiantado no caminho do nosso nacionalismo, a sua esfera é restrita.

Colaborou eficazmente para nossa história geral tratando da fundação da cidade do Rio de Janeiro, assinalando a estupenda empresa dos bandeirantes nos sertões da província de Goiás, e a sua Genealogia é o nosso mais escolhido documento demográfico.

Fr. Gaspar da Madre de Deus é um autor contestado; Sylvio Romero não reconhece autenticidade em todas as produções a ele atribuídas e discute-as.

Como exemplo de seu estilo, cita com louvor o episódio de Amador Bueno, o mais interessante de seus trechos históricos.

A respeito de monsenhor Pizarro, outrora celebrado historiador das Memorias do Rio de Janeiro, o jovem e ilustre crítico da Historia da Litteratura Brazileira, no capítulo consagrado aos historiadores, pronuncia-se da maneira seguinte:

"As Memorias do Rio de Janeiro não passam de um repertório de notícias para nossa história. Não são uma obra metódica e muito menos artisticamente feita".

Apesar do desfavor de que a crítica tem cercado as Memorias para servir á historia do reino do Brazil do cônego Gonçalves dos Santos, achamos sabor nesses escritos: eles nos fazem conhecer a transição da colônia para o Império, descrevem-nos o bem-estar que havia naqueles tempos em que o povo, na aparência ao menos, era feliz.

O tom elogiativo das suas Memorias justifica a definição do grande crítico, que considera a história nacional antiga "a enumeração dos reis da metrópole e dos governadores da colônia, a biografia dos missionários, a crônica das ordens monásticas".

Nele, como nos mais historiógrafos da época, só temos a respigar aqui e ali um episódio, um fato, uma narração; o cônego Gonçalves dos Santos, com mais direito do que Pizarro, merece ser lido pela mocidade.

Escreveu elogios, mas descreveu as festas da colônia e do primeiro reinado. É o que se tem a aproveitar dele, e já é alguma coisa.

As obras de Balthazar da Silva Lisboa são deveras notáveis pela erudição que as alenta, sobretudo na parte etnográfica. O sábio baiano trata das raças americanas com proficiência relativa a seu tempo, superior mesmo, pois desdobra em seus estudos indagações e conceitos que ainda subsistem.

Para competir com este, destaca-se o visconde de s. Leopoldo, literato e historiador, correto, imaginoso e de instrução elevada. Os Annaes da Provincia de S. Paulo não compreendem somente fatos, mas dão conta de situações topográficas esclarecidas pela geografia e das matérias de que se compõem os terrenos, da posição dos mesmos, díade, forma e revoluções.

Passando por alguns outros historiógrafos, é justo não esquecer Ayres do Casal e Ignacio Acciolli, especialmente este último, com as suas Memorias historicas e politicas da provincia da Bahia e Chorografia Paraense, obras de firmado interesse pelo mérito da observação.

Varnhagen e Pereira da Silva chamaram a si as glórias de historiadores, que não sabemos se com razão: como sistema, como método, como arte, achamos a Historia geral do Brazil e a da Fundação do Imperio tão distanciadas da History of Brasil de Robert Southey [1], que supomos o autor inglês um bom modelo, deficiente na atualidade, pela falta de documentos descobertos depois e publicados pela Revista do Instituto, por meu pai, Joaquim Norberto e outros.

Mas será tudo isso a história nacional?

Anuas, crônicas, monografias, biografias, memórias,histórias parciais e sem concepção, particularizam a grande alma popular, turbilhonando em suas origens, no conjunto de suas manifestações, dependendo das contingências da ação e da influência dos meios?

- Não, mil vezes não.

Se assim fosse, o escritor da Chronica geral seria o nosso único historiador, pois feriu todas as teclas, dedilhou todas as cordas...

Não há um acontecimento de nossa existência colonial que ele não registrasse; uma floresta virgem cujas paisagens não ilustrem as suas páginas; um rio gigante que não venha rugindo rolar sobre essas laudas que lhe servem de leito; a voz de uma tribo, de uma raça selvagem, que não ecoe nas abóbadas sem arquitetura de suas construções inacabadas.

Ao lê-lo, habituamo-nos pouco a pouco com as individualidades e fatos exibidos em suas narrações, com precisão de generalidades e minúcias; e pelo critério de suas opiniões, pela verdade dos documentos em que baseia os seus raciocínios, nos identificamos facilmente não só com as ocorrências e personagens históricos, mas ainda pelo amor que ele consagrava à sua terra e à sua gente:

"Eu desta glória só fico contente

"Que a minha terra amei e à minha gente."

O juízo austero de meu pai, o seu incandescente entusiasmo pelas coisas do país, e, sobretudo, a consciência de que seria na posteridade uma testemunha a depor, fizeram com que se levantassem contra a sua franqueza inquebrantável vultos proeminentes do primeiro e segundo reinado, por isso que lhes trazia como corolários da vida pública singularidades características da via particular.

Enquanto a isto, não seremos nós a atirar-lhe a pedra: pontos de reparo, adotados pela crítica moderna com aplicação à literatura, nenhum direito temos a abandoná-los, quando se trata de história.

Observador direto da decadência da Pátria; na privança dos velhos que prepararam e batalharam na Independência; ledor paciente de todos os arquivos, quando ele conta é a tradição quem fala, quando ele escreve é uma síntese de desânimo ou uma denúncia acusadora.

Acreditava meu pai que o sr. d. Pedro II não tinha bastante prestígio para conjurar as tempestades que ele próprio amontoara nos horizontes pátrios, e criticou o seu reinado e os seus homens; apelando para um outro sistema de governo, mas não encontrando um chefe de partido que fosse ao mesmo tempo um chefe de guerra, uma convicção política, que não fosse exterior, descreu dos homens e dos partidos.

Refugiado no passado, com a fronte apoiada sobre os capitéis das nossas instituições derrocadas, verberou os poderes públicos e responsabilizou o chefe do Estado como o corretor supremo da nossa corrupção moral.

Por vezes a fronte do historiador iluminava-se como a de um profeta eleito: era Daniel que vaticinava a destruição da Cidade Santa! Para o conviva misterioso dos festins do rei babilônio as setenta semanas se haviam passado; para o escritor da Chronica geral do Brazil ainda faltava a última.

- De um lado os persas; do outro o estrangeiro!...

Nos seus longos êxtases, quando o seu olhar inspirado derramava-se por sobre as ruínas humilhadas do presente, ele adiantava-se como um fantasma, e, de bruços, soprando as cinzas ainda fumegantes dos mártires de outrora, aquecia os lábios aos fogos vivos que delas se ateavam.

No meio das solidões o seu espírito, retrocedendo, esclarecia o rio das idades...

Aqui era Cabral e a descoberta; Anchieta quase uma divindade e Vieira quase um apóstolo... as povoações espanejando-se às primeiras auroras, com seus moradores e suas escolas indianas; ali os governadores e os colonos, os escravos e os levantes, as florestas cheias de Deus e as cidades cheias de homens; acolá um pensamento de liberdade, a conspiração e o cadafalso, o sangue dos supliciados na forca das praças e os gemidos dolorosos no fundo das masmorras – É a Chorographia Historica!

Mas as raças amalgamam-se, as instituições da metrópole transplantam-se para a colônia, a mestiçagem burburinha e combate, os grandes homens, transpondo a colônia, constroem a nossa emancipação política – É o Brazil-Reino e Brazil Imperio!

Depois a agitação, as ambições, o diálogo dos vícios, o patriarcado, a discussão e uma carta comprada – É a Independencia e o Imperio do Brazil.

Esta transição em nosso regime governamental levou o historiador a pesquisas complicadas, a conjeturas formuladas sobre informações contestáveis, de sorte que as gigantescas figuras de Pedro I e a dos Andradas são amesquinhadas em suas proporções legendárias.

Não obstante, foi uma cena épica em que a Bahia, como o coro da tragédia grega, respondia com uma instrumentação de bombardas...

Longe de estabelecer-se a ordem e a paz, os acontecimentos, ao contrário, sucedem-se com fragor...

A dissolução da Constituinte é um brado de alarma para os partidos. Como bandos de aves que emigram, realistas liberais e republicanos demandam o Sul, levando consigo ideias separatistas! – E o Império perde a Cisplatina!...

Em 1823 o Clube de Pernambuco se organiza no mistério de uma sociedade secreta e ameaça com a rebelião os dias do imperador.

Os que se abatem no Norte, saídos da Independência, mas formando um cisma, difundem por toda a parte a anarquia infrene e aterradora. A Bahia os recolhe e arma a sedição militar de 1824; Pernambuco os acolhe – a eles que entregam nas mãos da revolução o estandarte da República do Equador.

O Brasil deixa escapar Montevidéu e assina tratados com as potências europeias; a Independência é reconhecida e os archotes da guerra, suspensos pelos sediciosos, entornam na atmosfera luares sinistros.

Enquanto a tempestade rugia lá fora, e o vento da conflagração assoviava batendo com as asas rotas e hécticas (N.E.: héctica é uma febre contínua e lenta) nas vidraças do paço da Boa Vista, Pedro I – que foi um herói e que queria ao Brasil – pária de suas aspirações e de seu único amor, escrevia à Marquesa de Santos [2]:

"Meu amor, e Meu tudo... No dia em que fazia trez annos que eu começei a ter amizade com mece assigno o tratado do nosso reconhecimento como Imperio: por Portugal. Hoje que mece faz os seus vinte, e sette recebo a agradavel noticia que no Tejo tremulára em todas as embarcacoens nelle surtas o Pavilhão Imperial effeito da ractificação do Tratado por El-Rei meu Augusto Pay. Quanto ha para notar huma tal combinação de acontecimentos politicos com os nossos domesticos, e tão particulares!!!

"Aqui ha o que quer que seja de misteriozo que eu ainda por hora não devizo; mas que endica que a Providencia vella sobre nós (e se não ha pecado) athe como aprova a nossa tão cordial amizade: com tão celebres combinaçoens. Como Estou certo que mece toma parte, e bem apeito nas felicidades ou infelicidades da nossa cara Paria por isso ive a lembrança de lhe escrever.

"Este seu fiel constante disvellado agradecido, e verdadeiro amigo e muito do fundo d'alma. – O Imperador.

"P.S. – Não responda para se não encomodar, e perdoe a carta ser tão grande, e maior que fousse ainda não dizia o que querem dizer taes combinaçoens."

E nada o perturbava...

Sobranceiro às forças coligadas, indiferente aos ódios das facções, em luta com os vultos mais proeminentes e nossa história política, o jovem rei nunca servira de joguete aos partidos, porém a eles se impunha pelo absolutismo de sua vontade e pela grandeza extraordinária de suas intuições geniais.

Pedro I força os domínios pósteros, tendo como arautos os alaridos das revoluções e o espectro ensanguentado dos mártires; mas o seu braço poderoso liberou um povo, deu-lhe uma Constituição e fundou um Império!

- É que o homem não faz os tempos; deles é uma resultante e nada mais.

Percorrendo as vastidões da história, registrando todos os fatos e datas, fazendo considerações amplas e historiando a seu modo, no segundo volume, as intimidades do primeiro reinado, a Chronica geral do Brazil revela a possante cerebração de um escritor, cujo perfil avultará no futuro como uma das mais rutilantes glórias nacionais.

Aí ficam as suas obras, que são o legado de sua alma à Pátria e à Humanidade.

Mello Moraes Filho.


[1] Esta magnífica obra, por incumbência de M. Garnier, foi traduzida magistralmente pelo sr. dr. Luiz de Castro, homem de letras erudito e redator=-chefe do Jornal do Commercio.

[2] A ortografia é a do autógrafo e de toda essa curiosa correspondência que existe em nosso poder (N. A.).