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TRILHOS (08)
No tempo dos bondes da City... (3)

Prossegue o relato de Manuel Henriques Ribeiro, funcionário da Cia. City e da Companhia Municipal de Transportes Coletivos na época áurea dos bondes santistas. Ele recorda o tempo dos bondes especiais R, X e Y:

O bonde Y, defronte ao antigo Hotel Parque Balneário, no Gonzaga
O bonde Y, defronte ao antigo Hotel Parque Balneário, no Gonzaga

"Existiam os bondes expressos: o R, o Y e o X, que paravam poucas vezes no caminho, geralmente nem paravam, o motorneiro apenas diminuía a marcha para as pessoas subirem e descerem. Na hora do rush, saía um bonde R da Praça Mauá para São Vicente e outro R para a Ponta da Praia. O X seguia para a Ponta da Praia e depois para o José Menino. O Y ia pela Avenida Ana Costa e voltava pela Av. Pinheiro Machado. Ao chegar à linha da máquina, como era chamada a estrada de ferro, o motorneiro passava para o outro lado do bonde e voltava pelo mesmo caminho.

Nos anos 30 do século XX, reparos em execução na linha 4, bairro da Ponta da Praia
Nos anos 30 do século XX, reparos em execução na linha 4, bairro da Ponta da Praia

Acidentes - "Lembro de uma vez um motorneiro se descuidou, na linha 14, que seguia pela Ana Costa: o ponto era na estação da estrada de ferro Sorocabana. Depois que os passageiros desceram, o cobrador deu sinal de saída, e o motorneiro colocou a manivela em um ponto, dando a partida. Não viu a máquina que estava saindo pelos portões da Sorocabana. Os dois não chegaram a bater, não houve prejuízos materiais e nem vítimas, apenas o susto, o motorneiro me disse que tinha ficado paralisado, nem parou nem acelerou. Mas a locomotiva também não apitou, houve descuido dos dois condutores.

"Outro caso de descuido que lembro aconteceu no José Menino, na Divisa - onde havia a estátua do Pescador. Minha turma estava trocando um pequeno trecho de trilhos. Cerca da meia-noite, o inspetor autorizou a retirada dos trilhos, pois já não deveria circular nenhum bonde. Mesmo que aparecesse algum da linha 2, teria de esperar. Serviço iniciado, apareceu um bonde, que parou a dez metros da obra. Quando os trilhos já estavam sendo colocados no lugar, eu estava examinando o serviço quando veio um segundo bonde que deveria ter sido recolhido pelo lado do Matadouro, mas estava fazendo o caminho pela praia.

"O motorneiro já deveria estar com bastante sono, pois não viu o outro bonde parado à frente. Vinha com oito pontos abertos na manivela, a velocidade máxima. Depois de bater no bonde parado, os dois seguiram em frente. Os trilhos ainda não estavam aparafusados nos dormentes, mas os dois bondes passaram pela obra sem que nada acontecesse. Estava apertando uma junta, quando senti o bonde chegando, só deu tempo de pular para fora. Felizmente, não houve feridos ou danos materiais, o único prejudicado foi o motorneiro distraído, que no dia seguinte foi demitido por não prestar atenção ao caminho.

Nos anos 30 do século XX, reparos na via junto ao canal 1 (Avenida Pinheiro Machado), na praia do José Menino

Nos anos 30 do século XX, reparos na via junto ao canal 1
(Avenida Pinheiro Machado), na praia do José Menino

"Em frente ao Escolástica Rosa, um ajudante de encarregado, José Maria Diniz, estava executando um serviço nos dormentes, entre os dois trilhos da linha, quando passou um coletivo e o motorneiro não o viu. Só depois de ter batido é que parou o bonde e veio ver se tinha matado o homem. Foi quando Diniz se levantou do meio dos trilhos e, se não o segurassem, teria castigado o desatento motorneiro com uma chave de juntas...

Caronas - "Nos bondes, havia muitos caronas, que diziam ao cobrador já terem pago a passagem. Homens e moças pegavam a revista, o jornal, e fingiam ler. O cobrador tilintava o dinheiro na mão e eles fingiam não ouvir, para escaparem sem pagar a passagem. Só pagavam mesmo quando o cobrador tocava no ombro. Outros, mudavam de estribo, quando o cobrador aparecia. Um sujeito tentou dar o golpe de que já tinha pago a passagem, mas não escapou: o cobrador ainda não tinha cobrado a passagem de ninguém...

"No Macuco, uma vez um indivíduo pôs o dinheiro da passagem em cima de um punhal, estendeu ao cobrador, dizendo: - Toma, pega o dinheiro aí. O cobrador não se intimidou. Sacou um revólver, apontou para o sujeito e disse: - Pego sim, passa pra cá!

Diretores da Cia City na década de 30 inspecionam obras junto à praia do Boqueirão
Diretores da Cia City na década de 30 inspecionam obras junto à praia do Boqueirão

Trabalho - "Meu primeiro dia de trabalho, como servente de pedreiro, o feitor de obras mandou que me reunisse com os calceteiros defronte à Santa Casa para colocar os paralelepípedos, trabalho de calceteiro. À tarde, fui para a Rua Teixeira de Freitas como ajudante de ferreiro, por não haver então vaga como ferreiro. Trabalhei na forja, na rua. No primeiro mês, ganhei dez mil réis, e no mês seguinte fui aumentado para onze mil réis.

"Depois, trabalhei como ajudante de esmerilador, também na rua, alisando as juntas dos trilhos. Naquela época, o povo estava bem servido de bondes, pagando 200 réis de passagem no bonde e um tostão (cem réis) no reboque. Na frente, o bonde era mais de luxo, enquanto atrás, no reboque, iam os trabalhadores. Os jornaleiros pegavam o bonde, vendiam jornais aos passageiros, desciam e pegavam o bonde seguinte. Vendiam A Tribuna a 200 réis e o Diário de Santos a um tostão.

Crachá metálico de identificação da City, para uso na lapela ou no quepe

Crachá metálico de identificação da City, para uso na lapela ou no quepe
"Meu serviço sempre foi na chamada via-permanente: a instalação e manutenção dos trilhos. Recebíamos as plantas dos engenheiros com o traçado das linhas, e tínhamos que corrigi-las. Eles reclamavam, mas acabavam reconhecendo que tínhamos razão em alterar o traçado, mesmo não tendo instrução superior. Sabíamos na prática que aquelas curvas fechadas que eles desenhavam no papel fariam descarrilar os bondes, pois não tinham espaço para as rodas virarem, assim abríamos mais a curva e resolvíamos o problema.

"Ah, e poucos lembram: o colégio Canadá tem esse nome porque a praça onde ele se situa era um terreno pertencente à empresa canadense The City of Santos... A empresa manteve em Santos o que era considerado o melhor meio de transporte da América do Sul: em 1950, a cidade contava com 28 linhas de bondes. Mas, já em 1933 havia alguns ônibus, pintados na cor verde e a 500 réis a passagem."

A história continua!

Carlos Pimentel Mendes