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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Locomotivas já foram presas de guerra

A história esquecida - agora resgatada - das locomotivas alemãs que o Brasil apreendeu como compensação de guerra, na Primeira Guerra Mundial

Quem vê uma pequena locomotiva e seu vagão de passageiros, expostos na Cidade da Criança (novo nome do Parque Anilinas, situado no centro de Cubatão), não imagina - mesmo porque faltam placas indicativas, e a história chegou a ser esquecida pela maioria das pessoas - a curiosíssima história que envolve esse conjunto de veículos. A locomotiva, uma das poucas compensações de guerra ainda em condições de funcionar tomadas pelo Brasil na Primeira Guerra Mundial. O vagão, na verdade um bonde originalmente puxado por burros na cidade de Santos.

Outra locomotiva, gêmea daquela de Cubatão, chegou a parar num depósito de ferro-velho em Santos, sendo salva do desmonte por um grupo de pesquisadores. E a terceira do lote apreendido no porto santista foi destruída quando da explosão do gasômetro de Santos, em 1967.

Essas histórias começaram a ser resgatadas por pesquisadores como Marcello Tálamo, do site Trilhos na Serra (associado à organização virtual de preservação ferroviária EFBrasil), que cedeu a Novo Milênio o uso desse raro material:


Vista lateral da locomotiva, como foi encontrada no ferro-velho santista.
Note-se (acima do papel branco) a roda encaixando-se perfeitamente  no perfil do trilho, evidenciando bom estado e desgaste abaixo do esperado
Foto: abril de 2003, site Trilhos na Serra

A história da locomotiva 811 da City

A história dessa locomotiva no Brasil, bem como de sua irmã, a Henschel 915 que se encontra em Cubatão, é bastante fragmentada, devido à escassez de informações. De acordo com o pesquisador de assuntos ferroviários Nicholas Burmann, essa locomotiva, assim como a 811, pertenciam ao exército alemão e estavam em um navio que se dirigia às colônias alemãs na África. Porém, ao aportar no Brasil para abastecimento e carregamento de cargas por volta de outubro de 1917, o navio foi retido pelo governo brasileiro como "presa de guerra", uma vez que em 27 de outubro de 1917 o Brasil entrou no conflito, sendo a declaração de guerra  assinada pelo presidente Venceslau Brás.

A reforçar essa tese, temos registros de que "...quando foi firmado o Tratado de Versalhes, pelo qual a Alemanha era obrigada a indenizar o Brasil pelo café destruído nos ataques a nossos navios. O governo brasileiro, por sua vez, pôde pagar por preços antigos as embarcações alemãs apreendidas em nossos portos.." (fonte http://novaescola.abril.com.br/ed/109_fev98/html/novembro.htm).


A locomotiva 811, encontrada no ferro-velho santista em 2003
Foto: abril de 2003, site Trilhos na Serra

Portanto, de acordo com o apurado, um navio alemão teria sido apreendido no Brasil vendidos como presa de guerra, junto com sua carga, que incluía 2 a 3 locomotivas do exército alemão, de numerações 811, 915 e uma terceira desconhecida, que explodiu quando da explosão do Gasômetro em Santos, além de uma grande carga de trilhos e equipamentos ferroviários destinados a linhas ferroviárias de bitola estreita nas colônias alemãs na África.

Essas locomotivas então teriam sido leiloadas ou vendidas para a Cia City of Improvements de Santos, que as alocou para o serviço na linha de Pilões, servindo a Usina e a fábrica de Papel. Essas locomotivas entraram em ação nas mesmas condições em que foram apresadas, ou seja, com a numeração original do exército alemão.

Placa da locomotiva encontrada em Santos, comprovando sua origem alemã
Foto: Marcello Tálamo, abril de 2003, no site Trilhos na Serra

Durante muitos anos essas locomotivas prestaram excelentes serviços, até que a ruptura de uma barragem da usina hidrelétrica causou a destruição das pontes ferroviárias da ferrovia, inviabilizando-a e fazendo com que essas locomotivas fossem encostadas em diversos locais durante alguns anos, até que negociações políticas fizeram com que as mesmas fossem transformadas em monumentos municipais em Santos (Conjunto Poliesportivo Constâncio Vaz Guimarães) e em Cubatão (Parque Anilinas).

A locomotiva 811,então depositada  no Centro de Treinamento do Santos, em 1994
Foto: Kelso Médici, no site Trilhos na Serra

Nesses locais, as máquinas foram documentadas em 1994 pelo pesquisador Kelso Medici para sua página Web sobre locomotivas a vapor preservadas em São Paulo (seções Santos e Cubatão), estando ambas em bom estado. Porém, por não serem máquinas de bitola compatível com a esmagadora maioria dos equipamentos ferroviários nacionais, que normalmente utilizam as bitolas de 1,00 e 1,60 metro, o foco na sua preservação não foi tão intenso, pois a prioridade é a recuperação de materiais que possam vir a circular em linhas férreas, tracionando composições de época nas iniciativas dinâmicas de preservação que temos em São Paulo, com destaque para a ABPF-Campinas e São Paulo.


Vista traseira da locomotiva, como foi encontrada no ferro-velho santista
Foto: abril de 2003, site Trilhos na Serra

Para complicar a situação, no caso da 811, a Prefeitura de Santos cedeu o Conjunto Poliesportivo para o Santos Futebol Clube montar seu Centro de Treinamento, onde uma das primeiras providências foi cercar o conjunto, o que tornou problemática e dificultosa a inspeção constante dessa locomotiva, prevalecendo como real a última informação disponível, de que a máquina estava em local abrigado nas dependências do C. T. do Santos, embora alguns boatos, difíceis de confirmar, dessem conta de que ela teria sido transferida para o Horto Florestal, o que nunca foi possível aferir.


Pesquisador ferroviário Júlio César Paiva vistoria a locomotiva encontrada no ferro-velho santista. Aparentemente, a maior parte dos instrumentos estão presentes
Foto: abril de 2003, site Trilhos na Serra

Subitamente, eis que em abril de 2003 recebemos farta documentação fotográfica através do site na Internet mantido pela organização não governamental (ONG) virtual EFBrasil, dando conta de que uma locomotiva a vapor encontrava-se à venda em um ferro velho em Santos.

Imediatamente, a EFB deslocou elementos para a verificação dessa informação. Essa equipe descobriu, com surpresa, que - jogada em um matagal nos fundos de um ferro velho - repousava a guerreira de 87 anos, veterana da Primeira Guerra Mundial e de tantos serviços prestados no Brasil.

Começava nesse momento então a corrida para garantir a sobrevivência e preservação dessa máquina, pois parte tão importante da História não pode ser deixada para o sucateamento.


Pesquisadores ferroviários Júlio César Paiva e Sérgio Mártire vistoriaram 
a locomotiva Henschel 811 encontrada no ferro-velho santista
Foto: abril de 2003, site Trilhos na Serra

Em 9 de agosto de 2003, o pesquisador Marcello Tálamo anunciava em uma lista de debates na Internet sobre preservação ferroviária, em mensagem com cópia para Novo Milênio, com esta imagem:

O desabafo do preservacionista ferroviário, em 2003
Fotomontagem com o "carimbo": Marcello Tálamo

A imagem fala por si só. Essa locomotiva, que representa um importante pedaço da história ferroviária na Baixada Santista, estava jogada em um ferro velho, pronta para ser sucateada por algumas migalhas.

A EFBrasil descobriu esse fato, lançou o grito de alerta nas listas e o interesse das entidades preservacionistas e de elementos ligados historicamente à causa da preservação foi IMEDIATO, onde rapidamente foram iniciadas negociações para a obtenção dessa locomotiva para fins de preservação, o que infelizmente, em se tratando de iniciativa privada, envolve $$$$$.

Pois bem, com satisfação podemos dizer que essas negociações foram bem sucedidas e hoje essa locomotiva já se encontra em local seguro, em franco processo de recuperação. Ou seja, S.A.L.V.A. do maçarico.

Por um lado, como santista, fico triste pela perda de um patrimônio histórico, que a prefeitura poderia ter resgatado e colocado um trenzinho para rodar na entrada da cidade que seria atração Mundial, visto a particularidade dessa locomotiva, uma legítima e raríssima Brigadelokomotiven do exército alemão na Primeira Guerra Mundial e que não foi vendida ao Brasil, e sim TOMADA À FORÇA, talvez um dos poucos exemplos de PRESA DE GUERRA ainda em condições de funcionamento que
existam no Brasil.

Por outro lado, como preservacionista, fico feliz que ela esteja sendo devidamente recuperada e possa voltar a funcionar. Parabéns aos envolvidos, com destaque ao Sérgio Martire e Gilberto (ABPF-SP), Antônio Gorni, que lançou inicialmente na lista essa descoberta possibilitando a recuperação desse patrimônio, Júlio Cesar Paiva (EFBrasil) que deslocou-se de São Paulo até a Baixada exclusivamente para documentar fotograficamente esse evento e possibilitar o registro dessa descoberta na forma de site na Internet e a muitos outros que de uma forma ou outra se envolveram, inclusive com a cessão de informações e fotos para o site elaborado pela EFBrasil que conta um pouco da história da pequena e pitoresca ferrovia onde funcionava essa máquina na Baixada Santista (Rio Pilões).

Para Santos, resta um consolo: ainda existe uma locomotiva e um carro de passageiros envelhecendo no Parque Anilinas, em Cubatão. Lugar de locomotiva é andando em cima dos trilhos e não tem porque não haver um esforço de recuperação dessa máquina que está em Cubatão, para que possa compor nem que seja um pequeno trem turístico entre Santos e Cubatão, dentro dos esforços de revitalização do turismo e da recuperação da antiga estação ferroviária do Valongo em Santos.

Abraços
 
Marcello Tálamo

Veja mais:
Locomotivas já foram presas de guerra: a 915 de Cubatão
(e a história dessas locomotivas na Alemanha)

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