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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Locomotivas já foram presas de guerra

A história esquecida - agora resgatada - das locomotivas alemãs que o Brasil apreendeu como compensação de guerra, na Primeira Guerra Mundial

Quem vê uma pequena locomotiva e seu vagão de passageiros, expostos na Cidade da Criança (novo nome do Parque Anilinas, situado no centro de Cubatão), não imagina - mesmo porque faltam placas indicativas, e a história chegou a ser esquecida pela maioria das pessoas - a curiosíssima história que envolve esse conjunto de veículos.

A locomotiva, uma das poucas compensações de guerra ainda em condições de funcionar tomadas pelo Brasil na Primeira Guerra Mundial. O vagão, na verdade um bonde originalmente puxado por burros na cidade de Santos. A locomotiva cubatense quase foi parar no Parque Ecológico do Tietê, na capital paulista, como relatou esta matéria publicada pelo jornal santista A Tribuna, em 23 de janeiro de 1982:

Secretaria devolve para Cubatão antiga locomotiva

A antiga locomotiva que escoava a produção econômica de Cubatão, ligando o Centro a Itutinga, e que havia sido cedida à Secretaria de Obras e Meio-Ambiente do Estado para uso exclusivo do Parque Ecológico do Tietê, será devolvida ao município. A informação foi dada ontem pelo prefeito Soares Campos, que recebeu ofício daquela pasta estadual, relatando que não mais seria feita a permuta combinada entre a Prefeitura e a Secretaria do Meio-Ambiente, pela qual a antiga locomotiva ficaria no Parque Tietê e uma outra seria enviada a Cubatão, para ficar na área de lazer do Parque Anilinas.

Em julho do ano passado, quando o prefeito anunciou que a locomotiva marca Henchel & Sohm, prefixo 915, fabricada em 1916, seria reformada e cedida ao Parque Ecológico do Tietê, alguns vereadores oposicionistas criticaram a idéia da Prefeitura, por acreditarem que essa máquina não poderia ser substituída por outra, já que representava, especificamente, uma parte da história de Cubatão.

Ontem, ao informar sobre a decisão da Secretaria do Meio-Ambiente, Soares Campos acabou por concordar com essa tese, afirmando: "Estamos contentes com a devolução, porque trata-se da locomotiva original e que, de certa forma representa uma parte da história e um complemento de um trabalho de preservação dessa história".

No ano passado, a Secretaria de Obras e Meio-Ambiente pedia a locomotiva antiga, afirmando que poderia voltar a funcionar, se reparada, e com isso viabilizaria a implantação de uma ferrovia turística no Parque Ecológico do Tietê. E que uma similar substituiria perfeitamente aquela, para ficar estática no Parque Anilinas. No ofício divulgado ontem, aquela pasta estadual informava que dadas as dificuldades e altos custos para a reforma da velha locomotiva e ainda, os problemas para o envio da similar, decidiu-se por desfazer o acordo.

A locomotiva, que vai voltar para Cubatão, fabricada em 1916, além de ter servido ao município, tem outro fato curioso: a máquina foi presa de guerra em 1918. Essa locomotiva tem um dispositivo especial na sua chaminé, que não permite o lançamento de brasas e fumaça, daí o interesse inicial da Secretaria de Obras em utilizá-la no Parque Ecológico do Tietê.

Outra locomotiva, gêmea desta de Cubatão, chegou a parar num depósito de ferro-velho em Santos, sendo salva do desmonte por um grupo de pesquisadores. E a terceira do lote apreendido no porto santista foi destruída quando da explosão do gasômetro de Santos, em 1967.

Essas histórias começaram a ser resgatadas por pesquisadores como Marcello Tálamo, do site Trilhos na Serra (associado à organização virtual de preservação ferroviária EFBrasil), que cedeu a Novo Milênio o uso desse raro material:


Foto de Kelso Medici da locomotiva 915 exposta na Cidade da Criança, em Cubatão, em 1994
Foto: site Trilhos na Serra

A história da locomotiva 915 da City

A história dessa locomotiva no Brasil, bem como de sua irmã, a Henschel 811 que se encontra em Santos, é bastante fragmentada, devido à escassez de informações. De acordo com o pesquisador de assuntos ferroviários Nicholas Burmann, essa locomotiva, assim como a 811, pertenciam ao exército alemão e estavam em um navio que se dirigia às colônias alemãs na África. Porém, ao aportar no Brasil para abastecimento e carregamento de cargas por volta de outubro de 1917, o navio foi retido pelo governo brasileiro como "presa de guerra", uma vez que em 27 de outubro de 1917 o Brasil entrou no conflito.

A reforçar essa tese, temos registros de que "...quando foi firmado o Tratado de Versalhes, pelo qual a Alemanha era obrigada a indenizar o Brasil pelo café destruído nos ataques a nossos navios. O governo brasileiro, por sua vez, pôde pagar por preços antigos as embarcações alemãs apreendidas em nossos portos.." (fonte http://novaescola.abril.com.br/ed/109_fev98/html/novembro.htm).

O carro de passageiros exposto em Cubatão era um antigo reboque de bonde a burro de Santos
Foto: Júlio César Paiva, em 1/5/2003, do site Trilhos na Serra

Portanto, de acordo com o apurado, um navio alemão teria sido apreendido no Brasil vendidos como presa de guerra, junto com sua carga, que incluía 2 a 3 locomotivas do exército alemão, de numerações 811, 915 e uma terceira desconhecida, que explodiu quando da explosão do Gasômetro em Santos, além de uma grande carga de trilhos e equipamentos ferroviários destinados a linhas ferroviárias de bitola estreita nas colônias alemãs na África.

Essas locomotivas então teriam sido leiloadas ou vendidas para a Cia City of Improvements de Santos, que as alocou para o serviço na linha de Pilões, servindo a Usina e a fábrica de Papel. Essas locomotivas entraram em ação nas mesmas condições em que foram apresadas, ou seja, com a numeração original do exército alemão.


Vista lateral direita da locomotiva 915, estando ainda preservadas a placa e a numeração original do Exército Alemão. A condição da chaparia e dos  rebites era muito boa na ocasião
Foto: Marcello Tálamo, em 2001, do site Trilhos na Serra

Durante muitos anos essas locomotivas prestaram excelentes serviços, até que a ruptura de uma barragem da usina hidrelétrica causou a destruição das pontes ferroviárias da ferrovia, inviabilizando-a e fazendo com que essas locomotivas fossem encostadas em diversos locais durante alguns anos, até que negociações políticas fizeram com que as mesmas fossem transformadas em monumentos municipais em Santos (Conjunto Poliesportivo Constâncio Vaz Guimarães) e em Cubatão (Parque Anilinas).

Painel de instrumentos da locomotiva 915 exposta em Cubatão
Foto: Marcello Tálamo, em 2001, do site Trilhos na Serra

Nesses locais, as máquinas foram documentadas em 1994 pelo pesquisador Kelso Medici para sua página Web sobre locomotivas a vapor preservadas em São Paulo (seções Santos e Cubatão), estando ambas em bom estado. Porém, por não serem máquinas de bitola compatível com a esmagadora maioria dos equipamentos ferroviários nacionais, que normalmente utilizam as bitolas de 1,00 e 1,60 metro, o foco na sua preservação não foi tão intenso, pois a prioridade é a recuperação de materiais que possam vir a circular em linhas férreas, tracionando composições de época nas iniciativas dinâmicas de preservação que temos em São Paulo, com destaque para a ABPF-Campinas e São Paulo.

No caso da 915, sua preservação em local coberto em Cubatão, no parque Anilinas, reveste-se de interesse especial, porque embora esteja bastante desfalcada de seus acessórios, a estrutura geral apresenta-se relativamente livre da corrosão e engatado a ela está um dos seus carros de passageiros original, oriundo dos antigos bondes tracionados a burro de Santos.

Os pesquisadores Marcello Tálamo (E) e Sérgio Mártire (D), numa das periódicas vistorias à locomotiva alemã Henschel 915 exposta em Cubatão
Foto: Júlio César Paiva, em 1/5/2003, do site Trilhos na Serra

Periodicamente realizamos inspeções ao local para verificar o estado de conservação dessa locomotiva e gestões junto aos órgãos Municipais para tentar colocá-la novamente em ordem de marcha em alguma linha turística, a exemplo do bonde de Santos.

Placa da locomotiva exposta em Cubatão, comprovando sua origem
Foto: Júlio César Paiva, em 1/5/2003, do site Trilhos na Serra

As Brigadelokomotiven do exército alemão na Primeira Guerra Mundial

Locomotiva 308 em Rojen, na Letônia, na primavera européia de 1916
Foto: site Heeresfeldbahn, da Alemanha 

A foto acima mostra uma das Brigadelokomotiven (locomotivas de brigada) do exército alemão (a de prefixo 308) em ação na frente Russa em Rojen (Latvia ou Letônia), na primavera de 1916. Locomotivas para uso nos batalhões ferroviários dos exércitos são comuns em todo o mundo. Na Alemanha, país com tradição de possuir algumas das melhores fábricas de locomotivas do mundo, não era diferente, e o exército constantemente estava desenvolvendo locomotivas que atendessem às suas exigências bem características.

Normalmente, essas locomotivas dos batalhões de engenharia precisam ser muito robustas, ágeis e fortes, embora pequenas, pois as linhas nas quais trafegam geralmente são de bitola estreita (0,60 metro) e trilhos de perfil muito leve.

Na Alemanha, foram efetuados pelo exército testes na virada do século XIX/XX com locomotivas chamadas de gêmeas, que simplesmente eram a acoplagem de duas locos manobreiras (normalmente 0-6-0TT) pelas cabines, o que demonstrou um grande potencial. No início dos anos 1904/05, a Henschel desenvolveu o protótipo de uma locomotiva que acabou por se tornar o padrão para locomotivas das brigadas de engenharia do exército, cujas características incluíam uma rodagem D-acoplada (0-8-0T), eixos ocos Klien Lindner e a chaminé longa, estreita e com boca larga como proteção.

Esse tipo de máquina serviu muito bem no exército alemão e se tornou a sua principal locomotiva para trabalhos em todo mundo durante a Primeira Guerra Mundial, sendo construídas cerca de 2.500 unidades, inclusive por outros fabricantes, como Borsig, Linke-Hofmann, Hartmann e outras, de 1905 a 1919.

Pela sua robustez e durabilidade, são uma das classes de locomotivas que ainda se encontram em maior quantidade em diversos países do mundo, e são restauradas por museus, associações e clubes, para exibição ou para tracionar composições, retornando à vida.

Locomotiva 224 da brigada HF 224, próximo a Berlim, na Primeira Guerra Mundial
Foto: site Heeresfeldbahn, da Alemanha 

Sistema Klien-Lindner de articulação de eixos

Corria o final dos anos 1890 e um novo século avizinhava-se. A tração a vapor já era uma realidade e estradas de ferro começavam a ligar todo o continente europeu. Enquanto as locomotivas já eram um meio de transporte seguro e rápido, as estradas de rodagem ainda eram muito irregulares e em países onde o inverno era mais rígido, transformavam-se em atoleiros e lamaçais quando do degelo, prejudicando seu tráfego, normalmente constituído de carroças de tração animal e veículos a motor rudimentares e com pouca potência para livrar-se dos atoleiros.

Dentro desse cenário, os exércitos europeus preocupavam-se muito com a mobilidade de suas tropas, de forma que davam grande importância aos seus batalhões de engenharia ferroviários, pois a eles cabia construir rapidamente as linhas de bitola estreita (0,60 m) que ligavam as linhas férreas principais aos sistemas de trincheiras que caracterizavam a prática de guerra preconizada pelos manuais da época, permitindo o abastecimento das tropas independentemente do estado das estradas de rodagem.

Assim, de acordo com as exigências do exército alemão, a necessidade principal nas locomotivas militares era que elas deveriam ser padronizadas (para fins de facilitar a manutenção), robustas e de grande poder de tração, porém capazes de trafegar em linhas construídas com trilhos de perfil leve e curvas fechadas.

Essas exigências eram padrão na maior parte dos exércitos da época, de forma que os esforços para resolver este problema foram essencialmente semelhantes em diversas forças armadas e, provavelmente, muito parecidos com os experimentos em equipamentos de 15 polegadas levados a cabo pelo barão inglês sir Arthur Heywood, entre 1880 e 1890.

Vários testes foram efetuados, cujo resultado final foi o exército alemão padronizar a rodagem 0-8-0T de 60 cm para suas locomotivas dos batalhões de engenharia, equipadas com o sistema Klien-Lindner de eixos radiais, para que pudessem ser produzidas em grandes quantidades.

Embora variassem em alguns detalhes, uma vez que foram fabricadas por mais de 11 firmas diferentes, estas locomotivas eram essencialmente muito similares e bem adaptadas para as estradas de ferro de bitola estreita e perfil de trilhos leves das frentes militares e das linhas das colônias alemãs na África, trabalhando com excelente aderência e produtividade, pois o chassis longo necessário para se acomodar os 4 eixos acoplados foi flexibilizado pela utilização do sistema Klien-Lindner nos eixos dianteiro e traseiro.

Esse sistema, o Klein-Lindner, também conhecido como o Krauss-Lindner, acabou por se mostrar bastante eficiente para permitir que máquinas com rodagem 0-8-0T (que garantiam bom esforço de tração e aderência) se inscrevessem facilmente no perfil das linhas militares acima descrito.

Basicamente, o sistema se compõe de eixos interligados através de um pivô central, que proporcionam um certo jogo lateral nas rodas acopladas nas extremidades e foi o sistema-padrão para as locomotivas 0-8-0 T do exército alemão.

Nesse sistema, os dois eixos das rodas interiores (2 e 3 na figura abaixo) são rígidos e fixados de forma normal no truque. Cada um dos eixos exteriores (1 e 4 na figura) possui uma espécie de caixa satélite central que permite um certo jogo desse eixo no truque e uma manga exterior maior (eixo oco), onde são fixadas barras que unem os truques através de juntas universais que proporcionam alguma flexibilidade aos eixos, bem como fazem com que o alinhamento seja mantido durante as operações.

Algumas máquinas foram fabricadas com a chaminé alta no formato de panela para evitar as faíscas (vide desenho artístico acima). Uma locomotiva 0-8-0T típica tinha 2 cilindros com diâmetro de 240 milímetros, uma pressão da caldeira de 215 lb/sq e peso em ordem de marcha de quase 12,5 toneladas. O diâmetro das rodas acopladas era de 590 milímetros e a base total de 2260 mm, embora a base rígida fosse de apenas 790 mm.

Veja mais:
Locomotivas já foram presas de guerra: Santos

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