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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Clubes
A.A. Portuguesa (4)

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No dia 23 de novembro de 1952, o jornal santista A Tribuna publicou:
 


Imagem: reprodução parcial da matéria original

ASSIM NASCEU UM CLUBE
Como foi fundada a A.A.Portuguesa

Alinharam-se 25 cadeiras, mas só compareceram 13 pessoas... - Num prédio, o de n. 344, da atual Rua Joaquim Távora – A abnegação sem limites de um punhado de idealistas – Da época das lutas ao período de ascensão – Valiosos depoimentos dos srs. Manoel Lopes Novo e Fortunato Dantas

Ali perto da pedreira do Contorno, no lugar chamado Jabaquara, existia um campo de futebol. E quase todas as tardes um bando de rapazes pertencentes ao Espanha F. Clube se entregava ao prazer de uma partida ou se aprimorava, para futuras lutas, em animados ensaios que se prolongavam até muito além da boca da noite.

Os que trabalhavam na pedreira, em sua maioria cidadãos portugueses, quando transitavam por ali perto do campo, não se fartavam de olhar aquela moçada, alegre e feliz, que se adestrava nas lides da pelota.

Um salão de barbeiro – Uma idéia, então, começou a tomar corpo dentro do cérebro dos que viam, com olhos compridos, aquele constante saltitar de bola no campo do Espanha F. Clube, que se estendia para os lados da "Casa Branca", onde faz ponto final, agora, o bonde da linha "16".

- "E que idéia é essa que vocês têm na cabeça?" - indagou, certa vez, o Alexandre Coelho, dono do salão de barbeiro que existia à Rua dr. Manoel Carvalhal (hoje Rua Joaquim Távora) n. 344.

Era ali no "salão do Alexandre" que se reunia, todo o anoitecer, um grande número de canteiros das Docas.

- "Que idéia é essa que vocês têm?" - tornou a perguntar o Alexandre Coelho.

- "Bem, a idéia é a formação de um clube. Um clube de futebol" - disse o Lino do Carmo.

- "Clube de futebol?" - indagou, espantado, suspendendo a raspagem da navalha no rosto do freguês, o Alexandre Coelho.

- "Sim, um clube de futebol!" - respondeu o Lino do Carmo.

E argumentou:

- "O Espanha já aí está há três anos formando entre os grêmios santistas. Em S. Paulo e no Rio cresce, cada vez mais, o futebol. E não se fundou em todo o Brasil, até agora, uma agremiação que faça recordar Portugal. Aqui em Santos há o Lusitano; no Rio, o Vasco da Gama, mas com uma denominação que lembre Portugal, nenhum!"

Lino do Carmo parou de falar. Fez-se então, um prolongado silêncio na barbearia do Coelho. Só se escutava o ruído das navalhas, cantando, com a sua voz de aço, a música da morte aos fios de barba...

Ali estavam, também, sentados nas cadeiras de espera, os que pensavam como o Lino do Carmo.

Quem quebrou o silêncio foi o Manoel Ribeiro. Achou que a idéia era excelente, e que se fundasse o Clube de Portugal.

- "Futebol Clube Portugal!" - lembraram outros.

Mas o Lino do Carmo, o Antonio Peixoto, o Albino Marques, explicaram que o nome do clube já havia sido combinado lá na pedreira:

- "Deveremos chamá-lo Associação Atlética Portuguesa. É um nome que calha melhor. Seria demasiado querermos usar o nome de Portugal. Associação Atlética fica muito bem. E diz tudo o que pretendemos: - uma 'associação' que seja 'atlética' e que tenha o nome da pátria 'portuguesa'".

- "Pois fundemos o clube!"

- "Onde?"

- "Aqui! Aqui mesmo!"

- "Quando?"

- "Já! Agora. Neste momento!"

Mas Lino do Carmo lembrou que faltavam alguns dos idealizadores. Ponderou que não seria justo que se concretizasse uma idéia na ausência de quem tanto a ajudara a ser levada avante.

- "Pois que seja amanhã!"

- "Combinado! Amanhã! Então, todos aqui, amanhã, às 8 horas da noite".

E o Alexandre Coelho ficou tão comovido com aquele acontecimento que se desenrolou em seu salão, que as suas mãos tremeram. E pela primeira vez em sua profissão de barbeiro, um freguês por ele servido teve que se utilizar do pó de arroz para fazer estancar o sangue de um corte surgido em seu queixo...

Mas o Alexandre Coelho nem se deu conta do corte que fizera, nem o freguês ligou importância ao acidente, porque para eles um fato de transcendental importância acabara de ser decidido: - a fundação, no dia seguinte, da A. A. Portuguesa.

20 de novembro de 1917 – O dia seguinte era 20 de novembro de 1917. Terça-feira. Contra seus hábitos, o Coelho fechou as portas das barbearia às 6 horas. E pôs-se a arrumar o salão. As cadeiras ele as retirou de junto da parede para o meio do estabelecimento. E foram ficando em fila, como nos teatros, como nos cinemas. Coelho contou as cadeiras: 15.

- "15 são poucas. Muito poucas. Precisamos 25, no mínimo".

E mandou vir bancos lá de dentro. Depois deu uma varridela em regra, passou um pano seco pelos espelhos, colocou frente às cadeiras a mesa das revistas sobre o estrado que ficava junto ao lavatório, e ia arrancar da parede umas gravuras velhas, amareladas pelo tempo, quando bateram à porta.

Era o Lino do Carmo que chegava. E os outros foram chegando também. Todos com roupa de domingo. Todos solenes. Todos compenetrados da grandiosidade do ato.

Soaram as 8 horas. Alexandre Coelho contou os presentes: - 9! E ele que esperava, no mínimo, 25!... Mas vieram chegando outros, os retardatários: 10, 11, 12...

Oito e meia. Fez-se nova verificação: 14.

- "Pois vamos dar início à reunião" - falou o Manoel Tavares.

Avelino de Carvalho tomou a direção dos trabalhos. E procedeu à chamada pelo livro de presença. Ali estavam os srs. Bento Ribeiro, Antonio Peixoto, Avelino de Carvalho, José de Melo, Albino Marques, Serafim de Almeida, Maximino Campos, Manoel Ribeiro, Manoel Tavares, Casimiro Leitão, Abel Rabelo, Luiz Fernandes, Antonio Almeida e Alexandre Coelho.

Ao todo, 14.

E às 8 horas e 45 minutos da noite, a 20 de novembro de 1917, no prédio que hoje ainda tem a mesma numeração de há 35 anos passados – 344 – era fundada nesta cidade a A. A. Portuguesa. Para presidente foi eleito Lino do Carmo.


Os srs. Manoel Lopes Novo e Fortunato Dantas recordam, 
para a A Tribuna, os primórdios da A.A. Portuguesa
Foto e legenda publicadas com a matéria

Dois depoimentos valiosos – Os primeiros tempos da agremiação rubro-verde foram terrivelmente árduos. Muita luta foi preciso ter para levar adiante o ideal.

A Tribuna esteve em contato com duas pessoas perfeitamente autorizadas a relembrar a fundação da A. A. Portuguesa. São elas o sr. Manoel Lopes Novo, que foi o 2º. Presidente (1919), e Fortunato Dantas, benemérito, várias vezes campeão pelo referido clube.

Ambos puseram em destaque a tenacidade daquele pugilo de idealistas. O sr. Lopes Novo possuía um empório na Rua dr. Manoel Carvalhal, próximo à pedreira, e que era diariamente freqüentado pelos fundadores, ao passo que o sr. Fortunato Dantas com eles trabalhava na cantaria.

- "A idéia da fundação foi bem acolhida. Tanto que dos 14 que tomaram parte na reunião inicial o número de sócios considerados fundadores aumentou para 50. O preço da mensalidade era de 2 mil réis (dois cruzeiros) e não havia reunião em que não surgisse boa quantidade de propostas. Mas... e o campo?

"Aí é que estava o drama. O local escolhido foi esse mesmo em que hoje lá se encontra o campo. Mas havia muita pedra. E era preciso remove-la. Pois sabem o que faziam os idealizadores da Portuguesa? Mal acabavam o trabalho, trabalho rude, cansativo, na pedreira, ao invés de rumar para casa, em busca de um descanso reparador, caminhavam, corriam para o futuro campo, a remover aquele monte de pedras, a estourar dinamite que eles próprios compravam, sabe lá Deus com que sacrifício. E isso era todo o dia, chovesse ou fizesse sol. Até na hora do almoço, os minutos eram aproveitados. E aos domingos, lá estavam todos a trabalhar para o aperfeiçoamento do campo.

"Eram, todos, homens do trabalho. A maioria não sabia ler nem escrever. O tesoureiro, o Bento Ribeiro, homem corretíssimo, não sabia nem assinar o seu nome. Foi preciso mandar fazer um carimbo com o seu nome em letra de forma, para servir de assinatura. Mas é a essa gente, gente que colocou a alma, o coração, o espírito, o corpo, o devotamento, tudo, enfim, a serviço de um ideal, que a A. A. Portuguesa deve a sua fundação e o renome que conseguiu atingir no desporto paulista e brasileiro".

Primeiros passos – Manoel Lopes Novo e Fortunato Dantas descrevem o que foi a caminhada inicial da Portuguesa. Relembram a festa que se constituiu para todos, aquela manhã em que, justamente no local onde se encontra, agora, o portão principal, foi colocada uma tabuleta com o nome da A. A. Portuguesa. Muito verdasco (N.E.: vinho novo, verde e muito ácido) se bebeu, naquele domingo, por causa da tabuleta.

Depois veio a escolha do uniforme. Adotou-se as cores verde e vermelho. O sr. Afonso Baraçal propôs, e foi aprovado, que na blusa do goleiro fossem colocadas as armas portuguesas. O clube mandou fazer as camisas, mas como não havia dinheiro em caixa, os jogadores é que deveriam pagá-las, até que "a nossa associação o possa fazê-lo" - dizia uma carta explicativa a cada jogador. Mas pôde pagar logo.

O clube foi subindo. Os irmãos Pereira Carvalho – Alcino, David, Clidio e João – deram sua mão forte. O quadro associativo foi aumentando. A presidência do sr. Lopes Novo marcou-se por vários fatos de grande relevo, tais como fixação do clube em nova sede, à Rua do Rosário (João Pessoa) n. 27, a construção de uma arquibancada, a mais ampla e confortável da cidade, a bênção da primeira bandeira, de que foi madrinha a filha do sr. Serafim Marques, administrador da pedreira da Docas, e uma das figuras mais expressivas na fase inicial do clube.

Tudo isso em 1919. Depois, a equipe de futebol foi se tornando notável. Veio a presidência Manoel Mariano, também muito fecunda. Alberto de Carvalho começou a aparecer.

Surgiu o primeiro título – campeão da 2ª Divisão, em 1920 – com a conquista da taça, o primeiro troféu oficial, "A Leoneza". Colheu a Portuguesa a primeira braçada de glórias: - a conquista do título de campeão da cidade em 1923. E em 1924, nova e ruidosa obtenção do campeonato citadino, e desta vez, nos 1º, 2ºs e 3ºs quadros.

E eles concluíram assim - "Depois daqueles dois vistosos feitos, em 1923 e 1924, tudo passou a ser mais fácil. Tivemos grandes beneméritos. Contamos com a boa vontade do nosso quadro associativo. E o patrimônio agora aí está, como prova eloqüente de que a Associação Atlética Portuguesa pode e deve sr considerada como um dos grandes clubes desportivos de S. Paulo e do Brasil".

A semente e o fruto – Já vai longe, muito longe, aquele dia 20 de novembro de 1917, quando no velho salão e barbeiro um sonho, nascido junto a uma pedreira, passou a se transformar em realidade.

Tudo, então, era idealismo puro. Idealismo que gerava tão grande apego ao que se chamava, naquela época, de esportivismo, que a página n. 23 do 1º livro de atas das reuniões da A. A. Portuguesa lá está, no dia 16 de agosto de 1918,  suspensão imposta ao associado Vicente Morgado, por haver chutado a bola, durante o jogo, na barriga do goleiro Antonio Gomes, e 30 dias, também, ao sr. Antonio Gomes, por haver tomado a atitude de revidar a bolada na barriga com um par de sopapos.

Eram assim os idealistas de 20 de novembro de 1917. Hoje, o materialismo em que se chafurda o mundo, modificou um pouco o aspecto dos seres e das coisas. Mas a aspiração que foi atingida naquela noite, há 35 anos passados, e que fez tremer de emoção as mãos até então serenas do barbeiro Alexandre Coelho continua, sem dúvida, a ser o mesmo de sempre: - conduzir para o alto, para a frente, a A. A. Portuguesa!


UM DOCUMENTO RARO E PRECIOSO – A ata da fundação da A. A. Portuguesa, onde se lê: - "A Acta da 1.a Assemblea Geral da Fundação da Associação Athletica Portugueza – Aos 20 dias do mez de Novembro do anno de 1917, nesta cidade de Santos, às 8 horas da noite realizou-se uma Assemblea para a fundação do Club acima, presentes os seguintes senhores: Avelino de Carvalho, Bento Ribeiro, Antonio Peixoto, José de Mello, Albino Marques, Seraphim de Almeida, Maximinio Campos, Manoel Ribeiro, Manoel Tavares, Casemiro Leitão, Abel Rabello, Luiz Fernandes, Antinio de Almeida. - Por proposta do Snr. José de Mello foi nomeado o Snr. Lino do Carmo para Presidente, sendo approvado. Por proposta do Snr. Avelino de Carvalho foi nomeado o Snr. Bento Ribeiro para Thesoureiro, sendo approvado. Por proposta do Snr. Avelino de Carvalho foi nomeado o Snr. Manoel Ribeiro para Secretario, sendo approvado. Por proposta do Snr. Bento Ribeiro foi nomeado o Snr. Albino Marques para 2.o Thesoureiro, sendo approvado. Por proposta do Snr. Maximinio Campos foi nomeado o Snr. José de Mello para vice-presidente, sendo approvado. Por proposta do Snr. Bento Ribeiro o Snr. Antonio Peixoto para 2.o Secretario, approvado – Nada mais havendo a tratar foi encerrada a sessão às 21 horas. O Presidente interino, Avelino de Carvalho – O Secretario interino, Alvaro Marques."
Imagem e legenda publicadas com a matéria