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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - TECON (6)
Um ramal ferroviário chega às instalações

Ferrovia entre as duas margens do porto foi inaugurada com o Tecon

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No dia 1º de setembro de 1981, no caderno semanal Marinha Mercante em Todo o Mundo, publicado no jornal O Estado de São Paulo, o editor de Novo Milênio registrava a inauguração do Terminal de Conteineres da Margem Esquerda do Porto de Santos (Tecon), ocorrida no domingo anterior, 30/8/1981, incluindo este artigo do colaborador Amaury César:

Figueiredo chega, acompanhado de Eliseu Resende e Maluf
Foto publicada com a matéria

O trem na Margem Esquerda

Amaury César (*)

Remanescente do II PND, onde conquistou prioridades iguais às da Ferrovia do Aço, o Ramal de Conceiçãozinha levou os trens da Rede Ferroviária Federal e da Fepasa à Margem Esquerda do Estuário, atendendo assim às necessidades da ampliação do Porto de Santos.

Experimentalmente, está operando desde 1979, mas só agora, com a visita do presidente Figueiredo e do ministro Eliseu Resende, dos Transportes, foi acionado oficialmente, em conjunto com o Terminal de Conteineres. São 25,2 quilômetros de linhas, implantadas a partir de Piaçagüera (Cubatão), atravessando densas áreas de mangue e terrenos brejosos - entre a Serra (e o Vale) do Quilombo e a Ilha de Barnabé - e avançando mais para o Sul, cruzando o Canal de Bertioga, onde foi construída uma ponte metálica de 1.546 metros de comprimento e vão central móvel, a maior do gênero do Hemisfério Sul.

No todo, o volume de serviços executados durante as obras impressiona pelos números: 1,2 milhão de metros quadrados de desmatamento, 1,8 milhão de metros cúbicos de escavação e transporte de materiais, 89,4 mil metros cúbicos de escavação em rochas (Túnel do Morro das Neves), 288 mil 750 metros cúbicos de aterro hidráulico, 1,2 milhão de metros cúbicos de aterro arenoso, 550 mil metros cúbicos de dragagem, 920 mil metros de drenos verticais de areia, 178 mil 850 metros de enrocamento, 311 mil metros quadrados de revestimento com gramíneas, 8,3 mil metros cúbicos de concreto estrutural, 25 mil 750 metros quadrados de formas de madeira, 40 mil metros cúbicos de sub-lastro e 820 toneladas de aço.

No contexto - A estrada de ferro sempre exerceu, no passado, uma sensível influência na região portuária de Santos. Foi uma pequena ferrovia da Cia. Docas de Santos, ex-administradora do porto santista, que transportou o aterro necessário à ampliação do primitivo cais do Paquetá, estendendo-o até a Mortona e depois, com a recuperação de novas áreas pantanosas, até a Ponta da Praia, simultaneamente à ampliação do paredão acostável até o Valongo.

Uma outra ferrovia, a extinta São Paulo Railway (SPR), posteriormente encampada pelo Governo Federal, foi a responsável pelo transporte do café em sua época áurea de exportação, desde as ricas zonas produtoras do interior de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, até o Porto de Santos, cujo centro urbano nasceu e cresceu em função do movimento dos passageiros que viajavam diariamente ao Planalto, desembarcando na então imponente estação do Largo Marquês de Monte Alegre, realizando nas imediações da gare ferroviária seus grandes negócios medidos em contos de réis.

Se, visto pelo prisma econômico, o Ramal de Conceiçãozinha é mais um elo da participação ferroviária no desenvolvimento da região, completando no acompanhamento do cais uma perfeita ferradura, que começa na Ponta da Praia, alcança Cubatão na curva do U e estende-se agora até Guarujá, exatamente no lado oposto do ponto inicial, com as águas do Estuário e os navios como separação entre ambos. Em Cubatão, a ferrovia se bifurca, subindo a Serra de Paranapiacaba nas rodas dentadas da cremalheira, ou derivando à esquerda, rumo às ricas jazidas minerais do Vale do Ribeira.

Obra de fôlego - Até dezembro de 1979, quando os primeiros trens experimentais alcançaram a área de Conceiçãozinha, haviam sido gastos na obra Cr$ 2 bilhões e 350 milhões, sendo 29,17% investidos pela Portobrás, 54,17% pela Rede Ferroviária Federal e 16,66% pelo BIRD. Acrescentem-se a esse custo as obras do pátio construído em Conceiçãozinha, onde foi instalada uma balança ferroviária automática para 142 toneladas, para pesagem dos fertilizantes a granel provenientes do terminal que ali funciona. Só no pátio há 3,2 quilômetros de linhas com o terceiro trilho, para trens de 1 metro e 1,6 metro de bitola.

Junto aos seis armazéns de fertilizantes, foram implantadas linhas que totalizam quatro quilômetros, além dos quase quatro quilômetros de linhas internas no recém-inaugurado Terminal de Conteineres.

Na projeção do Ramal da Margem Esquerda foram considerados o Terminal de Fertilizantes, que deve a curto prazo movimentar por estrada de ferro cerca de dois milhões de toneladas anuais, e o Terminal de Conteineres, que deve absorver, numa primeira fase de operações, 50% dos 110 mil cofres-de-carga a serem movimentados via Santos em 1982.

Para atender a essa demanda de transporte, o Ramal de Conceiçãozinha foi planejado e construído com um superdimensionamento das estruturas, observando, apesar do terreno acidentado, rampas máximas de 1,3% e raios mínimos de curva de 286 metros, o que permite uma velocidade de segurança de até 60 quilômetros horários nos trens, considerada pela Engenharia Ferroviária como excedente, por se tratar de um leito destinado apenas às cargas.

Tecnologia - Na fase de implantação do leito ferroviário, a construtora responsável enfrentou alguns desafios tecnológicos, um dos quais na perfuração de um túnel no Morro das Neves, com 981 metros de extensão, onde o terreno se mostrava heterogêneo de metro em metro de escavação.

Para ganhar tempo, foram abertas duas frentes de trabalho simultâneas, que se encontraram no 456º dia de operações. Ali o trabalho foi tão complexo que exigiu reuniões diárias dos engenheiros responsáveis, para planejar a atividade setorial que seria desenvolvida nas 24 horas seguintes, empregando sistemas e técnicas diferenciados do dia anterior, pois ninguém sabia o que ia encontrar no metro seguinte da perfuração.

Nos mangues desbravados inicialmente por pás e picaretas - pois não era possível a penetração de um simples caminhão-basculante de aterro -, foram experimentadas algumas técnicas que não deram os resultados esperados, inclusive o emprego de uma draga, de produtividade quase zero.

O sistema de aterro por adensamento, que mais se aproximou do ideal, acabou prevalecendo, embora com dificuldades desanimadoras em alguns pontos, devido ao acelerado recalque, que consumia em cinco dias de compactação o equivalente ao nivelamento de um mês, ou 30 metros cúbicos de argila de boa qualidade em um metro quadrado de mangue.

Por suas características, a travessia do Canal de Bertioga exigiu um projeto e contrato de construção separados do restante. A ponte tem vãos de 50 metros cada um, e mais um vão central móvel de 46 metros, que sobe 10 metros em relação à parte fixa. Com isso, permite a passagem de barcos com até 14 metros de altura sobre o maior preamar registrado nos últimos 25 anos naquela área. Um sistema eletromecânico aciona, de forma rápida, a parte elevadiça, completando toda a operação em quatro minutos, ou oito minutos no restabelecimento do tráfego ferroviário.

A meso-estrutura da ponte, onde foram assentados a bitola mista e o terceiro trilho, foi toda construída em aço tipo 52 de formato trapezoidal, recebendo aditivos externos de cobre e titânio para evitar a corrosão. As fundações, semelhantes às da Ponte Rio-Niterói, foram feitas com estacas metálicas, porém recebendo um revestimento anticorrosivo.

Além do Túnel do Morro das Neves e da Ponte do Canal de Bertioga, a construção do Ramal de Conceiçãozinha exigiu a construção de algumas pequenas pontes, num total de 366 metros lineares de concreto, substituindo no projeto original pontes que totalizavam mais de 1.400 metros lineares. Isso se tornou possível porque durante o desenvolvimento dos trabalhos foi idealizada a conveniência da retificação de pequenos cursos dos rios da região, unindo-os dois a dois, o que certamente encareceu os custos, mas por outro lado saneou vasta área, livrando-a das enchentes periódicas.

Entre Conceiçãozinha e Bertioga, o leito ferroviário foi assentado praticamente em terrenos já urbanizados, atravessando bairros populosos de Vicente de Carvalho (um distrito de Guarujá), cujos moradores, em princípio, não aceitavam a presença do trem: à noite, carregavam para suas pequenas moradias todo o aterro depositado pelos operários durante o dia, desaparecendo também com dormentes e trilhos.

(*) Amaury César, jornalista profissional, é membro do Colégio Brasileiro de Prevenção de Acidentes Rodoviários, e colabora periodicamente com esta seção, no setor de Transportes Terrestres.

Nota: PND é sigla de Plano Nacional de Desenvolvimento, tipo de estudo que traçava as metas centrais para o desenvolvimento da economia nacional por alguns anos (quatro a seis, geralmente), durante o período da ditadura militar, norteando os investimentos a serem feitos.


Divulgação publicitária da Portobrás
Publicada em Marinha Mercante/OESP de 1/9/1981

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