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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE!
As primeiras greves santistas (1905)

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Os movimentos trabalhistas em Santos marcaram época, em diversas oportunidades, tanto pelo pioneirismo como pela intensidade e frequência, pelas metas inovadoras e pelo alcance popular. Essas ações foram registradas pela imprensa em diversas oportunidades, como em 16 de junho de 1905, quando o jornal paulistano O Estado de São Paulo registrou, em sua página 4 (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nas transcrições nesta página):


Imagem: reprodução parcial da pág. 4 de O Estado de São Paulo de 16/6/1905 (Acervo Estadão)

DECLARAÇÕES

São Paulo Railway Company

CARGAS COM DESTINO A SANTOS

Estando interrompida a retirada de cargas da estação de Santos em consequência da greve dos carroceiros e pessoal das Docas, faço público que fica suspenso o recebimento de cargas para aquele destino até segundo aviso.

Superintendência, S. Paulo, 14 de junho de 1905 - William Speers, superintendente.

Na mesma edição, esse jornal noticiou, em sua página 2 (Acervo Digital Estadão):


Imagem: reprodução parcial da pág. 2 de O Estado de São Paulo de 16/6/1905 (Acervo Estadão)

Notícias diversas

A greve em Santos

Continua a greve em Santos.

Durante o dia, o sr. dr. Meirelles Reis, chefe de polícia, esteve repetidas vezes em comunicação, pelo telefone, com o delegado de Santos, tratando do movimento, e, assim, s. exa. obteve todas as informações do que se estava passando naquela cidade.

Os barbeiros, os engraxates, o pessoal do matadouro e da companhia de bondes aderiram à parede, ficando assim paralisado todo o serviço daquela cidade.

A ordem ainda não foi alterada, apenas se têm registrado ocorrências de pequena importância.

O delegado de Santos recebeu instruções do sr. dr. Meirelles Reis para atender a todos os pedidos que lhe forem feitos de garantias.

Depois de 2 horas da tarde, o sr. dr. chefe de polícia recebeu o seguinte despacho telegráfico, expedido pela Associação Comercial de Santos com nota de urgente:

"Exmo. sr. dr. chefe de polícia - A continuação da greve nesta cidade, que hoje se estendeu a todas as classes trabalhadoras, começa a causar graves prejuízos ao nosso comércio e sérias apreensões ao espírito conservador da nossa praça. Sendo urgente o restabelecimento do trabalho para evitar maiores prejuízos, esta Associação Comercial julga indispensável a presença de v. exa. aqui, a fim de providenciar com alta autoridade de que v. exa. está dignamente investido.

"Aguardamos resposta de v. exa.. Cordiais saudações - Pela diretoria, Frederico Junqueira, vice-presidente; A. S. de Azevedo Junior, primeiro secretário".

Em resposta, o sr. dr. Meirelles Reis expediu o seguinte telegrama:

"Recebi telegrama e cabe-me dizer que todas as providências necessárias para manter a ordem pública têm sido dadas, com garantias para todos que quiserem trabalhar. Quanto ao restabelecimento geral do trabalho, parece-me que essa associação deve concorrer com os seus bons ofícios, entendendo-se com os interessados para terminar a greve".

Com destino a Santos seguiu ontem um contingente do 24º batalhão do Exército sob o comando de um alferes que aqui chegou ontem pelo noturno.

Segundo consta nesta capital, aquela força, ao desembarcar, foi vaiada por um grupo de grevistas.

O corpo de bombeiros tem prestado muitos serviços, fazendo o transporte de malas do correio.

Hoje haverá uma reunião convocada para tratar de um acordo com os grevistas.

Os operários serão representados nessa reunião por seu procurador, e bem assim a Associação Comercial e a Companhia Docas.

Diversos despachos telegráficos recebeu o sr. dr. Meirelles Reis durante a nonite, e depois das 10 horas veio um pedindo mais força.

O sr. coronel Argemiro Sampaio, comandante da força pública, de acordo com instruções recebidas, expediu ordens para que se preparasse uma força de 50 praças, a qual deveria partir em trem especial.

À 1 hora da manhã de hoje a força seguiu, sob o comando do capitão João Lopes de Camargo.

O sr. dr. chefe de polícia permaneceu em seu gabinete até muito tarde, e providenciou para que ali permanecesse durante todo o resto da noite uma ordenança, a fim de atender ao telefone da linha direta de Santos.

Ao embarque da força estiveram na gare da Luz o sr. dr. chefe de polícia, o comandante da força pública e o quarto delegado.

- Do nosso colega O Jornal, de Santos, transcrevemos a seguinte notícia sobre a greve naquela cidade:

"Ainda ontem se conservaram em greve os trabalhadores do porto.

"Na madrugada de ontem choveu torrencialmente, de modo que pelas ruas só se viam raríssimos transeuntes e as patrulhas de infantaria e cavalaria.

"A força desembarcada do Tamandaré foi rendida, continuando, porém, no comando, o tenente Dias Vieira.

"Ao meio dia substituiu este oficial o tenente Eulino Cardoso, tendo por subalterno o guarda-marinha Eugenio de Castro.

"Até a tarde a chuva não cansou de cair, e isto certamente contribuiu para diminuir o movimento da cidade. Nem mesmo nas imediações do cais havia as aglomerações da véspera.

"Pela manhã esteve em terra o sr. comandante do Tamandaré, que recebeu um ofício do vice-cônsul de Portugal, pedindo a soltura do súdito português Francisco de Almeida, estivador, que se portou ontem inconvenientemente, sendo por isso preso a bordo do cruzador Tamandaré.

"O sr. comandante respondeu dizendo que a pessoa de que se tratava já estava solta, desde pela manhã, e que o sr. vice-cônsul envidasse os seus esforços por evitar que os seus súditos se portassem [... (N. E.: trecho dilacerado no original)] Wilson Sons & Comp., que os transportara até o cais.

"Entrou também o vapor francês Amazone, que fez a descarga de malas dos passageiros pelo pessoal de bordo.

"Saíram diversos vapores deixando de levar carga, por falta de pessoal.

"A casa Theodor Wille & Comp., apesar das garantias oferecidas pela polícia, não pôde, por falta de pessoal, fazer o embarque de café no vapor alemão Prinz Waldemar. Algumas amostras dessa casa foram conduzidas para bordo, num caminhão do corpo de bombeiros.

"Às 8 horas e meia da manhã os carroceiros resolveram aderir à greve, abandonando as carroças nas respectivas cocheiras, sem darem satisfação aos seus patrões.

"Sabedor deste fato em S. Paulo, o sr. Antonio Fidelis, chefe do tráfego da S. Paulo Railway, afixou na estação de S. Paulo o seguinte aviso: 'Devido à greve dos carroceiros e pessoal das Docas, em Santos, e à consequente não retirada de cargas dos nossos armazéns, fica suspenso o recebimento de cargas para Santos, a contar de amanhã até segunda ordem'.

"O chefe do serviço de descarga dos armazéns da Ingleza, nesta cidade, avisado também desta resolução, suspendeu o serviço, ficando paralisado o movimento daquela companhia.

"O sr. chefe da estação, sabendo que alguns grevistas queriam perturbar os outros serviços que ainda estavam sendo feitos pelo respectivo pessoal, pediu garantias à polícia.

"Para ali seguiu um piquete de cavalaria sob o comando do tenente Fonseca. Algumas praças de cavalaria rondavam as ruas S. Bento e Marquez de Herval e outras estacionaram no barracão em frente ao edifício da Ingleza.

"Tendo alguns grevistas perturbado o tráfego de bondes da linha do Boqueirão, ficando o trânsito suspenso por momentos, o sr. Hugh Stanhouse, gerente dessa companhia, dirigiu-se à polícia para pedir providências.

"Logo vieram dois bondes especiais, sendo embarcadas para a Barra 24 praças municiadas. Essas praças viajaram na plataforma dos bondes, de armas embaladas, por constar que os bondes seriam atacados e virados fora da linha.

"A esse tempo, um grupo de grevistas foi à Vila Macuco, onde funciona a Companhia Santista de Tecelagem, e intimou o administrador a fazer parar o serviço.

"Comunicado, telefonicamente, o fato para o escritório,na Rua Quinze de Novembro, seguiu para a fábrica o gerente da companhia enquanto um empregado pedia garantias no quartel de polícia. Seguiram para aquele ponto seis praças de cavalaria, sob o comando do sargento Toledo.

"Aí foram presos dois indivíduos que estavam armados, querendo obrigar os operários a abandonarem o trabalho.

"Durante o dia esteve na polícia, em serviço, o sr. Mario de Oliveira Ribeiro, suplente do sr. dr. delegado. Este esteve em serviço na rua, fazendo parada no quartel da polícia.

"O sr. dr. delegado, acompanhado dos srs. major Pedro Arbues e capitão Cascudo, visitou a sede da Sociedade União Internacional dos Operários. Aí achavam-se reunidos vários sócios, inclusive alguns diretores, que foram conduzidos ao quartel de polícia, onde estiveram detidos.

"Imediatamente foi mandado imprimir em uma tipografia um boletim que, cremos, não chegou a ser distribuído, pois os pacientes foram postos logo em liberdade. Esse boletim é concebido nos seguintes termos: 'Suplemento ao jornal União dos Operarios - Ao operariado.

À uma hora da tarde o sr. dr. delegado de polícia, acompanhado de alguns oficiais de polícia e policiais, entrou em nossa sede, efetuando a prisão de alguns membros da nossa diretoria e sócios que ali se achavam.

Os nossos companheiros presos acham-se recolhidos ao quartel de polícia e em seu favor já foi requerida uma ordem de habeas-corpus, devendo eles serem apresentados amanhã, às 2 horas da tarde.

Hoje, os nossos companheiros carroceiros e empregados dos armazéns da Ingleza tornaram-se solidários com os demais, aderindo ao abandono do trabalho.

O que recomendamos, ou mesmo pedimos, aos nossos companheiros, é que se conduzam, como até aqui, com toda a calma.

Esperem convictos no ganho da causa que disputamos, mas para isso precisa ordem e respeito.

Calma e mais calma.

Santos, 14 de junho de 1905. - A Redação'.

"Quando, porém, o habeas-corpus a que se refere o boletim acima chegou às mãos do dr. delegado, s.s. informou ao sr. dr. juiz de Direito da Segunda Vara, a quem foi apresentada a petição, que na sua delegacia nada constava sobre essas prisões".

- A população esteve ameaçada de não ter hoje carne verde, porque os marchantes, receosos da falta de condução da carne do matadouro à cidade, não queriam abater as rezes.

A polícia mandou garantir o transporte, de modo que se fez regularmente a matança.

- No prédio n. 22 da Rua Aguiar de Andrade, residência do sr. Joaquim dos Santos Rodrigues, feitor geral da Companhia Docas, foi atirada uma bomba, causando vários danos.

À polícia foi dirigida uma petição, ontem à noite, pedindo vistoria no prédio.

- Em trem especial, chegou ontem, às 4 horas da tarde, uma força de 50 praças do primeiro batalhão de infantaria policial. Essa força é comandada pelo capitão Pedro Dias de Campos, que tem como subalternos o tenente BGenedicto Ayres de Moura e alferes Joaquim Lucio da Silva.

À noite o sr. capitão Campos foi à delegacia, acompanhado dos srs.  major Pedro Arbues e capitão Cascudo. Os dois primeiros retiraram-se às 9 horas para o quartel, no carro do sr. dr. delegado, ficando na polícia o sr. capitão Cascudo.

A essa hora apareceu ali um filho do sr. major Alvaro Fontes, que ia, em nome de seu pai, pedir à polícia para mandar guardar a sua residência, na Avenida Conselheiro Nébias.

Imediatamente o sr. capitão Cascudo ordenou, pelo telefone, que seguissem 6 praças de infantaria para ali ficar de sentinela.

O sr. dr. delegado está agindo, desde o começo da greve, de acordo com o dr. chefe de polícia. Esta autoridade foi quem ordenou o fechamento do clube União dos Operários. A chave está em poder do dr. delegado e o edifício guardado por duas praças municiadas.

- Pelo trem da tarde chegou a esta cidade o sr. dr. João Gogliano, advogado em S. Paulo, que veio tratar dos interesses dos operários. S. s. esteve à noite na delegacia da polícia. Pouco depois de s.s. ali estar, entraram os srs. José Borges e Arthur de Freitas, presidente e secretário e vários membros da diretoria da Sociedade Internacional União dos Operários, que tiveram uma conferência, a portas fechadas, com o sr. dr. delegado de polícia. Nessa conferência nada ficou resolvido sobre a greve.

Hoje será ouvida uma comissão [... (N. E.: trecho dilacerado no original)]

Ficou também resolvido que esses operários pedirão hoje diminuição de horas de serviço. Veio ao nosso escritório, comunicar esa resolução, uma comissão composta dos srs. Luiz La Scala, Albino Cotil e Paschoal Grecco, que nos declarou também estar resolvida a promoção da greve geral. Essa resolução foi tomada pelos delegados das diversas classes da sociedade, que representam um total de cerca de 1.600 trabalhadores.

O cais continuou calmo durante a noite. Às 6 horas foi rendida a força de infantaria de marinha, por oura, comandada pelo tenente Esperidião de Andrade e guarda-marinha Mario Alves. Às 8 horas da noite veio a terra o sr. capitão-de-mar-e-guerra Baptista das Neves, ver se havia alguma novidade, retirando-se para bordo, recomendando, como sempre, aos seus comandados, ordem, calma e energia.

- A Companhia Docas pôs à disposição do oficial de serviço, no cais, uma locomotiva, para fazer a ronda mais comodamente.

Na Rua Xavier da Silveira foi preso Antonio Corrêa, que aí se portava inconvenientemente. Corrêa, ao ser preso, puxou de uma faca, rasgando a farda do soldado n. 171 da primeira companhia, que teve um ligeiro ferimento.

Do quartel da polícia foram conduzidos, em carro da Assistência Pública, vários presos que estavam no quartel.

- A cidade, à noite, era rondada por patrulhas dobradas de cavalaria e infantaria.

À noite o sr. dr. chefe de polícia, pelo telefone, indagou se a ordem pública havia sido alterada. S. exa. indagou se era necessária a remessa de mais força, sendo-lhe respondido que, por enquanto, não havia necessidade. A última força chegada fez a viagem em 2 horas.

Sabemos que o governo do Estado está habilitado a pôr, dentro do mesmo espaço de tempo, nesta cidade, mil homens de infantaria e cavalaria.

- O vapor Prinz Eitel Friedrich só atracará depois de finda a greve.

- Às 10 horas, aproximadamente, um operário que trabalhava no vapor alemão Prinz Waldemar atreveu-se a sair das Docas, sendo esbordoado pelos seus companheiros em greve. Acudiram alguns marinheiros nacionais que o livraram dos agressores.

- Um carrinho de mão, que conduzia as malas de uma passageira do Amazone, foi assaltado na Praça da República, por um grupo de carroceiros. Vendo isso, os soldados ns. 44 e 276 da quarta companhia do terceiro batalhão de polícia, garantiram o condutor do veículo, acompanhando-o até a estação Ingleza.

- Pela manhã, quando um empregado da Companhia Docas foi a um botequim da Rua Xavier da Silveira buscar café para o pessoal que fez a ronda durante a noite, diversos operários o agrediram, sendo preciso fazê-lo acompanhar por uma praça de infantaria da Marinha.

- Diversos botequins da Rua Xavier da Silveira deixaram de abrir ontem, com medo de distúrbios.

- Na Recebedoria de Rendas foram despachadas somente nove sacas de café, não sendo anteontem, nem ontem, embarcado café algum.

- O comércio esteve quase paralisado durante todo o dia.

- Tem merecido os maiores elogios, até dos operários em greve, o modo por que se tem portado o pessoal de bordo do Tamandaré, que está de serviço em terra.

- As praças de cavalaria de polícia continuaram a fazer correrias inúteis. Felizmente não houve consequências a lamentar, porque a cidade teve pouco movimento.

As forças de polícia têm procedido corretamente.

- Na Guardamoria continua de prontidão toda a corporação de guardas da Alfândega.

- À meia noite veio de bordo da Tamandaré o guarda-marinha Marcellino Jorge, em substituição do que se achava de serviço.

- O sr. Neves, da firma Neves & Gonçalves, veio declarar-nos que o tiro disparado na Rua Xavier da Silveira não partiu do interior do seu estabelecimento Recreio da Praia.

- O sr. João Martins, contratante da limpeza pública, foi obrigado a interromper os serviços a seu cargo, por intimação dos grevistas, e oficiou, com a nota de urgência, ao sr. intendente municipal, solicitando a sua intervenção, para que, ao menos, não seja suspensa a remoção do lixo.

- Como se vê das notícias acima, a greve ameaça prolongar-se, paralisando por completo a vida desta cidade.

Impõe-se, portanto, uma solução rápida, sob pena de grandes prejuízos para todos. Os trabalhadores que formulem suas queixas claramente, para que os patrões decidam se concedem ou não o que pedem.

A polícia que esteja aparelhada para proteger todo aquele que queira trabalhar. O direito de greve, como meio de protesto, é uma consequência da liberdade de trabalho, que precisa ser garantida.

O que não pode continuar por muito tempo é esta situação anômala. Iludem-se os que supõem obter pela violência aquilo que só a convicção pode conseguir.

Há, certamente, entre as aspirações dos trabalhadores, algumas que não devem ser contrariadas pelos patrões. Mas, não é com a cessação violenta dos serviços, provocando enormes prejuízos, que, por fim, recaem sobre todo o Estado, que os trabalhadores poderão obtê-las.

Os pedidos dos operários sempre encontraram eco nas nossas classes superiores. Não há entre nós aquela barreira formidável que separa o capitalista do trabalhador. Aqui eles confundem-se muitas vezes. Querer, portanto, trazer para o nosso país os mesmos processos de propaganda usados em outros, é contrariar o próprio fim almejado pelo desconhecimento do meio em que agem.

Além disso, a perturbação dos serviços, que facilmente pode degenerar em perturbação da ordem pública, concorrerá  para alienar dos trabalhadores a simpatia de que eles sempre gozaram e gozam, como cooperadores do nosso progresso e fautores da nossa riqueza.

A classe dos trabalhadores é realmente digna dessa simpatia. Mas, não pode escapar, por esse fato, às condições em que todos nós vivemos. Regem-nos as mesmas leis; afligem-nos males comuns; os nossos direitos são os mesmos; da mesma maneira podemos intervir nos negócios públicos. Não há, em suma, luta de classes no Brasil.

Querer impor por meios violentos e em nome de uma classe, ao resto da sociedade, um certo número de medidas, é provocar uma hostilidade desnecessária contra a sua própria causa.

Não nos parece que seja essa a melhor forma de conseguirem os trabalhadores o fim desejado.

Esperamos, por isso, que patrões e trabalhadores, medindo bem as consequências da situação em que se acha a cidade de Santos, saibam chegar a um acordo razoável, que restabeleça a normalidade da nossa vida comercial, sem desdouro para as duas partes litigantes".

Em 18 de junho de 1905, o mesmo O Estado de São Paulo noticiou, em sua página 2 (Acervo Digital Estadão):


Imagens: reprodução parcial da pág. 2 de O Estado de São Paulo de 18/7/1905 (Acervo Estadão)

Os municípios

Santos - Continuamos a transcrever em outro lugar desta folha uma grande parte das notícias que o nosso colega O Jornal publicou ontem sobre a greve.

[...]

Greve em Santos

Conforme verão os leitores na nossa seção telegráfica, continua a greve em Santos.

O trem especial que daqui partiu, levando numeroso contingente do primeiro batalhão, e vinte praças de cavalaria, chegou àquela cidade às 2 horas da madrugada de ontem.

De Santos, o primeiro trem não veio para esta capital e o segundo trem que dali partiu veio garantido por uma força de vinte e cinco praças, de armas embaladas.

Como medida preventiva, as forças da capital estão de prontidão, e o segundo batalhão está aquartelado em condições de atender ao chamado mais urgente.

Por motivo de prontidão as guarnições de diversos postos policiais foram substituídas por praças do terceiro batalhão, que também está fazendo a guarda da Repartição Central da Polícia.

Na capital, depois das 10 horas da manhã, começou a ser afixado, em diversos pontos, um boletim das ligas operárias de S> Paulo, manifestando a sua solidariedade aos grevistas de Santos e ao mesmo tempo convocando um comício que deve realizar-se às 3 horas da tarde de hoje no prédio n. 44 do Largo do Paysandú.

A chefia de polícia teve logo conhecimento desse fato e, como medida de ordem, providenciou para que tais boletins fossem apreendidos e inutilizados. Dessa diligência foi encarregado o sr. dr. João Baptista de Souza, primeiro delegado.

Depois de algumas pesquisas, a autoridade encontrou na Rua brigadeiro Tobias um indivíduo incumbido da afixagem de tais boletins. Por essa ocasião foi feita a apreensão de muitos exemplares do manifesto.

O manifesto em questão é concebido nos seguintes termos:

"Aos operários de S. Paulo - Colegas. Os estivadores de Santos, aos quais se juntaram à última hora os operários das outras classes, declararam-se em greve como justificado protesto contra a opressão dos próprios direitos. Notícias chegadas de lá nos falam de perseguições injustas provocadoras a que estão sendo expostos os nossos companheiros e as suas organizações.

Operários! Diante destes acontecimentos é necessário que o operariado de S. Paulo manifeste seus votos de maior solidariedade e protesto. De solidariedade com os companheiros santistas, que os encorajem na luta e os auxilie [... (N. E.: ilegível no original)] de protesto contra as injustiças que contra eles estão sendo cometidas.

Trabalhadores! Mais uma vez é necessário demonstrar como a classe operária de S. Paulo tem consciência e dignidade, mais uma vez é preciso dizer que abraçamos e fazemos nossa a causa dos nossos companheiros.

Operários! As ligas operárias de S. Paulo deliberaram organizar um comício da classe operária em geral que se realizará domingo, 18, às 3 horas da tarde, no Largo do Paysandú. Não faltai - As ligas operárias de S. Paulo".

De acordo com as disposições em vigor o sr. dr. Meirelles Reis, chefe de polícia, não permitirá que se efetue a reunião, uma vez que as formalidades exigidas não sejam preenchidas.

Repetidas vezes o sr. dr. Meirelles Reis esteve em comunicação com as autoridades de Santos.

A atitude dos grevistas continua pacífica.

O serviço de bondes foi feito regularmente, garantido pela polícia, e bem assim o de transporte de carnes.

- Dos nossos colegas do Jornal transcrevemos a notícia abaixo sobre a greve em Santos:

"Continuou ontem paralisada a vida comercial desta cidade, em virtude da parede dos trabalhadores.

Esta situação, a que as autoridades superiores do Estado não ligam, ao que parece, grande importância, está se tornando intolerável.

Basta dizer que estiveram atracados ontem, no cais, três navios apenas, e que a renda de exportação foi unicamente de 2$250 réis!

Calcule-se a perturbação que tudo isto causa ao comércio desta praça, e, portanto, a toda a atividade econômica do Estado de S. Paulo, e julgue-se o perigo de que estamos ameaçados.

Afinal de contas a greve, que se apresentava como um protesto dos trabalhadores de estiva feridos nos seus interesses, e que, portanto, exerciam um direito incontestável, transformou-se num movimento prejudicial que se estende a todas as outras classes por uma falsa noção de solidariedade, porque não é crível que no nosso país, ou pelo menos em Santos, um oficial de barbeiro ou um trabalhador de estiva esteja equiparado, nas condições de vida, a um poço de padaria ou a um carroceiro.

Repugna-nos acreditar que tenha partido dos diretores da parede essa ordem desumana, de privar a população, onde se contam crianças, velhos e enfermos, da carne, do pão e do leite. E admira que a intendência municipal se conservasse inativa, segundo fomos informados, tendo tido o oferecimento da carne necessária à população e dos meios de conduzi-la.

Há, certamente, alguém que em nome dos trabalhadores pacíficos e amigos da ordem, tenta desviá-los para um caminho errado e perigoso.

Ora, os interesses do comércio de uma zona que não se limita a um único estado, não podem estar à mercê dos chefes de uma determinada classe. Estender a parede, pela coação, a trabalhadores inteiramente estranhos ao movimento do porto, é sair da atitude pacífica por todos aprovada, para uma situação insuportável que provoca a condenação geral; é dar causa à intervenção da autoridade, obrigada a manter a liberdade do trabalho, impedida por aqueles mesmos que se dizem defensores dela.

A situação a que chegamos exige uma solução rápida; a sua conservação é incompatível com o bem estar da população de Santos e do Estado inteiro.

Ainda uma vez apelamos para os que estão nela envolvidos, a fim de evitar males porventura maiores.

- A Associação Comercial desta praça, como representante dos interesses prejudicados de todo o comércio, procurou por todos os meios ao seu alcance uma solução pacífica para a desagradável situação em que nos achamos. Apesar, porém, dos seus esforços, parece que a sua intervenção foi infrutífera.

Os trabalhadores exigem a reintegração de todo o pessoal despedido e o pagamento de 80 réis por saca estivada.

As Docas recusam terminantemente a aceitação dessa proposta, alegando que, pelo seu contrato, tem direito a fazer o serviço de estiva e que os seus empregados são contratados para todo o serviço do porto, inclusive este.

Está disposta a companhia a readmitir todo o pessoal que aderiu à parede, mas absolutamente não receberá as turmas que promoveram a greve.

Foi esse o resultado a que chegou a Associação Comercial, ouvindo solicitamente ambas as partes, no interesse de restabelecer a normalidade da vida comercial desta praça e, portanto, no interesse da população em geral.

Para esse fim, a Associação Comercial reuniu-se ontem quatro vezes.

A primeira reunião realizou-se às 9 horas da manhã, na secretaria da polícia. A ela compareceram os srs. major Alvaro Fontes, drs. Ulrico Mursa, respectivamente superintendente e engenheiro chefe da Companhia Docas; Frederico Junqueira, A. S. de Azevedo Junior, Antonio Candido Gomes e Alois Aruslein, representante da Associação Comercial e os srs. drs. delegado de polícia Pinheiro e Prado e major Pedro Arbues.

Após longa conferência entre estes senhores, nada ficou resolvido, marcando-se uma nova reunião que se realizou às 11 horas, com o mesmo resultado.

Às 3 horas e meia, realizou-se no salão principal da Associação a terceira reunião. Aí se achavam os srs. dr. João Gogliano, advogado da Sociedade Internacional União dos Operários; drs. Pinheiro e Prado, delegado auxiliar; Antenor de Moura, delegado de polícia; major Pedro Arbues, srs. Hugh Stenhouse, gerente da companhia City, e F. Junqueira, A. S. de Azevedo Junior, Antonio C. Gomes, Frederico Harwood, Alberto Kemnitz, Alois Arnstein, Albert Smith, Thomaz Thorten e Raul de Carvalho, representantes da Associação.

Uma hora depois de começada a reunião os srs. A. S. de Azevedo Junior, Antonio Candido Gomes e Alois Arnstein dirigiram-se ao escritório da Companhia Docas, onde conferenciaram com o sr. major Alvaro Fontes, por espaço de 10 minutos.

Nessa conferência conseguimos saber que se tratou do sistema pelo qual era feito o serviço de estiva naquela companhia. O sr. major Fontes, ao que sabemos, declarou que os trabalhadores das Docas eram contratados para todo o serviço de carga e descarga de vapores, do qual faz parte a estiva. Que o serviço de estiva só era feito, pela companhia, em vapores nacionais de algumas companhias, e contratado por peso e não por sacas, e finalmente, que, não achando razoáveis as pretensões dos operários, não cederia absolutamente em nada.

A companhia está disposta a receber novamente todos os operários que aderiram à greve, não reaceitando, porém, em hipótese alguma, as três turmas que a provocaram, abandonando o serviço da estiva do vapor inglês Planet Afars, e sendo por esse motivo despedidas.

Os emissários da Associação voltaram para a Praça do Comércio e continuaram ainda em conferência até às 6 hora da tarde, aproximadamente. Como ainda nesta reunião nada ficasse resolvido, houve uma nova reunião na polícia, às 9 horas da noite, tendo comparecido os srs. drs. João Gogliano, Antenor de Moura, Pinheiro e Prado, major Pedro Arbues, A. S. de Azevedo Junior, Antonio Candido Soares e Alberto Komaitz.

Nesta última reunião, como nas três primeiras, nada se resolveu. À vista da atitude das duas partes, a Associação Comercial desistiu de seu intento de promover nova negociação entre elas, no benefício de todos, e deu por finda a sua missão.

A Associação Comercial [...(N. E.: trecho ilegível no original)] a mais alta autoridade do Estado.

"Exmo. sr. dr. chefe de polícia - São Paulo - A continuação da greve nesta cidade, que hoje se estendeu a todas as classes trabalhadoras, começa a causar graves prejuízos ao nosso comércio e sérias apreensões ao espírito conservador de nossa praça. Sendo urgente o restabelecimento do trabalho para evitar maiores prejuízos, esta Associação Comercial julga indispensável a presença de v. exa. aqui, a fim de providenciar com alta autoridade de que v. exa. está dignamente investido. Aguardamos resposta de v. exa.. Cordiais saudações - Pela diretoria, Frederico Junqueira, vice-presidente; A. S. de Azevedo Junior, primeiro secretário".

A esse telegrama tão significativo, e partido da mais importante associação comercial do Estado, o sr. dr. Meirelles Reis respondeu:

"Associação Comercial - Santos - Recebi telegrama e cabe-me dizer que todas as providências necessárias para manter a ordem pública têm sido dadas, com garantias para todos que quiserem trabalhar. Quanto ao restabelecimento geral do trabalho, parece-me que essa associação deve concorrer com os seus bons ofícios, entendendo-se com os interessados para terminar a greve.- Chefe de polícia, A. Meirelles Reis".

Publicado em 20 de junho de 1905 pelo mesmo O Estado de São Paulo, em sua página 2 (Acervo Digital Estadão):


Imagem: reprodução parcial da pág. 2 de O Estado de São Paulo de 20/6/1905 (Acervo Estadão)

Notícias diversas

Greve em Santos

A greve em Santos está felizmente terminada.

Durante o dia, o sr. dr. Meirelles Reis recebeu informações completas de todo o movimento da greve e do cumprimento das providências determinadas.

Ao meio dia o sr. dr. chefe de polícia deliberou nomear o major Pedro Arbues para o cargo de delegado em comissão naquela cidade, nomeação que foi logo assinada pelo sr. presidente do Estado.

O major Pedro Arbues, que naquela cidade comanda todas as forças da polícia, tomou logo posse do cargo, assumindo o exercício, em virtude de telegrama expedido pela chefia de polícia.

Nesse despacho telegráfico, o sr. dr. Meirelles Reis reiterava as instruções anteriores para que a ordem continuasse a ser mantida, de modo a concorrer para o restabelecimento regular do trabalho, recomendando-lhe ainda que se entendesse com a Associação Comercial, Superintendência da City e Intendência Municipal, oferecendo as forças necessárias para garantir a liberdade do trabalho e normalizar o serviço.

O sr. dr. Meirelles Reis assim terminava o telegrama de instruções: "Confiando no vosso critério espero que agireis com prudência e máxima energia para pôr termo à agitação tão prejudicial a essa praça, e para promover com severidade a punição dos culpados, chefes do movimento."

Ao mesmo tempo o sr. dr. chefe de polícia telegrafou ao comandante do Tamandaré, comunicando a nomeação do major Pedro Arbues e pedindo as providências para que o delegado em comissão tivesse o auxílio das forçasd e bordo.

Ao intendente municipal de Santos o sr. dr. Meirelles Reis dirigiu uma comunicação, redigida nos seguintes termos: "Comunico-vos que dei ordem ao major Pedro Arbues a assumir o exercício do cargo de delegado de polícia, em comissão. [...(N. E.: trecho dilacerado no original)]

"Faço saber que, nesta data, fui nomeado delegado de polícia em comissão, nesta cidade, e que, por ordem do exmo. sr. dr. chefe de polícia, assumi o exercício do cargo e que a força pública, sob o meu comando, se empenhará para manter a tranquilidade pública e dar as garantias precisas para o funcionamento regular de todos os serviços suspensos pela greve, agindo com toda energia contra aqueles que pretenderem perturbar a ordem e ofender direitos de terceiros no exercício de suas profissões. Santos, 19 de junho d e1905 - Major Pedro Arbues".

Depois, o sr. dr. Meirelles Reis fez expedir ainda um telegrama com a nota de urgente ao presidente da Câmara de Santos. Eis o texto desse telegrama: "Conforme telegrama anterior ao intendente, todas as providências estão tomadas para manutenção da ordem e restabelecimento regular dos serviços desorganizados pela greve. - Saudações - Meirelles Reis, chefe de polícia".

Em trem especial, que partiu às 2 horas e 40 minutos da tarde, seguiram para Santos mais cinquenta praças do terceiro batalhão e vinte bombeiros. Por motivo da partida do especial, o trem do horário, das 2 horas e 20 minutos, somente seguiu meia hora depois.

O comandante da força pública assistiu ao embarque da força e ainda o auxiliar do tráfego sr. Camargo Barros e o superintendente da S. Paulo Railway sr. William Speers.

Mais tarde, o sr. dr. chefe de polícia recebia da Associação Comercial o seguinte telegrama: "Santos, 19 - Exmo. sr. dr. chefe de polícia - S. Paulo. - Aproveitando a presença do exmo. sr. dr. secretário do Interior, no Guarujá, ontem, obtivemos de s. exa. uma conferência, em que lhe expusemos a gravidade da situação da nossa praça, não obstante a correção das autoridades e dos oficiais da força pública aqui existente; s. exa. nos prometeu providências enérgicas e imediatas e hoje a assembleia geral lhe telegrafa pedindo o cumprimento dessa promessa. Esta Associação continua a contar com a boa vontade de v. exa. e confia no seu elevado critério e na correção dos seus dignos auxiliares para conseguir o restabelecimento do trabalho. Pela diretoria, Frederico Junqueira, vice-presidente; A. S. Azevedo Junior, primeiro secretário".

A este telegrama deu o sr. chefe de polícia a seguinte resposta: "Em resposta ao telegrama que acabo de receber dessa Associação, comunico que já foram dadas providências precisas para o restabelecimento do trabalho nessa praça, e estou certo de que serão eficazes, principalmente depois das deliberações tomadas por essa Associação. Asseguro que esta chefia lançará mão de todos os meios ao seu alcance, como já tem feito até agora, para normalizar os serviços dessa cidade e promover com energia a punição dos que atentarem contra a liberdade de trabalhar".

Às 7 horas e 35 minutos da noite, a chefia de polícia recebeu de Santos um telegrama, trazendo a notícia de estar terminada a greve.

O sr. dr. Meirelles Reis foi logo a palácio mostrar ao sr. dr. presidente do Estado aquele despacho, que é concebido nos seguintes termos: "Depois de medidas enérgicas adotadas de comum acordo, convencemos aos grevistas ser inútil e prejudicial a continuação da greve. Às 6 horas recebemos grande comissão do comércio e advogados dos grevistas, que comunicaram estar terminada a greve. Entregamos a chave do edifício da Sociedade Internacional dos Operários. Pusemos em liberdade os presos comprometidos nas últimas desordens. Felicitamos e cumprimentamos a v. exa. por nos ter prestado todo o auxílio e prestígio. A população mostra-se satisfeita e tranquila. Saudações.- Antenor de Moura, delegado de polícia; major Pedro Arbues, comandante do destacamento e delegado em comissão.".

O sr. dr. Jorge Tibyriçá, depois de ter conhecimento da comunicação acima, telegrafou ao sr. dr. presidente da República, transmitindo-lhe a notícia da terminação da greve e ainda agradecendo o auxílio prestado pela oficialidade do Tamandaré, em Santos.

Apesar de estar terminada a greve continuarão em Santos as forças que seguiram desta capital, até que aquela cidade volte ao seu movimento comum.

- Da Tribuna transcrevemos as seguintes notícias:

"O dia de ontem amanheceu com uma verdadeira cara de domingo, brilhante, alegre, cheio de luz, de uma luz viva e fecunda, iluminando todos com o mesmo brilho, acalentando-os com as mesmas carícias.

"O aspecto da cidade era o mesmo dos dias antecedentes, sem movimento nem conduções, numa paralisação completa.

"Desde que começou a greve, só ontem foi rendida a guarda da cadeia.

"A estação da São Paulo Railway continua guardada por uma força de infantaria.

"Durante o dia não houve o menor distúrbio. A polícia continuou aquartelada, tendo reforçado os postos.

"Às 10 horas da manhã reuniu-se a diretoria da Internacional, deliberando submeter as suas reclamações a um arbitramento, que será composto de três membros que deverão ser escolhidos entre os srs. Carlos Augusto de Vasconcellos Tavares, Hugh Stenhouse, Franklin do Rego, dr. Pedreira de Cerqueira, dr. Martim Francisco e um outro cujo nome não nos ocorre.

"O sr. dr. João Gogliano, advogado da Internacional, depois dessa deliberação, dirigiu-se à ssociação Comercial, onde expôs essa proposta.

"Ao sr. dr. Gogliano responderam os membros da Associação que não levariam mais coisa alguma ao conhecimento das Docas e que agora tratariam unicamente dos interesses do comércio.

"À vista disso o advogado da Internacional resolveu procurar o dr. primeiro delegado auxiliar, a quem apresentou a proposta.

"O sr. dr. Pinheiro e Prado negou-se também a procurar a diretoria das Docas porque a não conhece.

"Em todo o caso, a proposta irá à mão da diretoria das Docas.

"- O pessoal que a Companhia Docas mandou vir da fazenda dos Pilões para trabalhar a muque conseguiu ontem mudar-se para um batelão e alguns botes, fugindo para o outro lado.

"- Nos Outeirinhos andaram em diversos grupos cerca de 40 secretas e soldados à paisana dirigindo chuvas ao pessoal grevista, que com tanta calma se tem mantido.

"- Os que nos Outeirinhos aderiram à greve, tornando-se solidários com os escorraçados das Docas, comunicaram à diretoria da Internacional que dispensavam que a sociedade continuasse pagando a casa que lhes alugou. Disesram que lá ainda havia dinheiro para mais uns três meses.

"- Para o armazém 12 seguia ontem à tarde um caminhão conduzindo o jantar para as praças que ali estão aquarteladas, caindo os panelões na calçada, em frente ao armazém 6, entornando-se toda a comida.

"- As sociedades Real Centro Português, Centro Italiano e Centro [...(N. E.: trecho dilacerado no original)]

do Rio de Janeiro, tripulado por praças do corpo de marinheiros nacionais, cedidos pelo governo, visto se achar ali em greve o pessoal da marinha mercante.

"- Os empregados dos armazéns da Companhia Docas têm sido obrigados a fazer serviços de trabalhadores: abrir caixas, varrer os armazéns etc. etc.

"- Sabemos que essa companhia, com promessas vantajosas, tem engajado pessoal para trabalhar. O vapor Planet Mars está carregando café com esse pessoal e mais o da fazenda do Itutinga. A pressão que a Docas exerce sobre esse pessoal é desoladora.

"- A polícia, de armas embaladas, efetuou ontem diversas prisões de pacatos operários no Jabaquara e Outeirinhos, distribuindo-os pelo posto policial de Vila Mathias e quartel de polícia.O transporte foi feito no carro da Assistência Pública, com guarda de honra.

"- A polícia está cobrando carceragem aos presos que solta por habeas-corpus. Que mina, se a polícia se dá ao luxo de prender todos os grevistas.

"- O rancho das forças chegadas de S. Paulo tem sido deficiente e de má qualidade, especialmente para as praças do primeiro batalhão, que têm estado na estação da Ingleza.

"- No Largo Monte Alegre foram presos, pelo fato de serem carregadores, os indivíduos Cosme de Oliveira, Olegario Bianco e Francisco Fidelis de Araujo. E cerceia-se a liberdade de homens pacatos e trabalhadores, porque são solidários com os seus companheiros paredistas!

"- A Associação Comercial, em reunião realizada ontem, resolveu entre outros assuntos de caráter reservado e que pouco ou nada adiantam, o seguinte:

"a) Dirigir uma representação à polícia local, pedindo que aja com energia, no sentido de recomeçarem hoje todos os serviços paralisados por causa da greve geral e pacífica;

"b) Nomear uma comissão entre seus membros, para solicitar hoje, do exmo. sr. dr. Cardoso de Almeida, secretário do Interior e da Justiça deste Estado, ora no Guarujá, os seus bons ofícios, perante a Companhia Docas, a respeito da greve.

"- Regressou ontem de S. Paulo pelo trem da tarde o sr. dr. Benjamim Mota, um dos advogados da Sociedade Internacional União dos Operários.

"Antes de regressar, teve uma conferência com o sr. dr. Meirelles Reis, chefe de polícia, sendo que este disse ao advogado da sociedade que julgava mais conveniente que ele não voltasse a esta cidade, porque o haviam informado que a sua ação não se limitava ao exercício da sua profissão, cumprindo os deveres do mandato que lhe fora confiado, juntamente ao dr. João Gogliano.

"O sr. Benjamim Mota retorquiu que, se informações haviam chegado à chefia de polícia nesse sentido, essas informações eram positivamente falsas, porquanto se havia limitado a requerer em juízo em favor dos direitos dos grevistas e a procurar as autoridades policiais para pedir providências garantidoras da ordem, quando da parte de praças embriagadas partiam provocações ao povo, que estava em atitude pacífica.

"Fez sentir também ao dr. chefe de polícia que foi, graças a pedidos seus e do sr. José Borges, presidente da sociedade, que a cidade de Santos não ficou privada de pão, e foi restabelecida a matança do gado.

"O dr. chefe de polícia disse, ao despedir-se do sr. Benjamim Mota,que a partir de hoje faria garantir todos os que quisessem trabalhar, tendo dado ordens severas nesse sentido, ao que mais de uma vez retorquiu o advogado da sociedade que os grevistas não fariam violências, a fim de não darem pretextos à intervenção da força, e que ficariam calmos na defesa de seus direitos, agindo no terreno legal, por meio dos seus advogados.

"- Às 10,15 da noite foi comunicado à polícia que pretendiam assaltar a cocheira do sr. Augusto José Bernardes, à Rua Xavier Pinheiro n. 29. O sr. dr. primeiro delegado ordenou que seguisse para o local força de cavalaria armada e municiada.

"- Mais dois carregadores foram presos ontem à noite, na Rua Santo Antonio, porque, diz a polícia, pretenderam proibir o trânsito de duas carrocinhas de mão, que vinham da estação com verduras. Chamam-se Benedito Ramos da Silva e Virgilio da Silva.".

Dois dias depois, em 22 de junho de 1905, na Seção Livre publicada em sua página 4 (Acervo Digital Estadão), o mesmo O Estado de São Paulo divulgava:


Imagem: reprodução parcial da pág. 4 de O Estado de São Paulo de 22/6/1905 (Acervo Estadão)

Seção Livre

A greve em Santos

Restabelecer a verdade dos fatos que se passaram em Santos, verdade propositalmente adulterada pelos tolos e pretensiosos, eis a missão que nos propusemos para  [...(N. E.: trecho dilacerado ou ilegível no original)] pelos abusos de autoridade, logo ali chegados perante o dr. juiz da [...(N. E.: palavra ilegível no original)], para requerermos os recursos legais que nos pareceram necessários, e, desde o primeiro momento de nossa chegada, cientes das reclamações dos grevistas, procuramos entabular negociações para um acordo honrado.

A Associação Comercial, que devia zelar os interesses do comércio santista, logo no início de negociações mostrou que só zelava dos interesses das Docas, e, finalmente, vendo que não cederíamos senão mediante recíprocas concessões, resolveu não mais agir de acordo, e, ao sábado, tomou as tolas e inconsequentes resoluções que estão no espírito de todos.

Não desanimamos, todavia, porque estava a cidade entregue à direção policial do dr. Arthur Pinheiro e Prado, autoridade correta, honesta, que sabe ao mesmo tempo cumprir o dever e respeitar os direitos dos cidadãos.

Quando a notícia de um abuso, de uma violência ou de uma provocação chegava ao nosso conhecimento, imediatamente, a fim de que não surgisse um conflito, procurávamos o dr. Pinheiro e Prado, ou mesmo o dr. Antenor de Moura, pedindo providências, e elas eram dadas, e assim a ordem se mantinha inalterada.

Os trabalhadores, dignos e calmos na defesa dos seus direitos, evitavam as provocações. Ainda na terça-feira, quando regressávamos a São Paulo, o sr. coronel Octaviano, que descera com a incumbência de reorganizar em Santos o serviço de carroças, confessou no trem, na presença do dr. João Eboli e comendador Brito, que tudo havia feito para fazer cócegas nos trabalhadores, mas que eles, que são aliás valentes, não aceitaram as provocações, feitas para dar lugar à intervenção da força e consequente estrangulamento da greve pela violência.

Estavam as coisas nesse pé quando, segunda-feira pela manhã, procurou-nos o dr. Urbano Neves e disse-nos que o comércio importador estava disposto a vir em nosso auxílio para que se pudesse chegar a um acordo.

Marcada uma reunião para 1 hora da tarde, nessa reunião pressentes os representantes das mais importantes casas importadoras, discutimos o assunto, e, como nada pudéssemos resolver sem a presença do sr. José Borges, presidente da Sociedade Internacional, e como se achasse ele prestando declarações  perante o dr. Arthur Pinheiro e Prado, um dos signatários deste dirigiu-se à polícia e pediu que se suspendesse o ato para se fazer a reunião.

O digno primeiro delegado auxiliar afinal cedeu e comparecendo o sr. José Borges à reunião, depois de lembrados diversos alvitres e de ter ele consultado os seus companheiros de diretoria e da diretoria da União Primeiro de Maio, foi resolvida a volta de todos ao trabalho no dia seguinte, podendo os bondes trafegar imediatamente, para o que seriam dados avisos imediatos aos cocheiros e condutores da City.

 atitude do sr. José Borges nessa reunião, digna e altiva, respondendo prontamente a qualquer objeção, tornou o presidente da Internacional alvo da estima e admiração de todos que compreenderam tratar com um homem respeitável por todos os títulos.

Resolvida a volta ao trabalho, a comissão do comércio importador deveria ir com as diretorias das sociedades e conosco comunicar ao dr. Pinheiro e Prado as resoluções tomadas, a fim de que cessassem as provocações policiais e os constantes riscos de um conflito.

Quando todos nós nos dirigíamos à polícia, nós e as diretorias das sociedades fomos intimados a ali comparecer.

Soubemos momentos antes da nomeação de um delegado militar em comissão e vimos então que as violências iam começar e, de fato, chegados à polícia, soubemos que um trem especial estava avisado para as 8 horas da noite, e que devíamos subir a serra presos juntamente com as diretorias das sociedades.

Felizmente, nós que não temeríamos as violências, desde que aceitáramos o patrocínio de nobres direitos de dignos trabalhadores, levávamos, aos que queriam à fina força estabelecer o regime das violências, a notícia de que havíamos conseguido uma vitória pacífica e digna, auxiliados pelo nobre comércio importador de Santos.

Ficaram desconcertados os que queriam fazer correr o sangue proletário, julgando que os trabalhadores santistas se deixariam matar impunemente. Ficaram desconcertados, mas com sorrisos amarelos nos felicitaram pela vitória alcançada, e, imediatamente foram entregues ao sr. José Borges as chaves do edifício social da Internacional e dadas ordens para que fossem relaxadas todas as prisões.

Agora perguntamos:

Para que as autoridades policiais, sr. major Pedro Arbues e dr. Antenor de Moura, telegrafaram ao sr. dr. chefe de polícia querendo fazer crer que foi o medo das violências que pretendiam praticar que nos levou a fazer o acordo e distribuir boletins aconselhando a volta ao trabalho?

Todas as casas importadoras santistas, representadas na reunião, podem testemunhar que muito antes da nomeação do delegado militar estava resolvida a cessação da greve.

Para que, pois, a pretensão tola traduzida nos telegramas?

Se o acordo não houvesse sido feito, os trabalhadores santistas aceitariam a luta com todas as suas consequências, e talvez não levasse a melhor a polícia, apesar da sua atitude arrogante e provocadora, porque a homens que estão dispostos a tudo não intimida a morte.

E, se as autoridades foram levianamente falsas nos seus despachos ao dr. chefe de polícia, não foram menos falsas as notícias do Jornal e Diario de Santos, e o telegrama tolo da Associação [...(N. E.: trecho dilacerado ou ilegível no original)] mas nem por isso deixando de ser uma vitória.

Hoje expostos por alto os fatos e, se alguém ousar contestar-nos, voltaremos à imprensa, invocando o testemunho de homens de bem que sabem que a verdade está conosco e não com os tolos e pretensiosos autores das notícias e telegramas falsos, e então teremos ocasião de analisar qual foi o procedimento da Associação Comercial de Santos durante todo o período da greve.

E terminando não deixaremos de louvar a correção do dr. Arthur Pinheiro e Prado, que se manteve como sempre digno funcionário, evitando violências inúteis. Apenas essa correta autoridade saira de Santos, chamada pelo dr. chefe de polícia, pretendia o seu substituto entrar no mau caminho da violência, e esta traria, sem dúvida, consequências desastrosíssimas, que nós e os grevistas queríamos e conseguimos, felizmente, evitar.

S. Paulo, 21 de junho de 1905.

João Gogliano.

Benjamim Mota.

Ainda nesse ano, na primeira página da edição de sexta-feira, 15 de setembro de 1905 (Acervo Digital Estadão), O Estado de São Paulo voltava a noticiar sobre greve em Santos:


Imagem: reprodução parcial da pág. 1 de O Estado de São Paulo de 15/9/1905 (Acervo Estadão)

A greve em Santos

Prosseguiu ontem. Menos acentuada, porém, a sua feição agressiva, talvez porque até aos recessos da União Internacional houvesse chegado a notícia de que a polícia estava disposta a agir, decidida e enérgica, contra os perturbadores da ordem.

Depois a atitude dos comissários, dos exportadores, do comércio enfim, clamando contra tão caótico estado de coisas, levou o desânimo aos arraiais dos insufladores da desordem. Alguns, segundo as folhas santistas, fugiram, uns para S. Paulo, ouros para o Rio de Janeiro.

Os próprios diretores da Sociedade Internacional, que a polícia procurava com o máximo empenho, não foram encontrados, sendo a sua ausência objeto de vivos comentários.

A cavalaria e infantaria fizeram o policiamento das ruas, armadas de clavinote.

Os domínios da Companhia Docas eram guardados por forças de marinha e duas metralhadoras.

A ponte do Cargueiro, vigiada por 50 praças, visto constar que os grevistas a fariam voar pelos ares, empregando a dinamite. Além disso, havia no local duas metralhadoras.

Na Vila Macuco os grevistas espancaram barbaramente um carroceiro que não quisera aderir á greve.

Com o patrulhamento dobrado da cidade muitas carroças saíram às ruas, trabalhando.

Da casa Naumann Gepp saíram logo de manhã treze carroças e da do sr. José Navita oito.

Fizeram-se alguns embarques de café, sendo os respectivos carros protegidos por forças, de armas embaladas.

Os armazéns da exportação da Estrada de Ferro Ingleza funcionaram com toda a regularidade até às duas horas da tarde.

Apesar do visível enfraquecimento que se notara, ontem, no movimento paredista, alguns diretores da Associação comercial conferenciaram com o dr. Raul Vicente, delegado de polícia, que prometeu garantir os trabalhadores alheios à greve.

A uma hora da tarde a polícia efetuava a prisão de um grupo de quinze grevistas, entre os quais se achava Alexandre Francez, apontado como um dos diretores da greve.

Finalmente, às duas horas da tarde a polícia conseguiu restabelecer totalmente a ordem.

Meia hora depois o nosso correspondente enviava-nos o seguinte despacho: "Greve terminada. O trânsito de carroças recomeçou com toda a regularidade".

Ora ainda bem que as autoridades conseguiram sufocar logo ao princípio um movimento que lançou no espírito público profunda inquietação e ameaçava os interesses de uma cidade como Santos.

Convém agora que da parte dos poderes municipais partam medidas que, conciliando os interesses de todos, acabem de uma vez para sempre com agitações que, por qualquer lado porque sejam encaradas, só prejudicam a população e anarquizam o trabalho.