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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Um milagre salvou a igreja do Valongo (1)

Igreja e convento de Santo Antonio do Valongo (foto: PMS)

Por muito pouco, os ingleses encarregados de construir a estrada de ferro São Paulo Railway não demoliram a igreja do Valongo, em meados do século XIX. Um milagre impediu que seu altar fosse removido, mobilizando a população em sua defesa, paralisando as obras até que viessem instruções (Aviso do Império nº 513, de 7/11/1861) para preservar a igreja, em estilo barroco, que hoje possui valiosas obras de arte, como o Cristo Místico de Seis Asas. Em 13/6/1987, a matriz do Valongo havia sido transformada em Santuário, sendo tombada para preservação pelo Condepasa em junho de 1993.

A história do milagre foi lembrada na edição de 6 de junho de 1997 do jornal santista A Tribuna:


Igreja e convento de Santo Antonio do Valongo antes da construção da estrada de ferro e do desaparecimento do Ribeirão de São Bento, em tela do pintor Benedito Calixto

O tradicional santuário do Valongo

J. Muniz Jr. (*)
Colaborador

notável o desamor dos brasileiros pelos monumentos e tradições de sua história. Nada se faz para preservá-los e conservá-los. Ao contrário, como que há o propósito de desnaturá-los, consumi-los e destruí-los". (Dr. Cyro Carneiro).

Já se disse que os monumentos não representam somente as estátuas ou marcos, mas tudo aquilo que possa representar o retrato de uma cidade: os chafarizes, pontes, parques, palácios, fortificações, mausoléus, igrejas, conjuntos arquitetônicos e/ou paisagísticos, rochedos, ilhas e até árvores. Inclusive, os bens públicos ou particulares vinculados a pessoas de importância histórica ou artística, bem como os fatos marcantes da história de uma cidade ou país.

Em Santos - cidade quatro vezes centenária - ainda existem monumentos e redutos históricos, como os restos do Outeiro de Santa Catarina, as ruínas do Engenho dos Erasmos, a Casa do Trem Bélico, o antigo Mosteiro de São Bento (Museu de Arte Sacra), a Igreja do Carmo e a Capela de Nossa Senhora do Monte Serrat. Embora alguns desses monumentos tenham merecido atenção das autoridades ao longo dos anos, infelizmente outros permaneceram em completo abandono, como a tradicional bica do Itororó, que continua esquecida e mutilada, bem ali na subida do monte.

Releva notar que, de uns tempos para cá, um outro relicário do passado vem atravessando momentos difíceis devido ao tráfego pesado nas suas imediações, abalando suas estruturas, e que poderá desmoronar num futuro bem próximo, a exemplo do que já ocorreu com outros antigos edifícios que desapareceram na poeira do tempo. Trata-se do secular Santuário de Santo Antonio do Valongo, que se destaca pela beleza de suas linhas arquitetônicas e que merece ser preservado pela sua tradição histórica.

Altar principal do Santuário do Valongo, com a imagem que os trabalhadores da estrada de ferro não conseguiram remover em 1867
Foto: Prefeitura Municipal de Santos/Decom

Tudo começou em 1638, quando o custódio e prelado-maior de todos os conventos, Frei Manuel de Santa Maria, recebeu uma representação da Câmara e da população de Santos, pedindo a instalação de um convento de sua Ordem na Vila. Interessado no assunto, o prelado-mor desembarcou no porto local em janeiro de 1639, oriundo do Rio de Janeiro, para ver pessoalmente os sítios indicados para erguer o convento - escolhendo, então, parte das terras que se estendiam do Morro do Desterro (atual São Bento) até o ancoradouro de canoas (antigo Porto do Bispo), cedidas pelos seus proprietários, Gonçalo e Fellipa Pereira.

Naqueles tempos, o Valongo era um núcleo habitado pelas famílias mais abastadas da Vila de Santos, que logo pôde contar com a importante moradia, já que a primeira licença da autoridade monarquista foi outorgada pelo capitão-geral do Estado do Brasil, general D. Fernando Mascarenhas (Conde da Torre), em 6 de agosto daquele ano. Quanto à licença eclesiástica, assinada pelo governador do Bispado, Pedro Homem Albernaz, foi concedida a 17 de janeiro de 1640. Também foi eleito o superior, Frei Pedro de São Paulo, bem como indicados os primeiros religiosos, que desembarcaram em Santos naquele mesmo mês.

Logo foi levantada uma moradia provisória no local escolhido, verificando-se, em julho de 1641, o lançamento da pedra fundamental da Casa de Santo Antônio da Vila de Santos, com celebração de missa solene num altar improvisado.

Ainda com o apoio da população da vila, foram iniciadas as obras do convento definitivo e da igreja, obedecendo ao estilo em voga na época, com o frontispício semelhante ao primitivo do Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, com alpendre e três janelas na parte superior, além de frontão de puro barroco com linhas curvas e torre lateral, inaugurada com missa solene celebrada em março de 1691.

O tempo passou e, em 1829, o governo da Província pretendia abrir o caminho de terra (estrada de barro) entre Cubatão da Serra e a Vila de Santos, com terminal defronte do convento. Como a estrada devia atravessar parte das terras do convento para chegar ao antigo Largo de Santo Antônio, foi necessário ceder o terreno "para bem público". A partir de 1834, o edifício também foi requisitado para a instalação de um hospital.

Devido ainda à precária situação do imóvel, os religiosos também tiveram que vender parte do terreno que dava para a Rua dos Cortumes (atual São Bento). E, em 1859, além das péssimas condições do convento, havia a intenção de se fazer outro terminal em sua área, uma vez que o "caminho de ferro" entre o Planalto Paulista e o Litoral estava em pauta para ser executado. Era o progresso que chegava.

Naquela época, o astuto banqueiro e empresário Irineu Evangelista de Souza, que havia inaugurado a primeira estrada de ferro do Brasil, estava empenhado na construção de uma linha de ferro ligando o porto ao Interior paulista (Santos a Jundiaí). O barão, que mantinha uma agência do Banco Mauá na Cidade, buscou um acordo amigável, porém sua proposta não foi aceita, resultando numa ação judicial e num reajuste final entre as partes envolvidas, obrigando a Ordem Terceira da Penitência a largar os direitos de propriedade sobre o convento (lado do mar), em 1861. E, com a inauguração da estrada de ferro a 8 de setembro de 1867, surgiu a estação de trens no lugar do antigo convento.

Todavia, antes da concretização do acordo, dizem que a empresa encarregada da construção da ferrovia chegou a invadir a igreja, conforme relato de João Luiz Promessa: "Quando estavam tentando retirar a imagem de Santo Antônio do altar-mor, notavam os operários que não havia força humana que o conseguisse e, depois de tantos esforços, terminaram desistindo..."

"Esta notícia correu logo pela Cidade e não demorou muito em rebentar um levante do povo. Aglomerando-se muita gente no lugar do fenômeno, todos protestaram em altos brados contra a pretensão do pessoal da Estrada, chegando mesmo a haver um grande conflito". E que: "...o povo saiu vencedor em toda a linha, tendo ficado no lugar a imagem de Santo Antônio e não mais os operários da Estrada tocaram na igreja".

Atualmente, o vetusto templo vem lutando contra um sério problema, que poderá resultar em conseqüências desastrosas, por isso todos devem cerrar fileiras ao lado do frei Rozântimo na campanha de preservação do secular monumento histórico da Cidade".

Imagem de São Francisco, no pátio fronteiro à igreja do Valongo
Foto: Carlos Pimentel Mendes, 11/7/2000

Bibliografia:

Duclos, Aadil J. - São Paulo e a sua Estrada de Ferro; revista Ferrovia, São Paulo, janeiro de 1954.

Muniz Jr., J. - Na Igreja do Valongo, Séculos de História, jornal Cidade de Santos, 5/9/1982.

Promessa, João Luiz - Reminiscências de Santos, 1930.

Röwer, Basílio (Frei OFM) - O Convento de Sto. Antônio do Valongo, Nicolini Gráfica, São Paulo, 1955.

Silva Sobrinho, José da Costa e - Tricentenário da Fundação do Convento do Valongo, jornal A Tribuna, 12/6/1940.

(*) J. Muniz Jr. é jornalista, pesquisador de História e escritor.

O reitor do santuário, frei Rozântimo Antunes Costa, dá mais detalhes, em artigo publicado no terceiro volume da História de Santos/Poliantéia Santista (de Fernando Martins Lichti, Ed. Caudex Ltda., São Vicente/SP, 1996):

Frente da igreja-santuário do Valongo, considerada como um
dos mais expressivos trabalhos do século XVIII
(Foto: Carlos Pimentel Mendes, 11/7/2000)

Como tudo começou - Frei Manoel de Santa Maria, custódio provincial, chegou ao Rio de Janeiro, na armada do general D. Fernando de Mascarenhas, no dia 20 de dezembro de 1638. Dois dias após, recebe uma representação da Vila de Santos; pediam a fundação de um convento da Ordem Franciscana. Frei Manoel acolhe o pedido com entusiasmo e já no dia 16 de janeiro de 1639 vem a Santos para ver o local e as condições. Muitos sítios lhe foram oferecidos. Escolheu o local do Valongo por duas razões: seria fácil introduzir água no convento e aí residiam famílias abastadas que poderiam ajudar na futura construção e também na manutenção dos frades.

Aprovação no capítulo custodial - Aos 6 de agosto de 1639 realizou-se na Bahia o Capítulo Custodial (reunião dos frades para tomada de decisões internas da Ordem). Frei Manoel presidia a reunião. Entusiasmado e satisfeito com a idéia da fundação de uma casa em Santos, onde contava com a boa vontade dos santistas e a Câmara de Santos para o terreno e a construção, apresentou o pedido aos capitulares. A idéia foi aprovada. A casa serviria como entreposto aos religiosos que se dirigissem a São Paulo. Frei Manoel cuidou de logo obter as devidas licenças civis e religiosas e embarcou com os companheiros fundadores para a Vila de Santos. No dia 25 de janeiro de 1640 fundaram oficialmente o convento de Santo Antônio do Valongo.

Provisoriamente a casa funcionou na capela de N. Sra. do Desterro, próximo ao local onde seria construído o convento. Quando os frades desocuparam esta capela, ela foi doada aos beneditinos que tomaram posse em 1650 e ao lado construíram o Mosteiro de São Bento, que em nossos dias abriga o Museu de Arte Sacra de Santos.

A construção do convento - No dia 1º de julho de 1641 iniciou-se a construção. No mesmo ano, aos 20 de outubro, fundou-se a Ordem Terceira de São Francisco e sua capela foi erguida em 1689, com arco aberto para igreja conventual. No século XVIII o Convento de Santo Antônio do Valongo foi considerado "um dos maiores da Província"; seu frontão, um dos mais lindos da época.

Hóspedes famosos/Santa Casa da Misericórdia - Visto que a Capitania de S. Paulo crescia muito, a Igreja criou a Diocese de S. Paulo em 1745, abrangendo toda a região Sul do Brasil. O primeiro bispo, Dom Bernardo Rodrigues Nogueira, chegou via porto de Santos e teve de ficar por um mês enquanto organizava a diocese, no Convento de Santo Antônio do Valongo.

Consta na crônica que o convento hospedou Mons. João Mostai Ferretti, núncio apostólico em viagem ao Chile; por motivos de ordem técnica, a nau teve de ficar uns dias na Vila e o purpurado ficou aqui por alguns dias; mais tarde foi eleito Papa, com o nome de Pio IX (1846-1878).

Em 1543, foi fundada a Santa Casa da Misericórdia de Santos, a primeira instituição hospitalar das Américas. Por necessidade temporária do espaço, ocupou por uma temporada o convento franciscano até 1836; em troca restaurou alguns dos melhores cômodos do edifício para os dois frades que aí residiam.

Desapropriação do convento para ser estação de trem - Sob o guardianato de Frei Miguel de Santa Rita, eleito aos 12 de março de 1859, aconteceu a grande polêmica da construção da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. O Barão de Mauá, Irineu Evangelista de Souza, quis comprar a residência franciscana para transformá-la em estação de trem. Por carta, ofereceu ao Provincial, Frei Antônio do Coração de Maria e Almeida, 12 contos de réis, pelo conjunto arquitetônico e terrenos adjacentes. Afirmou que o local era insalubre, sendo o motivo pelo qual os frades o haviam abandonado... O Provincial, porém, não se deixou iludir pelas artimanhas e propôs: venderia por 30 contos de réis. Houve várias outras propostas e contrapropostas até que a Ordem Franciscana acabou cedendo por 20 contos de réis. Isso em apólices da dívida pública.

Mais tarde houve, por parte da Companhia São Paulo Railway, uma tentativa de se apoderar também da igreja, chegando mesmo a baixar a picareta. Aí aconteceu o imprevisto, segundo João Luiz Promessa em Reminiscências de Santos; os funcionários da Inglesa (nome popular da São Paulo Railway Cia.) tentavam retirar a imagem seiscentista de Santo Antônio de seu lugar... e não houve forças capazes de mover a imagem. Os engenheiros da companhia envidaram novos esforços e nada conseguiram. Diante de tal fenômeno misterioso, abandonaram a idéia. Conta-se que houve milagres até de conversão.

Durante o milagre de Santo Antônio, os rivais  valongueiros e quarteleiros apertaram as mãos

Durante o milagre de Santo Antônio, valongueiros e quarteleiros apertaram as mãosApoio do povo - Como sempre acontece em casos de demolição de templos, na violação da propriedade popular, nas tradições religiosas, também em Santos houve uma reação por parte do povo fiel e devoto de Santo Antônio. A notícia do atentado à imagem correu rapidamente e o povo se rebelou; armados de pedaços de madeira e até mesmo armas se aglomeram diante da igreja, criando um conflito. A igreja foi salva.

A Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência pediu então ao Imperador Dom Pedro II em favor da conservação da igreja e conseguiu. Quem interferiu foi o Visconde de Embaré (Sr. Antônio Ferreira Júnior). Para perpetuar a vitória, o visconde colocou sobre o braço do Santo sua bengala. Mais tarde alguém colocou um espadim.

Escola para crianças - Em 1885, D. Mariana Amberger e Maria Gertrudes Mayer instalaram no pavimento superior do que sobrara do convento uma escola para as meninas do Valongo, que funcionou até 1906.

A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil recebe o Valongo de volta - O final do século XIX e início do século XX marcaram grande processo para a Vila de Santos: porto, comércio, turismo.

O Governo da Província procurou reatar o trabalho dos franciscanos em Santos e só conseguiu em 1922. A Ordem Terceira passou a escritura do convento à Cúria Arquidiocesana que o repassou aos frades. Em agosto de 1922, Frei Paulo Luig tomou posse como guardião.

Paróquia de Santo Antônio do Valongo - Por decreto de 25 de agosto de 1922, a Arquidiocese de São Paulo criou a paróquia de Santo Antônio do Valongo: boa parte da cidade, o interior, a Ilha de S. Amaro (Guarujá) e a região de Cubatão.

Restauração do convênio - Nos anos 1935-36 a igreja do Valongo sofreu reformas internas e externas, resultando nas características da construção dos séculos XVII e XVIII até nossa época, sem perder sua originalidade. O teto retrata motivos antonianos e franciscanos.

De paróquia a santuário - Aos 31 de maio de 1987, por decreto de Dom David Picão, Bispo Diocesano de Santos, a matriz do Valongo foi transformada em Santuário, instalado no dia 13 de junho do mesmo ano.

Frei Rozântimo
Foto: O Bonde, 23/9/2000
Empenho e dinamismo - Nos últimos anos são incrementados trabalhos de aconselhamento e encaminhamento, abrindo espaços para formação humana em todas as dimensões: ideal cristão e franciscano. O trabalho mais recente e incipiente é junto aos excluídos.

As paredes e outras partes internas da igreja, em 1996, estavam necessitando de restauração, as quais foram comprometidas em suas estruturas em razão do intenso tráfego de pesados caminhões transportando cargas em função do porto.

Importância do Convento do Valongo - a) Preocupação dos frades de ontem e hoje com a ação missionária católica; b) junto com o povo laborioso de Santos, que sempre colaborou com os frades para a manutenção de uma das mais antigas residências da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, através de suas talhas barrocas e suas obras de arte, o Valongo perpetua o exemplo de empenho e dedicação constante de muitos fiéis e frades de ontem e de hoje, que por aqui passaram e passam no seguimento das diretrizes da Igreja e de Santo Antonio.

Imagem seiscentista de Santo Antonio, que os trabalhadores da estrada de ferro não conseguiram remover em 1867 do Santuário do Valongo

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