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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Magdalena de 1949

1949-1949

Em agosto de 1939, a armadora britânica Royal Mail Line anunciou, através do seu serviço de Imprensa de Londres (Inglaterra), a próxima entrada em serviço de seu novo transatlântico, de 26 mil toneladas de arqueação bruta (tab), o Andes. Destinado a servir a Rota de Ouro e Prata, o navio deveria realizar sua viagem inaugural para o Brasil e o Prata, zarpando de Southampton, Inglaterra, em 26 de setembro de 1939. Esta data não havia sido escolhida ao acaso. Ela marcava exatamente o aniversário do centenário de fundação da Royal Mail pelo espírito empreendedor de Scot James MacQueen.

A ocasião, portanto, deveria celebrar ao mesmo tempo dois grandes acontecimentos: os cem anos da armadora e o início da viagem inaugural de seu mais novo navio. O destino, porém, não quis assim. A invasão da Polônia pelas tropas da Wermacht em 1º de setembro e subsequente declaração de guerra, entre a Grã-Bretanha e a França de um lado e a Alemanha do III Reich do outro, anularia a prevista entrada em linha do Andes. O transatlântico, ao invés de partir para o Atlântico Sul, foi imediatamente recolhido ao seu estaleiro construtor, para os trabalhos de conversão em navio de transporte de tropas.

A II Guerra Mundial (1939-1945) envolveria todos os 31 navios da frota da Royal Mail, direta e indiretamente. Vinte e um destes seriam afundados no decurso do conflito, com a perda total de 200 homens. Entre este navios perdidos, encontrava-se o Highland Patriot, originalmente construído para o Nelson Line e que foi atacado em outubro de 1940, ao largo da costa irlandesa, pelo submarino alemão U-38.


O Magdalena, registrado em Londres

Pós-guerra - Terminado o conflito mundial, em agosto de 1945, a Royal Mail só possuía dez navios, desgastados pelo uso excessivo e precária manutenção. Recondicionar a sua tonelagem tornou-se a palavra de ordem prioritária da armadora, mas ao mesmo tempo era necessário projetar novos navios para construção.

Em 1946, para substituir o desaparecido Highland Patriot e injetar nova tonelagem no serviço para a costa leste da América do Sul, a Royal Mail passou ordens ao seu tradicional estaleiro construtor, o Harland & Wolf, de Belfast, para a fabricação de um navio de passageiros de 7 mil t.a.b. (toneladas de arqueação bruta) e capacidade mista, de passageiros e carga. O novo transatlântico receberia o nome de Magdalena, denominação esta de uso tradicional da armadora, pois em 1851 e em 1889 dois de seus navios também haviam recebido o mesmo batismo.

A primeira trave da quilha da obra nº 1.354 foi colocada na rampa de construção em agosto daquele mesmo ano mencionado. Em vista, porém, da enorme escassez de materiais de todo gênero no Reino Unido, foram necessários dois anos para que o novo navio fosse lançado ao mar (11/5/1948) ou quase três anos para que pudesse ser completado.

Homenagem - Quando, em 9 de março de 1949, o recém completado Magdalena foi apresentado publicamente, após a realização de suas provas de mar, todos tiveram a impressão de que a armadora tivesse realizado uma homenagem ao seu próprio passado. Visto de perfil, o transatlântico apresentava a tradicional superestrutura dividida em duas partes, marca registrada de todos os grandes navios da série A construídos por ordem da Royal Mail entre 1906 e 1914.

Na parte da proa, a três quartos desta, erguia-se a estrutura em cujo topo encontrava-se a ponte de comando e, nos conveses inferiores, os alojamentos dos oficiais mais graduados e seus escritórios. Entre estrutura e a parte central do navio, encontrava-se uma separação que correspondia, a nível do casco, ao porão número 3. Na parte central do transatlântico, dominada por uma única chaminé de forma ligeiramente arredondada, encontravam-se todas as áreas sociais, de acomodação e serviços dos passageiros de primeira classe.

Os conveses do Magdalena eram nove ao todo, denominados (de cima para baixo): da observação, dos botes, do passeio, da ponte, da cobertura superior, principal, inferior e de máquinas. Transversalmente ao casco existiam oito bulkheads (paredes divisórias dos compartimentos de navio) que o isolavam em nove grandes compartimentos que, em caso de alagamento de um deles, se tornavam estanques, através do fechamento de suas grandes portas automáticas.

O maquinário de propulsão do navio era construído por duas turbinas de dupla redução acopladas a dois eixos de hélice que produziam 18 mil cavalos-vapor, proporcionando à massa estrutural deslocamentos a 18 nós, com 85 rotações por minuto. Completando-se esta sintética parte de informações de ordem técnica, ressalva-se que o equipamento de navegação era de primeira ordem e o que de mais moderno existia na época da construção: bússolas giratórias e magnéticas, ecobatímetro, piloto automático e um Metropolitan Vickers Seascan, radar com alcance máximo de 27 milhas e posições de leitura intermediárias.

Conforto moderno - De proa inclinada, popa do tipo cruzador, onde, além de seu nome, levava o de London (Londres) como porto de registro, o Magdalena foi desenhado com linhas bem equilibradas, modernas e de bom gosto. Assim também eram os seus interiores, equipados com todo o conforto do primeiro período pós-bélico, inclusive ar condicionado em todas as instalações da primeira classe; seus 133 passageiros da classe superior possuíam cabinas individuais ou duplas situadas nos conveses de passeio e da ponte, enquanto os 347 da terceira classe eram alojados em cabinas de duas, quatro, oito ou dez camas, todas dispondo de lavabo.

O estilo da decoração predominante era o moderno pós-guerra, com móveis retos e funcionais, grandes espelhos, profusão de metais prateados e uso intensivo de carpetes, ao invés de tapetes.

O vasto salão de jantar principal, que atravessava a largura total do navio e que podia acomodar 165 pessoas, fora decorado com painéis laterais de madeira nobre, em cor salmão e creme, e possuía grandes espelhos, que ampliavam a sensação de espaço. O salão para fumantes da primeira classe constituía uma exceção ao modernismo do Magdalena, pois fora desenhado e decorado no estilo campestre alpino, de gosto um pouco kitsch, referente ao Tirol austríaco. O transatlântico possuía, na parte posterior do convés do passeio, uma piscina ao ar livre, completada por um bar-café do tipo Lido.

Era dotado também das outras tradicionais instalações e áreas públicas, tais como biblioteca, salão de leitura, ginásio esportivo, salão de jogos para crianças, dois pequenos hospitais, para sexos diferenciados, e ambulatório de consultas, servido por três médicos, que atendiam os passageiros e tripulantes nos três idiomas maternos de cada um, ou seja, um médico que falava inglês, outro em espanhol e um terceiro, o português.


Cartão postal raríssimo do Magdalena, da coleção de João Emílio Gerodetti, da capital paulista

Viagem única - No dia 9 de março de 1949, o navio largou os grossos cabos de amarra das docas King George V, em Londres, Inglaterra, com destino ao Rio da Prata, via portos intermediários. Quis o destino, porém, que o transatlântico nunca mais voltasse às águas do Rio Tâmisa, pois afundaria na viagem inaugural.

A armadora britânica Royal Mail, ao longo de sua história, já havia sido castigada duas outras vezes pela ação da má sorte, por ocasião de viagens inaugurais: em 1852, o seu vapor Amazon, de madeira e rodas de pá, de 2.256 toneladas, fora vítima de um incêndio fatal, no qual pereceram 104 pessoas, entre passageiros e tripulantes; em 1917, o recém completado Brecknockshire foi capturado pelo corsário alemão Möwe e destruído.

O transatlântico Magdalena, após realizar travessia em direção Sul (onde escalou em Santos em 25 de março de 1949), reiniciou a viagem de retorno à Inglaterra, zarpando de Buenos Aires, Argentina, em 18 de abril, escalando em La Plata e Montevidéu antes de alcançar Santos. O porto santista seria o único porto brasileiro a registrar duas escalas do novo transatlântico, já que este jamais alcançaria de novo o píer da Praça Mauá, no Rio de Janeiro.

Na tarde de 24 de abril, o Magdalena, tendo como prático Constantino Azevedo, desatracou do cais do Armazém 17 da Companhia Docas de Santos (CDS) levando a bordo cerca de 350 passageiros e 230 tripulantes. As suas próximas escalas previstas na viagem ao Norte seriam Rio de Janeiro, Salvador, Las Palmas, Lisboa, Vigo, Cherburgo e Londres.

SOS - Às 4h50 do dia 25, a estação de rádio do Arpoador, no Rio de Janeiro, captou um sinal de SOS, transmitido pelo navio de passageiros Magdalena. No sinal de socorro, informava-se que o Magdalena havia ido de encontro a rochedos da costa em uma posição aproximada de seis milhas ao Sul da Tijuca, na costa do Rio. O Ministério da Marinha, devidamente alertado, providenciou o envio de dois rebocadores de alto-mar, o Tritão e o Tenente Cláudio, e de outros navios auxiliares, enquanto a agência marítima da Mala Real no Rio expedia o rebocador Saturno.

Quando essas embarcações procedentes do Rio de Janeiro chegaram ao local, já se encontrava o cargueiro nacional Goiazloide de prontidão para qualquer emergência. O Magdalena encontrava-se encalhado nos rochedos submersos que formam uma ponta mar adentro, ao Sul das Ilhas Tijuca, a cerca de 300 metros da Barra. Com o casco arrombado, o porão nº 3 fora inundado e, apesar de serem acionadas as bombas de bordo, foi impossível esvaziar o compartimento o corrigir o adernamento fortemente visível.

O comandante do Magdalena, Douglas Lee, velho lobo-do-mar, com 40 anos de navegação, providenciou a guarnição de botes salva-vidas, esperando pelo pior, e, mais tarde acatando sugestões do Comando Naval do Rio de Janeiro, deu ordens para evacuação dos passageiros. Acercaram-se, assim, os rebocadores do navio sinistrado, recebendo muitos passageiros deste e levando-os para serem desembarcados nas ilhas Cobras e Flores.

Reboque - Na madrugada do dia 26 de abril, cerca de 2 horas, com a maré enchente, o Magdalena desprendeu-se sozinho das pedras onde estava encalhado, sendo em seguida fundeado nas proximidades da Ilha Pontuda, pertencente ao arquipélago das Tijucas. Por resolução e solicitação do comandante Lee, foi iniciado um reboque do navio por volta das 8 horas pelos rebocadores Triunfo, da Marinha de Guerra, e Comandante Dorat, da estatal Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro.

Porém, em virtude do fato de estar abicado e adernado e devido ao mar grosso e vento forte, o reboque foi sendo feito com dificuldades, à velocidade de três nós. Por volta das 12 horas, pressentiu-se a bordo que a qualquer momento o navio poderia partir-se em duas partes, razão pela qual, já nas proximidades da Ilha Cotunduba, foi abandonado pela tripulação, ficando a bordo apenas o comandante, um tripulante e o prático-mor do Rio de Janeiro, Antônio Gonçalves Carneiro, que estava a bordo quando o casco se partiu. Os demais tripulantes embarcaram nos escaleres do navio e dirigiram-se para bordo dos dois rebocadores e do caça-submarinos Guaiba, que auxiliava nos serviços.

A despeito do perigo, o reboque continuou, com o navio sendo acossado por fortes ondas, que o faziam mergulhar de proa, que ficava quase submersa, voltando com dificuldades à superfície. Aproximadamente às 14 horas, o navio girou de lado, com o afrouxamento do cabo, ficando com a proa virada na direção da Fortaleza de São João, em Copacabana.

Estando, porém, o porão 3 - a meia nau - totalmente alagado a esta altura, o Magdalena permaneceu durante algum tempo ainda sendo rebocado, até que, em dado momento, partiu-se ao meio, em frente à Praia do Leme, na zona sul da Cidade do Rio, onde milhares de curiosos observavam dos edifícios.

A separação ocorreu na altura do porão 3, isto é, na intersecção do primeiro com o segundo quarto casco. A parte menor fragmentada, a proa, empurrada pelas correntes marítimas e pelo vento, derivou para o Sul até encalhar nas proximidades das Ilhotas Pai e Mãe, onde permaneceria três dias, sendo subseqüentemente, afundada a dinamite. A parte maior remanescente (meia nau e popa - ré) foi encalhada propositalmente na Praia do Imbuí, entre a ponta do mesmo nome e a Ponta das Ostras, nas proximidades da Fortaleza de São João de Niterói, ali permanecendo durante muito tempo, antes do desmonte.

Bagagem salva - Na popa, felizmente para os passageiros, encontrava-se a bagagem e providenciou-se, assim, o transbordo de 200 toneladas de malas, que foram transportadas para o Rio em 29 de abril de 1949. Havia a bordo - e foi considerada perdida - carga de 25 mil caixas de laranja, embarcadas em Santos, bem como 2,8 mil toneladas de carne refrigerada argentina. O valor total de seguro do navio e sua carga montava a cerca de 2,5 milhões de libras esterlinas.

Um taifeiro contou, após o desembarque no Rio, que o comandante Lee dormia na ocasião do encalhe e, ao chegar à ponte de comando depois de ter sido avisado, exclamou, com fisionomia transtornada: "Senhor imediato, o que senhor fez do meu navio?". A mesma pergunta foi repetida pelo representante da armadora Royal Mail, em setembro de 1949, quando se iniciou o inquérito formal nas cortes de Justiça do Reino Unido.

Nunca mais - Ao cabo do processo, passou-se a sentença, que apontou "... a grave negligência do comandante no decurso de uma manobra de aproximação perigosa a um porto de escala". O comandante Lee teve o certificado de comando retirado por dois anos e o imediato, que se encontrava na ponte como responsável pelo navio no momento do encalhe, foi suspenso das funções por um ano.

O irônico desta triste história da perda do Magdalena foi o fato de que a direção da Royal Mail havia decidido oferecer o comando de sua novíssima embarcação ao capitão Lee (então com 60 anos de idade e quatro décadas de navegação na sua honrosa folha de serviço, que incluía missões navais) como prêmio antes de ele se aposentar, fato que aconteceria após o retorno do transatlântico à Inglaterra.

Após ter perdido seu terceiro navio com o nome de Magdalena, a Royal Mail jamais voltou a utilizar tal denominação e o comandante Lee jamais voltaria ao passadiço de comando de qualquer outro transatlântico.

Magdalena:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: britânica
Armador: Royal Mail
País construtor: Irlanda
Estaleiro construtor: Harland & Wolf (porto: Belfast)
Ano da viagem inaugural: 1949
Deslocamento (toneladas): 17.547
Comprimento: 173,8 m
Boca (largura): 22,3 m
Velocidade média: 19 nós
Propulsão: turbinas a vapor, com 19.800 hp e 2 hélices
Tripulantes: 224
Passageiros: 479
Classes: 1ª - 133
                3ª - 346

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 17 e 31/3/1996


Magdalena não passa da viagem inicial

Armando Akio
(Editor de Porto & Mar - A Tribuna)

O transatlântico britânico Magdalena, da Royal Mail (Mala Real), teve curta vida, não passou da viagem inaugural, iniciada em 9 de março de 1949. No dia 24 de abril, ele chocou-se com um recife, ao desviar da rota, em meio a denso nevoeiro, no litoral do Rio de Janeiro, após ter deixado Santos, o único porto que teve a honra de ser escalado duas vezes.

O Magdalena foi entregue ao tráfego sem a ostentação do Titanic. Este também não terminou a viagem inaugural: afundou na noite de 14 para 15 de abril de 1912, há 83 anos, depois de colidir com um iceberg, na travessia entre a Inglaterra e os Estados Unidos. O mês de abril, aliás, é trágico para a navegação.

O casal de portugueses Serafim Barreto Agostinho, comerciante, 54 anos, e Adelaide Rosa das Neves Barreto, 49 anos, radicado em Santos, resolveu rever parentes, amigos e a terra natal. Os filhos José e Waldemar das Neves Barreto, ainda adolescentes, também seguiram viagem.

Para uma merecida segunda lua-de-mel, nada melhor do que viajar a Portugal em um transatlântico em viagem inaugural. Outro não poderia ser senão o britânico Magdalena. A partida de Santos, para Lisboa, a capital portuguesa, estava marcada para 24 de abril de 1949.

As passagens para a família foram adquiridas na agência local, na Rua XV de Novembro, 190. O casal e os dois filhos foram no horário programado, 10 horas, ao cais onde o Magdalena estava atracado.

O casal Serafim e Adelaide Rosa viajou no transatlântico Magdalena

Prenúncio - A saída de Santos estava marcada para 15 horas, mas aconteceu às 17 horas, com 120 minutos de atraso. Este foi como que um prenúncio dos acontecimentos que envolveriam o Magdalena.

Depois do jantar, Serafim, Adelaide Rosa, José e Waldemar fizeram um reconhecimento do navio, conhecendo melhor as instalações. A noite de primavera não apresentava nada de excepcional no ar, a não ser o nevoeiro, na viagem de Santos ao Rio de Janeiro, escala rumo a Lisboa.

Todos foram dormir. De repente, às 4h30 de 25 de abril de 1949, um estrondo, seguido de grande solavanco, desperta não somente a família Barreto Agostinho, mas os demais 333 passageiros e 236 tripulantes. O pânico se instala, mas é efêmero, porque a embarcação se mantinha estável.

Sinal captado - A tripulação não sabia, de imediato, o que ocorrera. Mas, por precaução, enviou um pedido de socorro (SOS). A estação radiotelegráfica do Arpoador, no porto do Rio de Janeiro, captou o sinal.

O pessoal do Magdalena informava que o navio encalhara a seis milhas (11 quilômetros) a Leste da Ilha das Palmas, no Rio de Janeiro, e a meia milha (900 metros) da Barra da Tijuca. As autoridades navais também receberam prontamente o alerta sobre o acidente. Navios e rebocadores rumaram para o local do encalhe.

Toque de sirene - A família Barreto Agostinho não sabia o que acontecia. A sirene de bordo tocava insistentemente. Os tripulantes, por intermédio de alto-falantes, solicitavam que os passageiros subissem para o convés das baleeiras (embarcações salva-vidas). Houve alvoroço nos corredores, mas não pânico.

Os irmãos José e Waldemar lembraram que o desembarque dos passageiros foi coordenado por oficiais (os pais dos dois irmãos não estão vivos atualmente). Todos foram encaminhados a um rebocador, que levou o pessoal para terra.

A Royal Mail providenciou hotel para os passageiros. O casal Barreto Agostinho e os filhos ficaram em um hotel simples próximo à Praça Mauá, no centro do Rio de Janeiro.

Sem vagas - José e Waldemar recordam que o próximo navio da Royal Mail a escalar no Rio rumo à Europa foi o Alcantara, mas não havia acomodações para todos os passageiros. Serafim e Adelaide Rosa tiveram de esperar outro navio durante 17 dias. Foi o português Serpa Pinto, da Companhia Colonial de Navegação. A Royal Mail autorizou o embarque dos demais passageiros. A família Barreto Agostinho seguiu então para Portugal.

O contato da família Barreto Agostinho com o Magdalena não foi dos mais felizes, mas nem por isso deixou de marcar. Os irmãos José e Waldemar não se esquecem das cenas vividas a bordo, passados 46 anos.


A empresa que construiu o Magdalena, de início, não conseguia acreditar que o casco havia se rompido em duas partes

Casco estala e fende-se em 2 partes

Às 12h30 de 26 de abril de 1949, o Magdalena aproximava-se da barra do Rio de Janeiro, já adernado (inclinado), sacudido por vagalhões. Era uma cena dramática. Às 12h50, o casco deu um estalo e fendeu-se em duas partes. A água invadiu a sala de máquinas e a caldeira explodiu, causando pânico a bordo.

As baleeiras encheram-se rapidamente de tripulantes. Outros se atiraram ao mar. Graças às embarcações, que escoltavam o Magdalena, todos foram recolhidos. A proa do Magdalena encalhou e a popa, rodando sobre si, encalhou na Praia de Imbuí. O comandante Lee abandonou então o navio. Aos jornalistas, ele disse apenas: "Aguardem o inquérito oficial".

Surpresa - O acidente repercutiu intensamente em Londres, a capital britânica. Os construtores não acreditavam que o Magdalena havia se partido. O jornal britânico Daily Express publicou a seguinte declaração do comandante D.R. Lee: "Não espero voltar ao mar. Tenho 60 anos e pretendia fazer mais uma viagem, antes de aposentar-me, em julho. Mas, já que o meu navio foi destruído, não pisarei mais em uma ponte de comando". O capitão Lee agradeceu a mobilização da Marinha do Brasil para o resgate dos passageiros. Ele se recusou a comentar as causas do acidente.

Os rebocadores que participaram do resgate do Magdalena foram o Tritão, da Marinha do Brasil, e o Saturno. Os outros navios foram os contratorpedeiros Bauru e Beberibe, os caça-submarinos Guaporé e Guaíba, o navio hidrográfico Jurena e o cargueiro mercante Goiazlloyd.

Mistério - Diversas versões surgiram para explicar o sinistro, mas nenhuma definitiva. O Magdalena contava com todos os equipamentos necessários para uma navegação segura, na época: radar, piloto automático, ecobatímetro (para medir a profundidade do mar).

Alguns afirmaram que o encalhe ocorreu por engano do piloto, que confundira a Barra da Tijuca com a entrada da Baía de Guanabara - ou seja, um erro na rota. Fato é que o transatlântico estava três milhas (5,5 quilômetros) fora da rota de navegação.

Em 28 de abril, a situação do dia anterior mantinha-se. De longe, o Magdalena parecia um navio-fantasma. Os camarotes estavam em desordem. O salão de chá, o bar, dependências luxuosíssimas, tudo estava em ruínas. A proa do Magdalena soçobrou no dia 30 de abril, levando as esperanças de unir as duas partes.

Armadora desiste de usar o nome em navios

Depois do acidente com o transatlântico Magdalena, a armadora britânica Royal Mail desistiu de batizar navios com tal nome. O primeiro foi construído em 1851, o segundo em 1889 e o terceiro, em 1948. O terceiro e último Magdalena foi lançado ao mar em 11 de maio de 1948, quando começou a fase de testes. Ele iniciou a viagem inaugural em 9 de março de 1949.

Os portos de escala do Magdalena em 1949, na viagem de ida, foram: Londres (Inglaterra), Cherburgo (França), Vigo (Espanha), Lisboa (Portugal), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), Montevidéu (Uruguai) e Buenos Aires (Argentina). Quem conta é o pesquisador santista Laire José Giraud, 50 anos.

Na viagem de volta à Europa, o Magdalena escalou de novo em Santos, de onde partiu em 24 de abril de 1949. No cais santista, embarcaram passageiros com destino à Europa e grande quantidade de carga, principalmente caixas de laranjas e café. Os porões frigoríficos do transatlântico já vinham abarrotados de carne embarcada em Buenos Aires e Montevidéu, destinada a importadores britânicos.

O comandante Lee nunca havia sofrido acidente
Prêmio - Outro fato pitoresco na viagem inaugural do Magdalena era que o seu comandante, D.R. Lee, 60 anos, 40 de mar, fora destacado para o serviço como um prêmio.

Seria a penúltima viagem do capitão Lee antes de se aposentar. A folha de serviços dele não apresentava um acidente sequer. Ele participara da Segunda Guerra Mundial, recebera várias condecorações. A sua experiência era vasta.

Ao deixar Santos em 24 de abril de 1949, o Magdalena estava um dia atrasado no cronograma inicialmente previsto para a viagem inaugural. Quando o choque com o recife ocorreu, às 4h30 de 25 de abril, o comandante Lee correu imediatamente para a ponte de comando. O primeiro oficial que encontro foi o imediato. Lee disparou: "Imediato, o que fez com o meu navio?"

Ao perceber a importância do acidente, o capitão ordenou que os passageiros fossem prontamente colocados nas baleeiras. Tudo correu sem pânico e em ordem. O pessoal de bordo avaliou que o acidente não fora fatal para o navio, ainda que montado em uma laje com um rombo no porão 3 de carga. Os tripulantes consideravam que não havia perigo de afundamento imediato.

Suícídio - Apesar de as baleeiras estarem recebendo os passageiros sem problemas, várias pessoas atiraram-se precipitadas ao mar. Entre os resgatados da água, estava o primeiro-piloto do Magdalena, Cyril Senior, que era o oficial de quarto (de turno) no instante do choque. Dizem que ele tentou se suicidar.

Depois de uma análise mais fria, a tripulação percebeu que não seria possível tirar o Magdalena com as próprias máquinas. Lee trancou-se em seu camarote. Os passageiros foram retirados de bordo, menos um octogenário, a neta e a esposa de um oficial. Os tripulantes continuavam na embarcação.

Na manhã de 25 de abril de 1949, todo o Rio de Janeiro, então Capital Federal, já sabia do encalhe do Magdalena. A Avenida Niemayer estava cheia de gente interessada em ver o navio encalhado.

Os tripulantes acreditavam que o Magdalena se safaria da situação com a maré alta, permitindo o reboque. O esperado não ocorreu. Na madrugada de 26 de abril, a maré cheia fez o Magdalena sair do encalhe. O comandante Lee viu as esperanças renascerem. O perigo, entretanto, não fora afastado, pois a embarcação flutuava sobre uma área de recifes.

De manhã, quatro possantes rebocadores puxaram o Magdalena para o largo. O reboque foi lento. O capitão Lee continuou trancado no camarote, sem comer e sem se comunicar.

O transatlântico já estava na altura da praia de Ipanema, quando a popa (ré) desaparecia com as ondas mais altas. Aquela manhã de 26 de abril estava clara, mas o mar estava agitado, furioso. Quando o navio passou por Copacabana, milhares de curiosos estavam espalhados ao longo da praia. Era possível observar tripulantes trabalhando no convés da embarcação.

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 13/7/1995