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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - HISTÓRIA - BIBLIOTECA NM
A História Econômica de Cubatão (18)

Com o título: "Entre estatais e transnacionais: o Pólo Industrial de Cubatão", esta tese de doutorado foi defendida em janeiro de 2003 no Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) pelo professor-doutor Joaquim Miguel Couto, de Cubatão, que autorizou sua transcrição em Novo Milênio. O tema continua:

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ENTRE ESTATAIS E TRANSNACIONAIS: O PÓLO INDUSTRIAL DE CUBATÃO

Prof. Joaquim Miguel Couto

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Capítulo IV

Crise ambiental e reestruturação produtiva (as décadas de 80 e 90)

4.1 - Desenvolvimento insustentável: os sombrios anos 80

Apesar da opulência e riqueza representados pelo seu moderno parque industrial, havia algo de podre por trás daquele imenso progresso conseguido pelo município de Cubatão, em menos de 30 anos. De vilarejo pequeno e pobre para centro industrial dentre os maiores do país, Cubatão pagaria um preço muito alto: a devastação do seu meio-ambiente e a favelização de suas áreas de mangues e serras.

Bastaram apenas 20 anos para que a Serra do Mar se transformasse num paliteiro (troncos de árvores sem folhas). Os rios, outrora de águas claras e de boa qualidade, tornaram-se os veículos das águas usadas pelas indústrias; sua vida terminou. Cerca de trinta toneladas de poluentes eram diariamente despejados na atmosfera de Cubatão. A bela vista, que do alto da Serra encantava a todos, não era mais a mesma no início dos anos 80:

"A vista que outrora se tinha do litoral, desde os pontos elevados da escarpa como a do mirante construído aos tempos de Washington Luiz, a visão deslumbrante, quase comparável à que teve o naturalista Saint Hilaire quando, em 1818, avistou o litoral carioca do Alto da Serra da Boa Vista, é, hoje, quase permanentemente turvada por emanações gasosas ou fuliginosas que se desprendem da Baixada, formando como que uma feia e densa cortina vaporosa cercando intempestivamente o proscênio de amplo palco no decorrer de um belo espetáculo" (Branco, 1984:16).


Auge da poluição na área industrial cubatense, na década de 1980
Foto: enciclopédia Retrato do Brasil (Editora Três/Política Editora, São Paulo/SP, volume I, 1985)

Ostentando elevados índices de poluição ambiental, Cubatão foi premiada pela Organização Mundial de Saúde com o título de cidade mais poluída do mundo [1]. Seus problemas ambientais viraram notícias na imprensa internacional. Se nos anos 50, Cubatão ficou conhecida nacionalmente pela implantação do primeiro pólo petroquímico brasileiro, nos anos 80, tornou-se conhecida em todo o planeta por causa dos crimes contra o meio-ambiente. Pressionada pela opinião pública, Cubatão novamente era pioneira: pioneira na luta pela defesa do meio-ambiente no Brasil [2].

Cabe dizer, entretanto, que a poluição em Cubatão não surgiu nos anos 80, mas, sim, representava o acúmulo de desrespeitos ao meio-ambiente durante várias décadas. Na memória dos mais velhos, a primeira indústria poluidora em Cubatão foi a Cia. de Anilinas e Produtos Químicos, instalada na região desde 1916. Localizada no centro do povoado, na beira de sua principal avenida, a empresa praticava dois tipos de poluição: a atmosférica e a hídrica. Suas duas chaminés, muito altas, vez ou outra, soltavam uma fumaça que enchia os olhos de lágrimas da população.

Já os efluentes da indústria eram despejados no Rio Capivari, pequeno córrego que cortava o povoado, hoje canalizado, que nascia no Rio Cubatão e lançava suas águas num braço de mar do Largo do Caneú. Nos dias de maré cheia, as águas poluídas subiam pelo Rio Capivari, cruzando o povoado e desaguando no Rio Cubatão. Foi assim que morreram os primeiros peixes intoxicados nesse rio, nas primeiras décadas do século XX. A Cia. Santista de Papel era outra empresa pioneira que jogava suas águas sujas no Rio Cubatão.

Lembram, também, esses antigos moradores que, quando da instalação da refinaria de petróleo, muito se conversou sobre os riscos de explosões, mas nada referente à poluição do ar ou da água. Inclusive os jornais cubatenses, dos anos 50, orgulhavam-se das emissões de fumaças das chaminés da refinaria: era o progresso tão sonhado [3].

No entanto, bastou as primeiras petroquímicas entrarem em funcionamento para começar os problemas de poluição [4]. Em novembro de 1956, 17 estudantes foram atendidos no Pronto Socorro de Cubatão e de Santos com problemas de intoxicação. Em março de 1957, ocorreu o primeiro caso documentado de intoxicação aguda por poluição, envolvendo novamente escolares do município (Sá, 1974:31).

Em janeiro de 1961, o jornal Imprensa de Cubatão reclamava da poluição atmosférica, acusando-a pelo baixo rendimento dos bananais ainda remanescentes, bem como do forte cheiro inalado pela população (proveniente da Estireno) [5].

No mesmo mês de janeiro, algumas senhoras, vizinhas à Estireno, foram ao mesmo jornal, munidas de uma lençol onde mostravam o pó negro grudado no pano, afirmando também que uma camada de fuligem atingiu plantas, animais, roupas e pessoas [6].

Em 1963, foi a vez da população de Santos e São Vicente fazerem reclamações sobre a precipitação de pó preto, resultantes, possivelmente, da Refinaria ou da Copebrás. Em 1968, são registrados, no Pronto Socorro de Cubatão, 10 casos de intoxicação por poluentes atmosféricos, identificado como gás cloro (proveniente da Carbocloro). Finalmente, em 1970, deu-se início ao primeiro contato entre a Prefeitura de Cubatão e as empresas industriais na busca de uma redução das emissões poluidoras, "devendo a poluição ser combatida mesmo que este custo seja elevado" (PMC, 1970a:04).

Um estudo da Prefeitura, deste mesmo ano, reconhecia a possibilidade de uma correlação positiva entre a poluição atmosférica e a alta incidência de moléstias respiratórias na Baixada Santista, além de constatar que os líquidos residuais das indústrias haviam matado a vida aquática do Rio Cubatão, o maior e mais importante rio da Baixada Santista (Ibid., p.09/24) [7].

Um fator que ajudou a complicar o problema da poluição na cidade foi a sua própria característica física, principalmente topográfica e orográfica (Gutberlet, 1996:22). A Serra do Mar, no trecho do município de Cubatão, tem a forma de uma pinça de caranguejo ou de uma ferradura [8].

Com essa configuração, parte da planície de Cubatão está dentro de uma cratera, justamente onde está assentado o parque industrial. Esse formato da Serra dificulta, assim, a circulação do ar e a dispersão dos poluentes [9]. Para Branco (1984:26), essa caixa possui uma tampa que pode ser fechada nos momentos de inversão térmica, complicando ainda mais os níveis de poluição da área [10].

Diante de seus problemas ambientais, a Prefeitura de Cubatão, num marco inédito na história do país, promoveu o I Seminário sobre Poluição do Ar e das Águas na Baixada Santista. Realizado em março de 1971, o seminário discutiu o potencial poluidor das indústrias do município e os problemas dos esgotos despejados nos rios e braços de mar de toda a Baixada Santista. Solicitou, ao final, a ajuda do Governo Estadual para que o Fundo Estadual de Controle da Poluição do Ar assegurasse condições necessárias para a solução dos graves problemas relativos à poluição do ar. Dado o sucesso do seminário, a Prefeitura de Cubatão promoveu, em julho de 1972, o II Seminário sobre Poluição, visando objetivos mais concretos do que teóricos. No final desse seminário, em 21/07/1972, foram instaladas as três primeiras estações de medição da poluição, mais precisamente da taxa de corrosividade do ar (Sá, 1974:42).

Esses seminários realizados em Cubatão demonstravam que a poluição já atingia, naquele início da década de setenta, índices elevados e que estavam comprometendo a saúde da população. Foram pioneiros e ousados, pois se vivia em plena ditadura militar, onde as maiores poluidoras eram as indústrias estatais (Refinaria, Cosipa e Ultrafértil) e o município ainda era considerado área de Segurança Nacional.

Embora de impactos modestos na imprensa da própria Baixada Santista (sem chegar à Capital do Estado), os seminários da Prefeitura foram realizados antes mesmo da Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, de 1972 (Estocolmo/Suécia), mostrando que os problemas práticos de Cubatão motivavam a discussão de suas soluções [11].

Não podemos nunca esquecer, contudo, que a industrialização brasileira foi tratada pelo Estado como de interesse nacional, acima de tudo e de todos, não respeitando o direito individual de ninguém. Segundo Ferreira (1993:14), a posição oficial do país na Conferência Mundial das Nações Unidas (1972) era a "opção pelo desenvolvimento a qualquer custo em detrimento da qualidade dos sistemas naturais". O próprio programa do II PND, de 1974, era bem claro nesse aspecto: "Não é valida qualquer colocação que limite o acesso dos países subdesenvolvidos ao estágio de sociedade industrializada, sob pretexto de conter o avanço da poluição mundialmente" (Brasil, 1974:84) [12].

Tentando contornar os seus problemas e buscar uma base mais sustentável para suas medidas concretas, a Prefeitura de Cubatão solicitou ao Dr. Pedro Tosta de Sá (médico da própria Prefeitura), a coordenação de um estudo sobre a poluição na Baixada Santista, cujo foco principal seriam as indústrias de Cubatão.

Esse trabalho foi concluído em 1974, sendo que a primeira constatação era que a própria topografia da região de Cubatão dificultava a dispersão da poluição atmosférica. Lista, em seguida, os potenciais poluidores industriais e seus possíveis poluentes, demonstrando, contudo, grande cuidado nas acusações ao utilizar as palavras potenciais e possíveis. Dentre estes produtos, os que se destacam por sua periculosidade eram o pentaclorofenol, da Rhodia, e o isocianato de metila, da Union Carbide.

A conclusão do estudo diz que "a poluição ambiental na Baixada Santista existe sendo seus principais responsáveis, com referência ao ar, o Parque Industrial de Cubatão e, com referência as águas, o sistema deficiente de rede de esgotos dos municípios, o porto de Santos e os canais de drenagem" (Sá, 1974:83).

Sabendo, ou não, do que estava acontecendo em Cubatão, o presidente da República, General Ernesto Geisel, em 1975, retirou dos municípios o direito de fechar indústrias poluidoras. Ferreira (1993:39) não esconde a sua impressão de que "além de exibir números astronômicos dos níveis de faturamento e da produção, o complexo industrial contou sempre com a capa protetora dos Órgãos de Segurança Nacional" [13].

Apesar do movimento interno em Cubatão sobre os problemas da poluição, o silêncio sobre o caso, em âmbito nacional, era absoluto. Somente com o anúncio das primeiras mortes, em 1975, causada por intoxicação aguda ao pentaclorofenato de sódio (conhecido como pó-da-China), as coisas começaram a mudar. Tratou-se dos falecimentos de Mário de Andrade Araújo e Wanderval Leão Santana, funcionários da Clorogil/Rhodia que trabalhavam na fábrica de Penta.

As duas mortes repercutiram na imprensa, inclusive na Capital, causando clamor popular, que motivou na criação de uma Comissão Especial de Vereadores, em 1978. Nesse mesmo ano, por pressão dos trabalhadores e da sociedade organizada, a Rhodia fechou a sua fábrica de Penta. Além da contaminação dos empregados, foram encontrados lixões clandestinos da empresa, datados de 1976 a 1984, em áreas dos rios Cubatão, Perequê e Pilões (em Cubatão), no Bairro de Samaritá (São Vicente) e num sítio em Itanhaém (Sindicato, 1995:32) [14].

Finalmente, em 1980, o silêncio em torno da poluição de Cubatão foi quebrado: a Cetesb admitiu à Promotoria da 1ª Vara de Cubatão "a possibilidade de ocorrer uma catástrofe em Cubatão, caso não fossem controladas as 30 toneladas diárias de poluentes lançados na atmosfera" (Ferreira, 1993:67).

Em razão dessa confirmação da Cetesb, foi criada a 1º de outubro de 1980, uma Comissão Especial de Inquérito (CEI), pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, "para apurar possíveis irregularidades no Município de Cubatão e dar soluções aos problemas da poluição ambiental" (Ibid., p.58). A Comissão entregou, em agosto de 1981, o seu Relatório Final admitindo os níveis elevados de poluição atmosférica na cidade. Trata-se de um dos primeiros documentos que admitiam a correlação positiva entre poluição e desenvolvimento [15].

Mesmo assim, somente com a divulgação dos primeiros casos de nascimento de crianças anencefálicas (inexistência da calota craniana), e sua possível correlação com os índices elevados de poluição atmosférica, foi que o caso Cubatão chegou à televisão, sendo noticiado em todo o país (Ibid., p.64) [16]. A expressão Vale da Morte, em referência ao município de Cubatão, ganhava projeção nacional, passando a cidade a ser vista como doentia e condenada [17].

Sentindo-se pressionadas pela opinião pública, as indústrias de Cubatão formaram o Grupo de Trabalho Vale da Vida, em 27 de outubro de 1981. O Grupo propunha a criação de uma zona industrial ligada diretamente ao Governo do Estado de São Paulo e não mais ao município de Cubatão, visando economias de escala e maior racionalidade na utilização dos recursos (Ibid., p.94).

A população cubatense, por sua vez, formou a Associação das Vítimas da Poluição e das Más Condições de Vida de Cubatão, realizando, em abril de 1982, o seu primeiro congresso. Em 5 de junho de 1982, dia Internacional do Meio-Ambiente, a Associação organizou uma grande manifestação pelas ruas de Cubatão. Os jornais da época anunciaram que Cubatão foi palco da maior manifestação em massa na defesa do ambiente já realizada no país (Ibid., p.123). Gutberlet (1996:196) afirma que foi a mobilização popular e da comunidade cientifica, com o precioso apoio da mídia, que fez o caso Cubatão acontecer para o mundo.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), percebendo a gravidade do caso Cubatão, criou o "Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Cubatão". Em sua 34º Reunião Anual, em 1982, a SBPC elegeu o caso Cubatão como destaque principal do evento, através do tema "Estocolmo 72 X Cubatão 82".

Em março de 1982, o presidente da República, General João Baptista Figueiredo, através do Decreto Presidencial n.º 87.000, criou uma Comissão Interministerial com o objetivo de coordenar medidas de recuperação, controle e prevenção da qualidade ambiental em Cubatão.

Segundo Ferreira (1993:30), na verdade, a Comissão foi criada por causa da pressão da opinião pública internacional sobre o Ministério das Relações Exteriores, incluindo pressões das empresas transnacionais que tinham seu nome vinculado à contaminação ambiental, refletindo no valor de mercado dessas companhias. A criação da Comissão Interministerial colocava Cubatão na categoria dos problemas de interesse nacional. Após 18 meses, a comissão foi desativada, entregando um relatório contento 30 recomendações, de pouco efeito prático.

A Cubatão daquele início dos anos 80, caótica e sofrida, foi interpretada e transposta ao papel pelo ecólogo Samuel Murgem Branco, que visitou a região naquela época:

"Desenvolvimento é um processo que tem por objetivo final e insofismável elevar o grau de felicidade comum. O sacrifício de vidas, saúde, bem-estar e valores culturais em nome do desenvolvimento econômico constitui, em si mesmo, uma contradição flagrante. Considerar Cubatão como uma célula de desenvolvimento para populações distantes é plantar o embrião de uma idéia - já bastante explorada em romances de ficção - de transferir a humanidade para planetas próximos e reservar a Terra para as atividades industriais (...)

"Não é razoável, a qualquer país ou região, colocar como termos de opção, o desenvolvimento econômico ou a saúde da população; a indústria ou o meio ambiente; a civilização ou a preservação das espécies. Dizer-se que Cubatão passa a ser a sede ideal da indústria paulista e ‘os incomodados que se mudem’ é decretar o extermínio de um patrimônio biológico que há décadas vinha sendo objeto de estudos fundamentais por cientistas nacionais e estrangeiros, patrimônio este preservado na Reserva de Paranapiacaba, o qual serviu como local de aprendizado, treinamento e pesquisa a inúmeras gerações de biólogos e naturalistas da Universidade de São Paulo. Talvez fosse possível mudar-se o homem de Cubatão; mas certamente não será possível mudar a floresta da Serra do Mar.

"Lugares históricos, de rara beleza paisagística e selvagem, como o íngreme vale cuja vista é dominada pela tradicional pousada do Alto da Serra acham-se devastados com suas árvores mortas ou enfraquecidas pelos gases e fumaças exalados pelas chaminés de Cubatão, os solos sulcados por deslizamentos, os rios pedregosos e encachoeirados atulhando-se de terra e detritos oriundos desses deslizamentos" (Branco, 1984:08/09).

Mesmo com toda a repercussão na imprensa e nos meios políticos, as indústrias de Cubatão não haviam recebido nenhuma medida punitiva até aquele momento. O status quo começou a mudar com a posse do novo governador do Estado de São Paulo, André Franco Montoro, em 1983.

Montoro concedeu alta prioridade ao controle da poluição ambiental em Cubatão. Para isto, reestruturou e fortaleceu a Cetesb. A nova Cetesb criou, então, o Programa de Controle da Poluição Ambiental em Cubatão, que teve seu início em julho de 1983, propugnando três frentes: controle de fontes de poluição, apoio técnico às ações de controle, e educação ambiental e participação comunitária. Já em 1984, todas as indústrias do Pólo de Cubatão foram autuadas pela Cetesb.

Por estranho que possa parecer, a maior parte da população de Cubatão só tomou conhecimento que vivia num local altamente poluído através da imprensa e da televisão. Era inclusive comum ouvir de populares que as denúncias sobre a poluição na cidade eram exageradas, pois não sentiam o efeito da poluição em seu organismo, mas somente o cheiro, ocasional, de produtos químicos durante a noite, e apenas em alguns bairros. De acordo com Gutberlet (1996:30), essa atitude deveu-se à "difícil percepção sensorial dos produtos tóxicos liberados no ambiente".

Na verdade, a grande maioria da população de Cubatão não se importava com as denúncias de poluição divulgadas pela mídia. Diziam que os bairros de Vila Parisi e Jardim São Marcos (em Piaçagüera) eram realmente poluídos, mas não o restante da cidade. Aliás, parte da população negava o estigma Vale da Morte, associando-o apenas a Vila Parisi. Afirmava-se com freqüência que "Cubatão não era a Vila Parisi" [18].

Mas a realidade era bem diferente. Outros bairros de Cubatão também sofriam com a poluição ambiental, principalmente o centro da cidade, mas Vila Parisi se destacava tremendamente: o ar era mais sufocante. Geralmente, nos domingos (início da década de 80) não fazia sol em Vila Parisi, pois as indústrias aproveitavam o final de semana para lançarem seu material particulado pelas chaminés. Mesmo assim, segundo algumas famílias dessa vila, era melhor levar os filhos ao pronto-socorro, vítimas de asma e bronquite provocado pela poluição, do que voltar para as regiões pobres de onde saíram, sem água e comida [19].

Começou então a pressão, principalmente das indústrias, para que Vila Parisi fosse extinta. Para muitos, as indústrias estavam interessadas no espaço que a Vila Parisi ocupava, aproximadamente 460.000 m². Em 1983, a vila tinha cerca de 20 mil pessoas e a maioria dos trabalhadores eram operários das empreiteiras (Brandão, 2000:65/68).

Em 1985, o prefeito nomeado, Osvaldo Passarelli, através do decreto municipal n.º 4.045/85, deu início à transferência dos moradores de Vila Parisi. Em maio de 1986, as primeiras 95 famílias foram transferidas. Os últimos moradores foram removidos em 14 de maio de 1992. No dia 24 de maio, a Prefeitura de Cubatão promoveu um grande show, denominado Vitória da Vida, em comemoração à extinção definitiva do bairro. O palco, armado na própria Vila Parisi, teve como sua principal atração o cantor Roberto Carlos, atraindo mais de 60 mil pessoas.

Durante o ano de 1983, o movimento em torno do problema ambiental esvaziou-se em Cubatão: "era o silêncio que antecede à explosão de uma bomba", nas palavras de Rodrigues (1985). Sábado, dia 24 de fevereiro de 1984, a Vila São José (mais conhecida como Vila Socó) estava feliz: um vazamento do Oleoduto Santos-São Paulo que cruzava toda a Vila-Favela, durante a tarde, deixou escapar centenas de litros de gasolina. A população, cerca de 1.200 famílias, correu para armazenar o líquido precioso, para vender mais tarde aos proprietários de veículos. Eram os preparativos para a tragédia.

Sábado, 23h30, a Refinaria de Capuava iniciava o bombeamento de gasolina para o Terminal da Alemoa (em Santos), através do Oleoduto Santos-São Paulo. Por falha na comunicação, as válvulas dos tanques OC-5 e OC-7, na Alemoa, estavam fechadas. A pressão sobre o Oleoduto fez com que o duto A-S, o mesmo que estava vazando em Vila Socó, não suportasse a carga, estourando. Cerca de 700 mil litros de gasolina espalharam-se por todo o mangue, onde estavam assentadas as palafitas de Vila Socó. O problema demorou a ser detectado pela Petrobras.

Madrugada de domingo, 25 de fevereiro, a Vila Socó explodiu. Um mundo de fogo tomou conta, em poucos minutos, de toda a favela. Tudo estava em chamas: nos casebres, nas pontes de madeira sobre o mangue e na água. Quem conseguia sair de casa, caía na água em chamas. O combustível armazenado em várias casas ajudava à propagação do fogo. O pânico espalhou-se pelas ruas de todo município. As pessoas fugiam da cidade, receando que toda ela explodiria, inclusive a Refinaria. A cidade não explodiu, muito menos a tão protegida Refinaria Presidente Bernardes (Ferreira, 1993; Rodrigues; 1985).

Os bombeiros nada puderem fazer, a não ser olhar a gasolina ser consumida pelo fogo. Na manhã de domingo, dezenas de corpos carbonizados foram enfileirados na beira da avenida Bandeirantes (antigo aterrado entre Cubatão e Santos). Os corpos pareciam de crianças, tão pequenos que ficaram depois de carbonizados. O cheiro forte era horrível e a fumaça continuava a sair da terra queimada do mangue. No mesmo dia, o presidente da Petrobras, Shigiaki Ueki, chegou de helicóptero na região, mas foi rapidamente aconselhado a deixar o local, para não ser linchado pela população. Restava a contagem dos mortos [20].

Nem todos os corpos reclamados pelas famílias foram encontrados. Havia muitos pedaços espalhados pelo mangue. Oficialmente, morreram 99 pessoas. Contudo, acredita-se que o número de vítimas foi muito maior, entre 500 a 700 pessoas, haja vista que famílias inteiras devem ter sido queimadas, não sobrando ninguém para reclamar seus corpos [21].

O laudo técnico admitiu que a ruptura do duto resultou da corrosão de sua face exterior, cuja espessura ficou restrita a apenas meio milímetro (Rodrigues, 1985:17). A Petrobras, por sua vez, assumiu a culpa pelo vazamento, mas retrucou que, quando construiu o Oleoduto Santos-São Paulo, não havia moradias ao lado das tubulações dentro do mangue. O dia 15 de fevereiro de 1984 foi o momento mais trágico da história de Cubatão. Jamais será esquecido.

Em junho de 1984, foi a vez da Cosipa aterrorizar os seus empregados com a notícia, divulgada pelo Sindicato do Metalúrgicos de Santos, de que a exposição ao benzeno estava descontrolada na área da Coqueria. Na ocasião já havia 83 casos registrados de leucopenia na empresa. Em dezembro de 1984, ocorreu a primeira tragédia: o funcionário Antônio Higino dos Santos morreu de leucemia, provavelmente contraída pela exposição ao benzeno. "Gerou-se uma situação de quase pânico na usina", relata Rebouças (1989:95) [22].

Na realidade, a situação dos empregados do Pólo Industrial de Cubatão, não só os da Cosipa, era de perigo iminente. Em setembro de 1984, foi decretado estado de emergência em Cubatão, em razão do alto índice de material particulado na atmosfera. Era o primeiro decretado no Brasil [23]. Logo em seguida, um vazamento de 20 mil litros de nafta do Oleoduto da Petrobras, no bairro 31 de Março, provocou a fuga desesperada de cerca de 15 mil pessoas pelas ruas de Cubatão.

No dia de 5 de dezembro, uma notícia vinda de Bhopal (Índia) deixou Cubatão em pânico: um vazamento de isocianato de metila da Union Carbide havia matado 1.200 pessoas. O terror justificava-se em razão da Union Carbide de Cubatão utilizar o mesmo material na fabricação do defensivo agrícola Temik. O mesmo defensivo havia sido proibido nos Estados Unidos e Canadá (Ferreira, 1993:143).

Em 26 de janeiro de 1985, um vazamento de 15 mil toneladas de gás de amônia da tubulação que liga a Ultrafértil-Centro a Ultrafértil-Mogi, na altura da Union Carbide, exigiu a evacuação imediata de 8 mil moradores da Vila Parisi (Gutberlet,1996:89). Assomado a tudo isso, um novo elemento entrava em cena: a chuva ácida [24].

As notícias sobre a poluição em Cubatão atravessaram as fronteiras nacionais e ganharam o mundo. A cidade tornou-se matéria em revistas conceituadas como a Newsweek (1983), Time Magazin (1983) e Der Spiegel (1984), entre outras (Gutberlet, 1996:88). Com essa divulgação internacional, não tardou para Cubatão ser classificada pela Organização Mundial de Saúde como a cidade mais poluída do mundo [25].


O apelido "Vale da Morte" ganhava as manchetes internacionais
Reprodução de página do jornal estadunidense The New York Times, de 19/9/1980

Tornou-se consenso geral, entre pesquisadores e técnicos da Cetesb, que o auge do processo de degradação da vegetação na Serra do Mar ocorreu em 1985. Naquele ano, as fortes chuvas do mês de janeiro provocaram inúmeros deslizamentos na Serra do Cubatão, pondo em risco o Pólo Industrial e a população da cidade.

Em 15 de janeiro de 1986, o Ministério Público e a ONG Oikos (já extinta) apresentaram uma ação responsabilizando as 24 indústrias do Pólo de Cubatão pelos danos causados à Serra do Mar. A ação correu em sigilo, pois era quase certo que um deslizamento das encostas da Serra poderia acontecer a qualquer momento, soterrando todas as indústrias e habitações próximas à escarpa [26].

O perigo dos deslizamentos na Serra do Cubatão sempre foi uma das questões mais importantes, tanto para as indústrias como para o Governo Estadual e Federal. Os poluentes litotóxicos, especialmente os fluoretos (abundantes na região), provocaram gradativamente a morte da vegetação arbórea que, por sua vez, rompeu o equilíbrio das escarpas da Serra, causando deslizamentos cada vez maiores, ameaçando o Pólo Industrial, as estradas e as vilas incrustadas nas encostas (Pompéia, 1989:13/14).

Até 1962, os escorregamentos estavam localizados na bacia do Rio Cubatão, nas proximidades da Usina Henry Borden e da Via Anchieta. Mas durante as décadas de 60, 70 e 80, os deslizamentos tornaram-se freqüentes também nas bacias dos rios Perequê, Mogi e Quilombo (este já na cidade de Santos) [27].

Para frear a erosão das encostas da Serra, foi necessária, além do controle da poluição ambiental, a recuperação da cobertura das áreas degradadas. O primeiro passo foi a semeadura de gramíneas, por parte das próprias indústrias. Em seguida, iniciou-se o plantio de espécies nativas pelo Instituto de Botânica da USP. Por fim, fez-se a semeadura aérea, com espécies de plantas resistentes aos poluentes atmosféricos de Cubatão (Ibid., p.15).

Segundo Gutberlet (1996:60/64), uma grande relação de espécies de plantas foram extintas ou gravemente afetadas pela poluição. Poucas, como a Quaresmeira, espécie resistente à poluição, conseguiram se salvar. A parte da floresta, na Serra do Cubatão, mais atingida pela poluição ficava nas faixas mais elevadas da encosta (entre 400 a 700 metros). Era nessa faixa que ocorria a maioria dos deslizamentos de terra, tanto pela sua maior inclinação como pelos poluentes atmosféricos vindos não só de Cubatão, mas também da região da Grande São Paulo.

A bióloga afirmava que cerca de 60% da floresta, situada entre a Estrada Velha (local da Refinaria) e a Serra do Morrão (Cosipa e indústrias de fertilizantes), foi atingida gravemente pela poluição. A situação mais grave encontrava-se nas encostas dos vales do rios Mogi e Cubatão, onde cerca de 80% da cobertura arbórea tinham sido fortemente degradadas (Gutberlet, 1996:196).

Em 1988, a Assembléia Constituinte foi contagiada pelo caso Cubatão. A nova Constituição brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, trazia a proteção ambiental contemplada no artigo VIII, capítulo VI, onde era prevista a realização de Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental antes da realização de projetos de desenvolvimento e obras públicas. Recebeu proteção especial, pela Constituição Federal, as regiões como a Serra do Mar (Ibid., p.47).

Também nesses anos, passaram a se exigir licenças de instalação e de funcionamento, emitidos pela Cetesb, para novas unidades industriais. Até hoje, as licenças só são emitidas quando do cumprimento integral de todas as exigências técnicas da Cetesb para o controle ambiental, atendendo também a legislação municipal de uso do solo (Cetesb, 1988:12).

No final dos anos 80, felizmente, o volume de poluição atmosférica, das águas e do solo diminuiu em grande proporção, graças ao Plano de Controle da Cetesb. Por esta razão, em 1992, a ONU outorgou à Cubatão, na ECO 92, o Selo Verde como Cidade-Símbolo da Ecologia e Exemplo Mundial de Recuperação Ambiental [28].

O guará-vermelho que havia abandonado a região na década de 60, voltou aos mangues e os peixes retornaram ao Rio Cubatão (PMC, 1999:25). Foram identificados, nos mangues de Cubatão, mais de 180 espécies de aves (águia, gaviões, falcões e garças), além de animais como tartarugas marinhas, guaxinins, lontras e jacarés-do-papo-amarelo (Ibid., p.68).

Em 1999, 93% das fontes poluidoras estavam controladas e a previsão era de que chegaria a 100% de controle no ano de 2008 (Ibid., p.25). Até o ano de 2001, as indústrias do Pólo de Cubatão tinham investido cerca de US$ 915 milhões em medidas destinadas a controlar a poluição; somente a RPBC gastou em torno de US$ 60 milhões (RPBC, 2000:08).

Mesmo depois de todo esse envolvimento de restauração da vida em Cubatão, os acidentes continuaram a acontecer no Pólo Industrial. No dia 29 de abril de 1992, 15 adultos e 259 crianças foram atendidas nos prontos-socorros do município com problemas respiratórios. Já em junho do mesmo ano, ocorreu um vazamento no Rio Cubatão de 10 mil litros de óleo da RPBC.

Em 27 de janeiro de 1998, outro vazamento, agora de quatro toneladas de amônia da Ultrafértil, atingiu o Jardim São Marcos, em Piaçagüera, necessitando que se evacuasse às pressas toda a região. Atualmente, o pólo industrial conta com um Plano de Ação Mútuo entre suas grandes indústrias, em caso de acidentes graves.

Em meados da década de 90, a pesquisadora alemã Jutta Gutberlet retornou a Cubatão e, apesar dos avanços alcançados em uma década de luta ambiental, suas impressões, sobre a poluição de Cubatão, deixaram novamente a comunidade preocupada:

"Retornando a Cubatão alguns anos depois da realização de meu estudo, verifico que continuam os problemas de degradação/contaminação ambiental, de exclusão social e econômica (...) Os resultados das campanhas e dos planos do governo para o combate à poluição, lançados a partir de 1985, no auge das discussões sobre Cubatão, ainda são insatisfatórios. Para melhorar a qualidade ambiental, é preciso não só diminuir e controlar a poluição, mas também discutir outros instrumentos e estratégias de ação, focalizando a sustentabilidade do desenvolvimento.

"Os princípios da prevenção e do poluidor-pagador são concepções viáveis, que podem encaminhar para o desejado desenvolvimento sustentável. O combate à poluição atmosférica, hídrica e do solo é uma exigência fundamental. A conscientização ambiental também contribui, fornecendo estímulos para uma produção mais limpa (...) Fontes oficiais afirmam que ‘Cubatão recebeu um novo ar’ e que ‘o vale da morte pertence ao passado’. Uma visão crítica reitera, no entanto, a importância de continuar lutando por um ambiente mais saudável. Infelizmente, a poluição ainda não perdeu o fôlego" (Gutberlet, 1996:17/18) [29].

Não resta dúvida de que a poluição existente atualmente em Cubatão é bem menor que àquela detectada em 1985, no entanto, como afirmou Gutberlet acima, a luta ainda não acabou. Sem um permanente controle, as unidades industriais podem novamente voltar a poluir a região.

O que nos torna menos pessimistas, contudo, é que fotos aéreas tiradas da Serra do Mar revelam que a semeadura do final dos anos 80 está surtindo efeito, pois a mata voltou a crescer nos vastos pontos de erosão (PMC, 1999:25). Ao que parece, a vida está voltando ao Vale da Morte.

Em visitas as unidades industriais e as encostas da Serra do Mar, neste início do século XXI, constatamos, com surpresa, que Cubatão está próximo do chamado crescimento sustentado: produção industrial em expansão sem agressão ao meio-ambiente. As árvores próximas aos grandes complexos emissores de material particulado estão verdes e sem poeira nas folhas. Não existem mais os paliteiros na Serra do Cubatão.

O interessante a notar, também, é que mesmo com todo o problema ambiental, nenhum dos pesquisadores que examinaram o caso Cubatão sugeriram a transferência ou o fechamento das unidades industriais instaladas na cidade [30]. Dado o monumental capital aplicado, principalmente pelo Governo Federal, ficava quase impossível uma transferência do parque industrial sem causar sérios prejuízos à economia do país [31].


Cubatão: dezenas de indústrias modernas, e a maior poluição do mundo
Foto: enciclopédia Retrato do Brasil (Editora Três/Política Editora, São Paulo/SP, volume I, 1985)


NOTAS:

[1] Entende-se por poluição ambiental "as alterações ou agravamento das alterações qualitativas ou quantitativas da composição do ar, da água ou do solo, quer sejam de caráter físico, químico ou biológico, que possam por si ou em combinação com elementos ou compostos existentes no ambiente: 1- acarretar prejuízos à saúde, à segurança e ao bem estar das populações; 2 - ocasionar malefícios à fauna e à flora; 3 - afetar processos industriais; 4 - desperdiçar ou deteriorar matéria-prima; 5 - ocasionar prejuízos econômicos diversos, quer seja através da deterioração de elementos construtivos, equipamentos e instalações, quer seja através da maior necessidade de limpeza em geral" (Sá, 1974:03).

[2] "Cubatão entrou para a história da industrialização brasileira em dois momentos: na década de 50, quando o País deu partida a um ambicioso programa visando à auto-suficiência em insumos fundamentais para o nosso desenvolvimento (combustíveis, produtos petroquímicos, siderúrgico e fertilizantes); e na década de 80, em decorrência do modelo industrial da época e devido à ausência de legislação ambiental adequada, quando se transformou numa das regiões mais degradadas do mundo - o Vale da Morte" (RPBC, 2000:06).

[3] O poeta cubatense Silvano Rodrigues captou a essência desse período em sua poesia "Onde há fumaça, há ... emprego", ainda inédita, de 2001:

"Termina 50, começa a nova década
Vem gente de todo lugar, tão ficando
Olha tem fumaça! Que legal! Tem promessa, tem progresso
O trabalho é duro, de sol a sol,
Usa esse material reflaotário
Operário não é gente é resultado
O dinheiro é bom, tem valor, aqui eu me aposento
Hoje eu não to bem
(...)
Sobra emprego, falta gente
Olha tem fumaça! Tem desenvolvimento
Hoje não to legal, toma um leite!
(...)
Um médico quis me abrir, acho que sei ...
Olha a fumaça, desenvolve outras coisas
Me afastaram, acho que vão me aposentar
Olha, tem fumaça, não tem futuro".

[4] "A localização da Refinaria e demais indústrias do Pólo de Cubatão baseou-se exclusivamente em fatores econômicos e na disponibilidade de recursos naturais. Nesta época por ausência de metodologias e legislações específicas tais empreendimentos não foram implementados com base em estudos de análise de riscos e nem em estudos e relatórios de impactos ambientais que visariam identificar e analisar os aspectos ambientais associados a totalidade dos processos produtivos, às condições geográficas e climáticas da região e determinar medidas preventivas e corretivas para eliminar ou reduzir ao máximo em tais aspectos" (RPBC, 2001:01).

Samuel Branco (1984:100) afirma que "no planejamento inicial do complexo industrial - se é que existiu algum planejamento além da disputa pelos recursos federais e pela conveniência política e estratégica da sua localização - nenhuma consideração de ordem ecológica ou sociológica foi feita, pois não era habitual".

O mesmo afirma a Cetesb (1986:07): "O aspecto ambiental era praticamente desconhecido ou ignorado quando da análise de investimentos no Município [décadas de 50 a 70]. O perfil topográfico, as características meteorológicas e a concentração de indústrias de alto potencial poluidor do ar, da água e do solo produziram um rápido processo de deterioração ambiental"
Para a ecóloga e socióloga, Lúcia da Costa Ferreira, pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM) da UNICAMP, "a única perspectiva levada em conta na avaliação de projetos era econômico-financeira e nem existia pressões políticas sobre restrições ambientais" (Ferreira, 1993:41).

[5] A notícia publicada, na edição de 01/01/1961, era a seguinte: "A poluição atmosférica, fenômeno existente em todas as cidades industriais, em Cubatão manifesta-se de forma acentuada, tendo sido criado uma lei especial regulamentando o lançamento de resíduos na atmosfera (...) Os antigos moradores das margens da estrada ferroviária, continuam fazendo da terra o seu meio de subsistência.

"E ainda a banana continua sendo o principal produto de cultivo. De ano para ano cai a sua produção em Cubatão. Enquanto nos anos anteriores a 1949, o município chegou a produzir anualmente 1 milhão de cachos da musácea, hoje essa produção não atinge sequer a casa dos 120 mil (...) Aduzem ainda, que os bananais existentes, não produzem normalmente, sofrendo a influência de gases atmosféricos provocados pela queima de detritos nas fábricas do setor petroquímico" (Imprensa de Cubatão citado por Ferreira, 1999:69/70).

[6] Sobre esse assunto, o Imprensa de Cubatão publicou a seguinte manchete no dia 22/01/1961: "Poluição atmosférica: donas de casas de Cubatão revoltadas com a Estireno pedem a ação da Lei Municipal" (Citado por Ferreira, 1999:70).

[7] Estudo da Faculdade de Arquitetura da USP, de 1968, não tinha dúvidas sobre a poluição de Cubatão: "A gravidade da poluição do ar na área de Cubatão não necessita de maiores afirmações, pois é problema fartamente constatado e cujos efeitos se pronunciam diariamente, causando prejuízos à saúde e tornando o local desagradável" (FAUUSP, 1968a:09).

[8] "O relevo da Serra apresenta, na região, duas singularidades: excessiva inclinação das escarpas e curiosa forma de pinças de caranguejo" (Rodrigues, 1965:25).

[9] "A Serra do Mar comporta-se como uma barreira natural aos ventos das direções sul, sudeste e sul-sudoeste, o que dificulta a dispersão das emissões industriais e faz com que haja níveis alarmantes de poluição" (Gutberlet, 1996:22).

[10] A inversão térmica é um fenômeno que ocorre principalmente no inverno, quando o solo sofre um resfriamento rápido, tornando a camada inferior do ar mais fria que as superiores. A camada de ar fria fica impedida de subir pela camada quente, que tende a baixar. Dessa forma, a poluição liberada pelas indústrias fica aprisionada, impedida de dissipar-se (Gutberlet, 1996:58).

[11] A temática ambiental teve sua inflexão nos países desenvolvidos a partir da Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Mas no Brasil, a inflexão real só surgiu no início da década de 1980, com o caso de Cubatão. Antes disso, a Conferência das Nações Unidas teve pouca ressonância do Brasil, ficando restrita aos meios mais intelectualizados e a literatura especializada (Ferreira, 1993:37).

[12] "Na conferência de Estocolmo, em 1972, o governo brasileiro foi o principal organizador do bloco dos países em desenvolvimento que tinham uma posição de resistência ao reconhecimento da importância da problemática ambiental (sob o argumento de que a principal poluição era a miséria) e que se negavam a reconhecer o problema da explosão demográfica. Isso correspondia a uma política interna que tinha como pilares a atração para o Brasil de indústrias poluentes e o incentivo para que populações desfavorecidas de alta fecundidade migrassem para a Amazônia (para evitar a reforma agrária em suas regiões de origem)" (Viola & Leis, 1992:83).

Para Ferreira (1993:43), "(...) parece óbvio que, do ponto de vista socioambiental, a desvalorização da vida coletiva está intimamente relacionada com a prioridade nacional dada ao processo de industrialização, cujo valor intrínseco suplanta custos de contingência".

[13] A pesquisadora alemã Jutta Gutberlet (1996:197) sustenta que "por ser tratado, até meados dos anos 80, como área de Segurança Nacional não foram divulgados os relatórios oficiais sobre a qualidade do ar em Cubatão".

[14] A constituição dos lixões era de predomínio de venenos organoclorados, principalmente o hexaclorobenzeno e, em menor volume, o pentaclorofenato de sódio (pó-da-china), o tetracloreto de carbono, o tetracloroetileno e o hexaclorobutadieno (de potencial cancerígeno elevado). Esses resíduos químicos contaminaram o solo, os rios, o lençol freático e o ar, atingindo também as praias de Santos, contaminando a fauna e a flora marinhas (Sindicato, 1995:32).

Sobre os depósitos clandestinos da Rhodia em São Vicente, a médica sanitarista, Agnes Soares Mesquita, apresentou sua dissertação de mestrado, intitulada "Resíduos tóxicos industriais organoclorados em Samaritá: um problema de saúde pública", na Faculdade de Saúde Pública, da Universidade de São Paulo, em 1994.

Em junho de 1993, depois de encontrado um lixão de 15 mil toneladas de resíduos químicos quase puros, dentro da fábrica da Rhodia, o Ministério Público interditou a indústria em caráter preventivo. Dos 150 trabalhadores da Rhodia, 149 estavam contaminados. A empresa, por sua vez, não recorreu da decisão judicial e até hoje nega a denúncia de contaminação dos empregados (Ibid., p.32).

[15] O Relatório Final da CEI dizia que "toda a área e sua periferia é coberta por uma atmosfera sufocante, a qualquer hora do dia ou da noite é caracterizada por uma densa névoa colorida, formada pelos efluentes das fumegantes chaminés das unidades petroquímicas e metalúrgicas que formam aquele complexo industrial" (Citado por Ferreira, 1993:61). 

[16] O trabalho mais sério sobre as anomalias congênitas foi realizado pelo médico Monteleone Neto, em sua tese de Livre-Docência, apresentada na USP/Ribeirão Preto, em 1986, intitulada "As anomalias congênitas e as perdas gestacionais intermediárias e tardias no Município de Cubatão".

Nesta tese, Monteleone Neto conclui ser difícil correlacionar os problemas das anomalias aos índices altos de poluição, haja vista outros fatores que poderiam ocasionar o desenvolvimento daquelas doenças: "Por todas essas razões torna-se extremamente difícil não só o conhecimento dos próprios agravos de saúde, pela falta de atendimento médico, de registros e de dados estatísticos, como também a interpretação a respeito de quais as suas causas, se as deficiências alimentares, se a precariedade das habitações, se a falta de saneamento básico, se os poluentes aéreos ou aquáticos ou se tudo isso junto. O mais provável é que seja todo o conjunto de fatores somado, reforçado e potencializado em uma ação sinérgica. Consequentemente as propostas para Cubatão deverão abranger todos eles" (Branco, 1984:91).

[17] A expressão Vale da Morte foi cunhada pelo jornalista Randau Marques em suas matérias no Jornal da Tarde sobre o caso de Cubatão.

[18] Vila Parisi era um bairro situado ao lado da Cosipa (margem direita do Rio Mogi). Antes da industrialização, Vila Parisi era um sítio de banana de propriedade de Silvestre Mendes. Em 1956, os irmãos Helládio e Celso Parisi adquiriram o sítio e fizeram um loteamento, aprovado pela Prefeitura em 18/01/1957, com 823 lotes.

[19] Brandão (2000:28) nos fornece um retrato fiel do horror que era a Vila Parisi em 1983: "Em nossa memória, algumas imagens ficam guardadas: as cores acinzentadas e encardidas das moradias, a proximidade das fábricas, a poluição, as ruas com valas de esgoto a céu aberto a que se acrescenta o aspecto nublado da paisagem".

[20] "De município doente, miserável, perpetuava-se agora como símbolo das regiões mais inseguras do planeta" (Ferreira, 1993:139).

[21] "As estatísticas oficiais acreditam em 99 mortos, dezenas de feridos e mais de mil desabrigados. Em rápidos minutos, o fogo provocado por alguma faísca desavisada, assume o domínio da área, atingindo 470 casebres. A flor fenece, retorce-se, vira cinzas, se tanto. Com ela, dezenas de vidas se extinguem e o calor em torno da área é tanto que justifica uma das mais horripilantes controvérsias: seria 99 o número de mortos, ou 500? Porque apenas se contaram os cadáveres contáveis (...)

"Naquele dia, quem não soubesse onde fica a Vila Socó, apelido da Vila São José, já seria conduzido ao pedaço de terra, pelo seu odor desagradável. Lá estavam restos de fumaças, tocos, que teimaram em ficar de pé, negros, últimas testemunhas, reduzidos junto a fogões, geladeiras, bicicletas retorcidas, botijões de gás, pias, ao sabor do saque de pobres infelizes, ou de seus antigos donos com coragem de voltar" (Rodrigues, 1985:12).

Segundo Ferreira (1993:138), muitas pessoas e famílias inteiras foram enterradas na lama do mangue, encobertas pelos escombros do incêndio e pelo material jogado para apagar o fogo e evitar problemas de epidemias; ficaram ali onde estavam.

[22] A poluição tem dois efeitos no organismo do ser humano, efeito local e efeito sistêmico: "Deve-se diferenciar entre efeito local, isto é, alterações que se desenrolam no local de contato com a substância, e os chamados efeitos sistêmicos, que surgem no organismo após a absorção de um elemento nocivo.

"Entre os primeiros efeitos mencionados, destacam-se principalmente os efeitos nos olhos, na pele (erupções cutâneas, eczemas, dermatites, hiperqueratose e melanose) e ressecamento das mucosas do nariz, da boca e da garganta, do estômago, do intestino, assim como irritações das vias respiratórias, enfizema, bronquite crônica, câncer bronquial e pulmonar.

"Os efeitos sistêmicos aparecem principalmente em trabalhadores da indústria siderúrgica e metalúrgica, de fertilizantes químicos e inseticidas, e por ingestão de alimentos contaminados. Os quadros clínicos são diversificados e atingem o estômago, o intestino, o fígado, os rins, o sistema hematopoético (produtor de sangue), circulatório nervoso periférico e central" (Gutberlet, 1996:130).

[23] "Por definição, os estados de atenção e de alerta são caracterizados por níveis de poluição atmosférica que podem comprometer a saúde se mantidos por longo tempo e têm o objetivo precípuo de impedir alcance do nível de emergência, que revela uma situação de risco iminente" (Branco, 1984:102).

[24] "Em Cubatão, área de muito alta produção de emanações contendo óxidos de enxofre e de nitrogênio precursores da formação das chuvas ácidas, a situação pode ser particularmente agravada por constituir uma área fechada, sem grandes possibilidades de dissipação, principalmente quando ocorre a situação de inversão da estratificação térmica. Nessas condições, os gases permanecem por muito tempo no ar, o que facilita sobremaneira a realização das reações necessárias" (Branco, 1984:84). A população chamava a chuva ácida de chuva que morde.

[25] O grupo musical paulista Premeditando o Breque gravou no álbum O Melhor dos Iguais de 1985, a canção Lua de Mel em Cubatão, cujo videoclipE foi filmado na ponte que dá acesso à Cosipa, sobre o Rio Mogi. Do outro lado do rio estava Vila Parisi.

[26] O problema era tão sério que as informações corriam também em sigilo na Cetesb, para evitar pânico, conta o procurador aposentado e ex-secretário de Estado do Meio-Ambiente, Édis Milaré: "Havia o medo de uma catástrofe. Poderia haver uma avalanche em cima do pólo, onde existem muitos dutos com produtos perigosos".

A ação continua até hoje tramitando na Justiça paulista, mais ainda se encontra na fase pericial. A ação pede que os réus arquem com toda a recuperação ambiental da área degradada (67 km²), descontaminando o solo, reintroduzindo vegetação nativa e estabilizando as encostas (Folha de S. Paulo, 14/10/2001).

[27] O número de escorregamentos por bacias hidrográficas ao longo dos anos é o seguinte: Perequê: 1962: 6; 1972: 23; 1977: 58; 1980: 65; 1985: 123. Mogi: 1962: 21; 1972: 155; 1977: 218; 1980: 92 1985: 404. Quilombo: 1962: 0; 1972: 59; 1977: 17; 1980: 0; 1985: 61.

Branco (1984:80) também atesta a fragilidade da Serra do Cubatão: "Nas encostas da Serra do Mar açoitadas pelo flagelo da poluição, muito antes da morte das árvores e de sua transformação em paliteiros já se havia observado a ruína dos líquens, especialmente nas superfícies dos troncos e rochas que fazem face direta aos ventos vindos do pólo industrial. A morte das árvores - especialmente das maiores e mais características da paisagem natural - leva, por sua vez, a várias outras conseqüências que ampliam extraordinariamente as dimensões do desastre ecológico. A primeira delas é o desaparecimento da fauna; a segunda é o desmoronamento dos morros".

[28] O jornalista Randau Marques disse "que apesar dos evidentes avanços, ainda falta muito para que Cubatão possa ostentar sem medo o título de Cidade Símbolo da Ecologia" (A Tribuna, 27/05/1992:09).

[29] Por essa mesma época, um Relatório da Emplasa não deixou dúvidas sobre as condições ambientais de Cubatão: "Cubatão é, hoje, o município mais degradado da Região, apesar dos esforços feitos para a sua recuperação. A ocupação desta área foi totalmente inadequada, pois a implantação do complexo petroquímico entre as faixas de mangue e as escarpas da Serra do Mar gerou poluição do ar, dos mangues e destruiu as matas primitivas, transformando Cubatão no Vale da Morte (...)

"Toda a área de mangue do rio Casqueiro (que separa Santos de Cubatão) está degradada por poluição hídrica, efluentes industriais, principalmente óleo e metais pesados, que são lançados nos mangues, além da degradação por aterros, desmatamentos e na intervenção antrópica" (Emplasa, 1993:46).

[30] Um dos críticos mais contundentes do problema ambiental de Cubatão, Samuel Branco, reconhece que a industrialização não tem volta: "A opção atual de Cubatão - a única realmente válida e humana - é a de continuar a ser um poderoso distrito industrial, concorrendo para a economia nacional como grande centro produtor de aço e derivados de petróleo, porém assegurando, ao mesmo tempo, as condições indispensáveis a uma vida digna e saudável de seus habitantes" (Branco, 1984:97).

[31] "Os problemas de irreversibilidade são geralmente escamoteados do planejamento urbano que, via de regra, presume trabalhar sobre horizontes de tempo limitado, isto é, em que a reversibilidade é teoricamente possível. Mas é uma presunção infundada, que terá de ser revista, tal como a da reversibilidade de sistemas de produção de energia baseados em energia hidrelétrica" (Pedrão, 2002:30).