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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - VILA SOCÓ - (19)
A tragédia, em A Tribuna de fevereiro/1984-E

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Uma das maiores tragédias de Cubatão, senão a maior, foi o incêndio de um oleoduto da Petrobrás que passava sob uma favela, Vila Socó, destruída pelas chamas com a morte de cerca de uma centena de pessoas, em 24/2/1984. No domingo, 26 de fevereiro de 1984, o jornal santista A Tribuna publicou extensa matéria sobre a tragédia. As imagens das páginas foram tratadas pelo jornalista Allan Nóbrega, que em 24/2/2014 cedeu cópias a Novo Milênio. Esta é a página 6 dessa edição (ortografia atualizada nesta transcrição):
 

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Página 6 do jornal A Tribuna de Santos, de 26 de fevereiro de 1984

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Montoro: tragédia era previsível

Fazendo questão de afirmar que deixara pela metade uma reunião com todo seu secretariado em São Paulo, o governador Franco Montoro chegou às 11 horas na Vila Socó, de helicóptero. Ouviu inicialmente explicações do coronel Nilauril Pereira da Silva sobre o episódio e quis saber se a Defesa Civil tinha sido acionada, ouvindo respostas afirmativas.

Depois de dizer que o Governo do Estado estava solidário com a população de Cubatão, Montoro declarou: "Esta tragédia era previsível". Não apontou responsáveis, afirmando que "as causas devem ser apuradas". Ouviu em seguida uma crítica do diretor do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, Nei Serra: "Cubatão gera riquezas para todo o País, mas a sua população é extremamente carente. Até hoje o BNH não apresentou nenhum plano sério de habitação para esta Cidade".

O representante das indústrias foi, em seguida, duramente interpelado por repórteres sobre a responsabilidade das empresas na tragédia. Foi-lhe lembrado que seguidas vezes acusou a imprensa de ser alarmista, por abordar o problema da poluição e das favelas de Cubatão. "Jamais disse tal coisa", afirmou Nei Serra, para em seguida revelar que as indústrias estão estudando a criação de uma empresa de desenvolvimento no município para apoiar o Poder Público. "Nosso papel é esse – ajudar. Mas jamais substituir o Poder Público, que foi omisso, pois isso tudo era perfeitamente previsível".

Montoro ouvia atento as ponderações do representante das indústrias de Cubatão, que se negou a responsabilizar unicamente a Petrobrás pelo ocorrido. "Há muita negligência e incompetência de toda a sociedade".

O governador conseguiu, em meio aos escombros, relacionar a tragédia de Vila Socó com a falta de autonomia de Cubatão. "Este município está condenado desde que foi declarado Área de Segurança Nacional. O fato do povo cubatense estar impedido de participar das soluções dos seus problemas também levou a isto. E a primeira providência que deve ser tomada é no sentido de que a população possa escolher a sua autoridade". E insistiu: "Interrompi uma reunião com meu secretariado para vir aqui ver as medidas a serem tomadas junto a demais autoridades para solucionar essa situação aflitiva. De imediato pode-se constatar que esta deveria ser uma faixa de segurança, isolada, sem habitações. Isto foi apenas um aviso".

Ao perceber o que restou dos barracos, Montoro ouviu apelo do vereador Manoel Ubirajara para que o restante da população da Vila São José seja removido do local onde vivem. E ouviu também a diretora regional da Saúde, Lia Giraldo Augusto, falar da necessidade de um plano conjunto global entre todas as secretarias para se resolver a questão da falta de segurança dos favelados de Cubatão.

Responsabilidade – O presidente da Cetesb, Werner Zulauf, fez questão de defender a Petrobrás. Disse ter testemunhado pessoalmente, em várias reuniões, a Comissão Interministerial (formada há alguns anos para dar uma solução aos graves problemas de Cubatão – mas que praticamente nada de concreto fez), o alerta de dirigentes da Refinaria Presidente Bernardes sobre os riscos existentes para os moradores sobre a faixa de tubos de combustíveis.

Werner Zulauf fez uma proposta concreta (que depois, levada ao conhecimento de Montoro, foi colocada como uma das alternativas a serem estudadas pelo Governo do Estado); transformar a planície do Quilombo (Santos) em área urbana, antes que lá se instalem indústrias. "Temos que raciocinar sobre a metrópole da Baixada e não sobre municípios isolados. O Vale do Quilombo pode abrigar mais de 100 mil habitações. Então deve ser transformada de Zona de Uso Industrial em Zona de Uso Diversificado, colocando-se ali a população de todas as favelas ao longo da via férrea, da Vila Parisi e todos que moram hoje sob grave risco".

Zulauf disse que pouco cabia à Cetesb para evitar a tragédia. "Existe um trabalho de rotina de conhecer os riscos de acidente". Afirmou que pessoalmente não tinha informações técnicas sobre se a utilização dos tubos para vários tipos de combustíveis, entre eles o álcool anidro, provocaria destruição dos dutos, ocasionando os vazamentos.

Já o gerente regional da Cetesb, Luiz Carlos Valdez, conseguiu vislumbrar a responsabilidade dos governos federal e estadual sobre o episódio: "Em outubro, quando do vazamento do oleoduto da Petrobrás na serra, alertei para o risco na Vila Socó. Os governos têm que se conscientizar disso e resolver a situação".

Extinção – Taxativo, o secretário da Saúde e Serviço Social da Prefeitura de Cubatão, Luiz Camargo da Fonseca e Silva, afirmava, enquanto coordenava os serviços de atendimento aos desabrigados, no Centro Esportivo: "Esta é uma vila que deve ser extinta. A desgraça veio provar o que falávamos há tempos". Concordou que a situação da Vila Socó é mais grave que a de Vila Parisi. "O risco é bem maior e foi comprovado".

Reclamava dos informes falsos de que Cubatão estava necessitando de sangue e ambulância: "Isso já temos e já não serve mais. Precisamos de roupas e alimentos". E acrescentou: "E um lugar para esse pessoal morar". O secretário revelou, ainda, que vários barracos foram saqueados e até lençóis que serviriam para embrulhar os corpos carbonizados foram roubados.

O deputado Rubens Lara criticava a Refinaria Presidente Bernardes: "Houve falta de responsabilidade e isso deve ser apurado. As vidas dos que se foram não serão devolvidas, mas deve-se evitar que isso se repita. Causou-me bastante estranheza a falta de providências imediatas da Refinaria quanto ao vazamento".

O presidente da Câmara, Florivaldo Cajé, apesar de atribuir a tragédia a uma fatalidade, declarou que ela poderia ter sido evitada. E, ao responder sobre o papel da Câmara, de alertar aos perigos, disse: "O mínimo que se faz é confiar nas indústrias. Se alguém coloca um tubo para combustível, imagina-se que ele seja revisado periodicamente. Mas isso não ocorre. Recentemente a Basan (Base de Armazenamento de Combustível da Petrobrás) provocou um vazamento, que caiu nas valas e matou galinhas. Não se deu atenção ao fato, porque foram galinhas que morreram". Ele disse que viu, às 20 horas de sexta-feira, moradores pegarem baldes de gasolina e levar para suas casas. "Nessa hora, a área já deveria ter sido evacuada. Mas só se pensa no aumento dos lucros e não nos riscos de vida".

Segurança tentou impedir

Os corpos estavam ali, parcialmente cobertos por lençóis. Mas uma barreira de seguranças e assessores impediu que o governador Franco Montoro visse aquela cena. Propositalmente, um dos seguranças formou a barreira, e dizia a todo instante: "Não deixem que o governador veja os corpos". Montoro passou direto para a saleta do Centro Comunitário, onde se reuniu com o presidente da Petrobrás, e várias autoridades. E o mesmo esquema foi mantido á saída do governador, que passou pela vila e não viu a morte explícita.

Montoro chegou às 11 horas no helicóptero de prefixo PP-ENI. Observou a extensão da tragédia lá de cima, nos volteios do aparelho, que desceu no heliporto do QG da Polícia Rodoviária. O trajeto até a vila foi feito por uma extensa fila de carros oficiais, que aguardavam o governador.

Ele desceu, foi cercado pelos jornalistas, ouviu o relato do comandante Nilauril e foi afastado da área porque a água com combustível começava a molhar os pés da comitiva. Ficou na vila por quase uma hora, e retirou-se pelo trajeto da chegada.

A cobertura

A equipe que trabalhou na cobertura da tragédia em Cubatão foi a seguinte:

Textos: Antônio Aguiar, Beth Capelache de Carvalho, Celso Bertoli, Clóvis Vasconcellos, José Carlos Silvares, Kátia Giulietti, Luigi Bongiovanni, Luiz Dias Guimarães, Manuel Alves Fernandes, Paulo Motta e Virginio Sanches.

Fotos: Anésio Borges, Arnaldo Giaxa, Carlos Marques, Francisco Herrera, Rubens Onofre, Sílvio Guimarães e Walter Albuquerque

FOTOS:

Montoro chegou de helicóptero, foi cercado por jornalistas e disse que o Governo está solidário com a população

Visão aérea da tragédia revela só a devastação, escondendo entre os escombros os corpos carbonizados

Governador passou perto, mas foi impedido de olhar para os corpos enfileirados

Os curiosos foram isolados… enquanto os saqueadores eram detidos pela PM

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