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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/07/01 15:51:24
TERROR NOS EUA
Os pica-paus na guerra do Afeganistão

V - Matando quatro coelhos com uma paulada só

Emilio Gennari (*)
Colaborador

Além dos problemas da indústria armamentista e de abastecimento de petróleo e gás natural, a economia norte-americana estava patinando naquela que os especialistas chamam de crise de superprodução. Sim, você entendeu bem, não seMenino afegão, durante fuga da família para o Paquistão. Captura parcial de tela da TV CNN em inglês/EUA em 16/9/2001 - 23h52 trata de uma situação de falta, mas de sobra de capitais e de mercadorias. É uma realidade que, de tempos em tempos, se instala em qualquer país capitalista após uma fase de crescimento econômico.

A causa do seu aparecimento não está no desemprego, mas no mecanismo que faz girar as engrenagens da exploração: a produção da riqueza é coletiva, mas, na hora de dividir o bolo, são os patrões que se apropriam da fatia maior. Eles a usam não só para ter condições de vida muito melhores do que as nossas, como para realizar novos investimentos, aumentando assim o número de bolos e o tamanho de suas fatias. Como os trabalhadores e as trabalhadoras ficam só com as migalhas, não é difícil você entender que, mais dias menos dias, a  sociedade vai viver o absurdo de uma situação de pobreza em meio à abundância.

Aparentemente, a saída poderia ser a de promover o encontro entre os famintos e a comida, os descamisados e a roupa, elevando os salários e distribuindo melhor a renda. Mas isso é impossível de acontecer no sistema capitalista, pois o aumento dos vencimentos faz a exploração diminuir e reduz o retorno sobre as quantias que foram investidas. 

Como o objetivo central é o lucro, e não a vida do ser humano, os ganhos não seriam compensatórios e os patrões não teriam razões para aplicar seu dinheiro na produção. É por isso que, diante da crise, eles optam por fechar as
empresas, reduzir drasticamente o ritmo das máquinas ou até mesmo destruir a abundância. O aumento do desemprego assim provocado vai elevar o arrocho dos salários e a exploração da força de trabalho, proporcionando o retorno de margens de lucro satisfatórias que apontam para uma nova fase de crescimento da economia.

Entre os problemas que esta situação propõe, está o de justificar perante os olhos da sociedade os sacrifícios que os capitalistas preparam para a população trabalhadora. No passado, já tivemos a desculpa do aumento dos preços do petróleo, mas, desta vez, nem isso podia ser usado para explicar a crise do sistema, controlar o descontentamento e garantir a confiança popular nas leis de mercado.

Os atentados terroristas do dia 11/9/2001 fizeram as coisas se precipitarem. A economia dos Estados Unidos, que já estava mal das pernas, dá sinais claros de que vai entrar em recessão, de que o desemprego vai aumentar e de que várias empresas caminham para a redução de suas atividades. Surpreendentemente, não se registram protestos e manifestações de revolta por parte das pessoas que acabam de perder seus empregos. No momento, há um aumento tranqüilo dos que se alistam nas fileiras do salário-desemprego e do exército, ao mesmo tempo em que os árabes se tornam saco de pancada no qual muita gente já desabafou sua raiva e seu próprio sentimento de impotência.

O patriotismo, alimentado pela guerra, faz com que o orgulho de ser americano oculte as contradições gritantes que fizeram crescer o fogo da crise e que, agora, serão esquecidas. O senso comum não tem a menor dúvida: Osama Bin Laden é o verdadeiro responsável pelo agravamento da situação econômica do país. Mais uma vez, os capitalistas agradecem e, como já fizeram ao longo da história, se preparam para transformar o esforço de guerra na razão que justifica todo e qualquer aumento da exploração. Em nome do combate ao terrorismo, os lucros das empresas vão voltar a ter um futuro promissor.

Além de dar um sentido palpável à crise econômica, os atentados devem destravar as negociações para a formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), ao mesmo tempo em que colocam obstáculos à rodada de negociações no interior da Organização Mundial do Comércio (OMC). Bom, vamos pegar um bicho de cada vez e mostrar a relação entre estes elementos e a crise da qual falávamos antes.

No que diz respeito à ALCA, a recusa de países como o Brasil em apressar a formação de um mercado comum das Américas se baseia numa constatação muito simples: o baixo preço das mercadorias produzidas nos Estados Unidos (às vezes, a custos subsidiados) acabaria levando à falência um número significativo de empresas que não têm a menor condição de entrar nesta competição em pé de igualdade. Para que isso não aconteça, os países da América do Sul vêm taxando uma longa lista de produtos importados das nações do Norte, com a finalidade de elevar seus preços e proteger suas economias, até que sejam eliminados os efeitos devastadores da competição internacional.

Inicialmente, se previa que as coisas ficariam como estão até janeiro de 2005, data a partir da qual seria iniciado o processo de redução dos impostos e seriam removidas as barreiras para a livre comercialização dos produtos entre as duas Américas. Sentindo a chegada da crise, em 1999, os EUA começaram a ampliar as pressões para reduzir significativamente os tempos que antecediam a integração das economias do continente. 

A razão era muito simples: o aumento de suas exportações ajudaria a apressar a saída da crise de superprodução. Na medida em que a sobra fosse exportada para a América do Sul, os lucros nos Estados Unidos parariam de cair, várias empresas seriam abertas para dar conta das novas encomendas ao mesmo tempo em que muitas outras estariam sendo fechadas em países como Brasil e Argentina.

Sim, você entendeu bem. Uma das saídas para a crise dos EUA era justamente a de exportá-la para outros países, apressando a implantação da ALCA. Acontece que o Brasil não comprou esta idéia e isso colocou em ponto-morto a discussão do mercado comum das Américas. As negociações pararam e tudo parecia indicar que Bush teria mesmo que esperar janeiro de 2005. 

Com o clima de chantagem criado pelas declarações de que "quem não está do lado dos Estados Unidos está do lado dos terroristas" é de se esperar que as pressões para acelerar o ritmo da ALCA se ampliem nos próximos meses. Isso ocorreria porque - para reativar a economia e para arcar com os custos da guerra - os EUA precisam de recursos, entre os quais figuram os do aumento de suas exportações.

No que diz respeito à Organização Mundial do Comércio (OMC), os norte-americanos vêm sendo acusados de lançar mão de práticas protecionistas (como a imposição de taxas aos produtos de outros países ou a definição de quotas rígidas de importação de certas mercadorias) e de aumentar os subsídios concedidos aos agricultores. 

Estas medidas, que visam proteger a economia estadunidense da concorrência internacional, ferem várias normas da OMC e, antes dos atentados, os países europeus estavam se organizando para que as negociações dos próximos meses fossem favoráveis aos interesses de suas economias. Pelas últimas informações, o calendário de reuniões preparatórias acaba sendo esvaziado pelo desenrolar dos acontecimentos. 

Enquanto isso, as incertas e sombrias perspectivas de futuro para a economia mundial e para as relações internacionais estão se encarregando de questionar a conveniência da rodada de negociações da OMC começar em 2002 e abrem caminhos para a implantação de exigências que não são favoráveis aos países pobres.

Como você já deve ter entendido, os atentados do dia 11 de setembro ajudaram a matar mais três coelhos: culpam os terroristas pela crise econômica, pressionam para acelerar os tempos da ALCA, ao mesmo tempo em que tendem a reduzir as exigências de mudança na política econômica norte-americana no interior da OMC.

Jornal da Cidade do México destacado na transmissão da TV CNN em espanhol em 16/10/2001 (Captura de tela às 12h12)
O quarto coelho é tão importante quanto os anteriores. A reação dos Estados Unidos aos ataques terroristas apaga as diferenças entre os movimentos de resistência (que assumem a forma de uma guerrilha armada) e aqueles que podem realmente ser definidos como terroristas. Esta confusão abre o caminho da repressão violenta contra aqueles grupos cuja luta vem ganhando o apoio da opinião pública internacional.

Aproveitando o sentimento de indignação que se espalhou pelo mundo, a Agência Estadunidense de Combate às Drogas, por exemplo, se apressou em incluir o Exército Zapatista de Libertação Nacional do México (EZLN) na sua lista de movimentos terroristas a serem combatidos. Apesar dos zapatistas não terem realizado nenhum atentado e não estarem envolvidos com o tráfico, as acusações norte-americanas vão no sentido de pressionar o governo mexicano a adotar uma saída militar para o conflito que vem se desenrolando desde 1º de janeiro de 1994. Entre as principais razões que explicam esta postura, está o fato de que o EZLN e as comunidades
indígenas que o apóiam ocupam uma região muito rica em petróleo e urânio.

A coisa foi tão descarada que, temendo o pior, tanto o governador do Estado de Chiapas como o encarregado do governo pelas negociações com os zapatistas, Luis H. Alvarez, se apressaram em declarar aos jornais que o EZLN não pode ser confundido com um grupo terrorista por ter objetivos sociais bem definidos e também não há envolvimento de seus integrantes no tráfico de entorpecentes.

Índia pleiteia que conflitos na Cachemira sejam considerados terrorismo. Captura de tela da TV CNN em inglês/EUA em 15/10/2001 - 15h35Como você pode ver, os Estados Unidos não perdem tempo. A lista destes grupos parece ser longa e, se as intenções norte-americanas não forem desmascaradas, pouco a pouco, qualquer manifestação contra os interesses dos poderosos pode vir a ser considerada uma forma de terrorismo por representar um atentado contra a ordem. Os mais diversos grupos de resistência que organizaram os protestos de Genova, Praga, Washington e Seattle seriam colocados sob suspeita pelo simples fato de existirem.

Apesar do cansaço e das feridas, o quarto pica-pau decide voltar para ajudar os demais que se esfolam na árdua tarefa de furar a muralha. Um profundo silêncio de reflexão se apodera do quarto onde estou escrevendo estas últimas linhas. Revolta e esperança formam um turbilhão que empurra à ação, a levantar a cabeça e começar a caminhar. Sozinho com todos estes pensamentos, olho pela janela de onde vejo entrar um pombo-correio. Os seus movimentos inquietos me fazem entender que se trata de algo urgente e me apresso a abrir a mensagem que ele traz. 

Nela está escrito: "A humanidade está em perigo. Os que dizem estar do lado do bem são lobos disfarçados de cordeiros. Não há tempo a perder. Convide os pica-paus e os demais pássaros de todas as cores, tamanhos, raças e religiões a correrem para a muralha. Precisamos abrir novos buracos para que nas escolas, nas fábricas, nos campos, nos bairros e em todos os cantos da Terra mais pessoas possam enxergar o mundo que atrás dela se esconde. Urge organizar as forças para enfrentar a onda de exploração e morte que ameaça se abater sobre o planeta".

Bombardeio por aviões dos EUA no Norte do Afeganistão. Captura de tela da TV NHK/Japão em  6/11/2001 - 10h43
Bom, o recado está dado. Vou entregar ao pombo-correio uma mensagem avisando que o relato está pronto e vai ser divulgado. Tomara que isso ajude a fazer com que uma revoada de pássaros levante vôo e use seu canto de múltiplas línguas para deter a guerra e construir um mundo onde a paz seja o fruto de uma árvore chamada justiça.

(*) Emilio Gennari. Brasil, 18 de outubro de 2001. Texto distribuído pela Internet.

Partes deste artigo:
I - Introdução/Bibliografia
II - A história e suas revelações surpreendentes
III - O problema das fontes de energia
IV - A guerra nas estrelas como caminho para a dominação mundial
V - Matando quatro coelhos com uma paulada só

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