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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE - RELIGIÃO
Procissões e festas religiosas vicentinas (1)

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Da mesma forma que em outras cidades da região, as manifestações religiosas em São Vicente passam por significativas mudanças, como o encurtamento das procissões para não prejudicar o trânsito de veículos. Uma dessas procissões é a do Encontro, a seguir descrita pelo professor e pesquisador de História Francisco Carballa:

Procissão do Encontro em São Vicente, em 9 de abril de 1995, às 20 horas

Foto: Francisco Carballa

Procissão do Encontro no Domingo de Ramos em São Vicente


O objetivo dessa procissão é recordar de forma dramática o encontro de Jesus Cristo (a caminho do calvário) com sua mãe, representado na quarta estação da Via Sacra
[01] junto com as mulheres que o seguiram [02], tendo sua presença mencionada no Evangelho até os últimos instantes da vida de Jesus antes da ressurreição.

De tempos imemoriais em Portugal, essa devoção foi introduzida pelos jesuítas em terras vicentinas. Contavam os mais antigos da Matriz que essa procissão, no início da colonização, era feita com os personagens representados não por imagens, mas por humanos porque a vila não dispunha das imagens.

Ocorreu um incidente durante a Procissão dos Passos, possivelmente em 1591, quando o responsável por colocar confeitos recebidos pelos Irmãos da Misericórdia na boca do "Senhor dos Passos" era um mestre açucareiro ou alguém que entendia de dar o ponto ao pão-de-açúcar para que fosse comercializado com Portugal. É que ele preferiu dar os confeitos aos verdugos que o fustigavam pelo caminho, o que causou um processo da Inquisição local, em que foi acusado pelo padre jesuíta Luiz de Grã.

Ao comparecer diante do tribunal instalado em nestas terras, o indiciado pelo clero como marrano [03] explicou que havia uma querela entre ele e o colono que representava Nosso Senhor; assim, preferiu agradar quem era de sua querência. Até onde se sabe, suas desculpas foram aceitas.

Com o passar do tempo, ocorria a procissão com as piedosas e quatro vezes seculares imagens saindo da Matriz, com um grupo levando Nossa Senhora das Dores em seu andor
[04] e outro levando o Senhor dos Passos [05]: depois de um pequeno percurso, ambos se encontravam em determinado local e dali todos seguiam para a igreja, onde havia caloroso sermão exortando os fiéis a crerem na salvação e na mensagem do Redentor.

Procissão do Encontro em São Vicente, em 9 de abril de 1995, às 20 horas

Foto: Francisco Carballa

Com a construção da capela de Nossa Senhora do Amparo, depois igreja e reitoria [06], a procissão passou a ter a participação daquela comunidade, onde a imagem do Senhor era levada a macambúzio no sábado que antecedia o Domingo de Ramos, logo após a missa da tarde; um grupo levava a imagem, sem muita cerimônia, para a Reitoria do Amparo.

No Domingo de Ramos, após a missa das 18h00, saia a procissão com Nosso Senhor carregando sua cruz em direção da Matriz, de onde, por sua vez, saia a imagem de Nossa Senhora a Dolorosa. O percurso era pelas ruas Capitão Mor Aguiar, 13 de Maio, Visconde de Tamandaré
[07], Marquês de São Vicente e Erasmo Schets, até a Matriz, em cuja porta ocorria o encontro e o tão esperado sermão. Depois da prece e benção aos cristãos, as venerandas imagens eram levadas para dentro do secular templo para a veneração dos fiéis.

No final dos anos 1980, havia no caminho uma igreja protestante instalada em um local de comércio, e os seus seguidores foram exortados pelo líder religioso a avançaram sobre o andor, lançando-lhe as mãos, ao que um devoto pegou a cruz de procissão e disse que com ela defenderia a efígie do Salvador, ao que os ânimos protestantes se acalmaram e a procissão seguiu seu rumo.

Era comum ouvir pelo percurso o som característico da matraca
[08] anunciando a passagem da procissão aos passantes e moradores, que rapidamente saiam às portas ou enfeitavam suas janelas. Segundo algumas pessoas, a matraca chamaria a atenção das almas, mas nesse caso eram as almas dos vivos que eram alertados por ela.

Havia a participação da personagem caracterizada de Santa Verônica
[09] e duas Marias-réus vestidas de negro e usando o grande véu que as cobria.

Cantavam pelo caminho o hino "Prova de amor", "Bendita Sejais" e "Bendita e louvada seja" esta ultima música nos anos 1980 já em uma nova versão, adaptada de um hino mais antigo.

A procissão acabou, por vários motivos, em 2010, sendo agora mais uma vez realizada pela Matriz em um dia da Semana Santa.
 

Procissão do Encontro em São Vicente, em 9 de abril de 1995, às 20 horas

Foto: Francisco Carballa

HINO – BENDITA E LOUVADA SEJA

 

Bendita e louvada seja;
A paixão do redentor;
Que por nós sofreu martírios;
Sofreu por nosso amor (bis)

1

Os céus cantam a vitória;
De Nosso Senhor Jesus;
Cantemos também na terra;
Louvores a Santa Cruz.

Bendita e louvada seja...

2

Humildes e confiantes;
Levemos a nossa cruz;
Seguindo o humilde exemplo;
De Nosso Senhor Jesus.

Bendita e louvada seja...

 

3

Ao povo aqui reunido;
Daí graça, perdão e luz;
Salvai-nos ó DEUS clemente;
Em nome da Santa Cruz.

Bendita e louvada seja...


Procissão do Encontro em São Vicente, em 9 de abril de 1995, às 20 horas

Foto: Francisco Carballa

Notas:

[01] Segundo a tradição cristã a Via Crucis, Via Sacra ou ainda Via Sagrada é uma composição de 14 cruzes ou 14 estações, com as passagens mais marcantes do percurso de Jesus desde a condenação, crucifixão, morte, retirada e seu sepultamento, sendo que em alguns locais parece a estação 15, que mostra a ressurreição.

[02] Todos os personagens que estiveram com Jesus até o sepultamento, sem o abandonar, tiveram morte natural e em paz; já os que fugiram, provaram do martírio, assim diz a tradição.

[03] Marrano ou Cojino (porco em gaélico) era uma forma de indicar um cristão-novo ou judeu convertido (que mantinha praticas judaicas, como não consumir a carne de porco devido à prescrição bíblica do Antigo Testamento, ou fingia ser cristão).

[04] A Virgem Dolorosa, segundo alguns, remontaria aos tempos de Anchieta, teve seu corpo reefeito, pois era de roca e seus "olhos de passarinho" (ovos pintados e vitrificados), cobertos por pintura por estar um deles meio torto. Já o seu rico andor do século XIX -  com tecidos de damasco roxo com motivos sacros dourados, franjas do tipo cordonê e pingentes enormes caindo dos lados - também transportava São Vicente Mártir, mas com o mesmo tipo de tecidos na cor vermelha.

[05] A imagem do Senhor dos Passos seria mais recente na Matriz, tendo o seu corpo representado com um dos joelhos ao chão, recordando o momento da queda e reerguimento, levando nas costas uma cruz que faz parte de um total de 14 cruzes pintadas de negro e usadas na procissão do Santo Enterro.

[06] A igreja fica na Avenida Capitão Mor Aguiar, em São Vicente, tendo sido construída nos anos 1920. Abriga uma imagem muito antiga da Virgem do Amparo, que antes ficaria em um oratório do tipo baiano de jacarandá, depois em um altar que foi retirado e finalmente - para evitar desgaste pelo uso - foi feita uma cópia que é usada na igreja no lugar da imagem do século XVIII.

[07] Durante uma procissão nos anos 1980 ocorreu leve chuva, fazendo com que os portadores do andor entrassem com ele na varanda de uma casa onde a cabeça da imagem de Jesus foi coberta com plástico transparente; os fieis continuaram rezando, e a dona da casa, que fora uma das fundadoras daquela igreja e estava enferma, ficou boa nesse momento.

[08] A matraca é uma peça de madeira com uma dobradiça ou argola de metal, usada nos 15 dias finais da quaresma, quando não se tangem os sinos, sendo assim considerado um sinal seco e triste.

[09] Foi a hemorroiza curada por Jesus na passagem citada nos Evangelhos de São Marcos (capítulo 10 vers. 52). Na tradição cristã, seria uma rica vendedora de tecidos em Jerusalém, participante de uma espécie de confraria de mulheres que serviam os condenados desde a prisão até o seu sepultamento, ficando todas livres pelo templo das punições das leis judias. Vestindo a roupa típica de uma viúva árabe, ela teria limpado a face de Jesus durante uma de suas grotescas quedas, e no tecido ficou marcado o rosto de Jesus, em sangue e barro. Já as chamadas Marias-réus têm esse nome por falarem na música cantada a expressão "Hó réus" representando as mulheres citadas nos Evangelhos. Em Caçapava/SP encontrei as mesmas personagens apelidadas de "Marias Biú".

Procissão do Encontro em São Vicente, em 9 de abril de 1995, às 20 horas

Foto: Francisco Carballa

 

Procissão do Encontro em São Vicente, em 9 de abril de 1995, às 20 horas

Foto: Francisco Carballa

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