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HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE
Acaraú: a casa de Frei Gaspar

Agora, ruínas e incertezas

As ruínas do sítio do Acaraú, onde viveu o historiador colonial frei Gaspar da Madre de Deus, foram o tema desta matéria do jornal santista A Tribuna, em 27 de agosto de 1995:


A imagem de Sant'Ana...  
Foto: João Vieira, publicada com a matéria

Mato encobre as ruínas da capela de Sant'Ana em SV
Nessa capela foi realizado o batizado do historiador frei Gaspar

Clóvis Vasconcellos
Da Sucursal

As pedras ainda estão lá, encobertas pela mata, guardando segredos do Século XVI. Guardando pedaços da história de São Vicente e do Brasil. São as ruínas da Capela de Sant'Ana, onde foi batizado frei Gaspar da Madre de Deus, historiador beneditino, nascido a 9 de janeiro de 1715, na então Fazenda de Santana, perto do hoje chamado Rio Branco, em Samaritá, região continental de São Vicente.

São pedras importantes demais para estarem esquecidas e abandonadas como estão. São as ruínas da primeira capela no Brasil exclusivamente dedicada a homenagear Sant'Ana, que foi a mãe de Nossa Senhora, simplesmente a avó de Jesus Cristo.

A mata cobriu tudo, inclusive as seis colunas com mais de três metros de altura. Uma delas foi envolvida por uma figueira, árvore de 20 metros de altura, que deixa aparecer, em pedaços do tronco, trechos da pilastra erguida provavelmente no século XVI, quase 100 anos antes do nascimento do frei Gaspar da Madre de Deus.


...ficava na capela,...
Foto: João Vieira, publicada com a matéria

Abandono - O próprio beneditino, nas suas célebres Memórias para a História da Capitania de São Vicente, conta que foi batizado na capela da Fazenda Santana, outrora muito produtiva e hoje fechada, servindo apenas de pasto para algumas cabeças de gado de um morador das proximidades. O abandono das ruínas impressiona porque fica difícil até se aproximar das pedras. Há ninho de marimbondos, espinheiros, muitos mosquitos e até cobras, segundo depoimentos de sitiantes.

A professora de História da UniSantos, Wilma Terezinha Fernandes Andrade, confirma a importância histórica da capela, onde esteve, há muitos anos, com o pesquisador Jayme Caldas: "Naquela época já não existia mais imagem da santa, provavelmente furtada". A professora informou que frei Gaspar, nos seus escritos, afirmou que a capela, onde aconteciam até festas religiosas, era quase secular.

O frei nasceu em 1715, filho de Domingos Teixeira de Azevedo (coronel do Regimento de Ordenanças de Santos e São Vicente) e de Ana Siqueira e Mendonça, descendente de Antônio de Siqueira, escrivão e tabelião quinhentista de Santos. Ou seja, a fazenda e a capela já estavam lá muito antes de frei Gaspar nascer.


...perto de onde ocorriam os desembarques...
Imagem: reprodução de tela de Benedito Calixto, publicada com a matéria

Pinga e frutas - Mais recentemente, por volta de 1840, a Fazenda de Santana do Acaraú foi administrada por Fernando José Augusto Bittencourt, que durante 40 anos plantou laranja, tangerina, limão-doce, cará-mimoso, inhame, cana-de-açúcar e produziu a famosa Pinga do Acaraú, com melado, farinha de mandioca e biju. Também fabricou calmante extraído da flor de laranjeira, vendido em frascos em Santos e São Vicente.

O falecido jornalista de A Tribuna, Edison Telles de Azevedo, que já esteve nas ruínas e na fazenda, relata em seu Vultos da História Vicentina que Fernando Bittencourt trazia para a Vila de São Vicente, em "canoa por ele remada", melado tamarindo, caju, jaca e outras frutas para presentear os amigos.

A gentileza do antigo fazendeiro, incomum nos dias de hoje, merecia destaque porque a remo demorava até dois dias para chegar à vila. Ele atracava onde hoje fica a Rua Japão, efetivamente recebido. Na casa da fazenda os livros registram que havia uma placa, em inglês, Great House of Family Bittencourt. De toda a fartura e opulência restam hoje algumas pedras que poderiam ser transformadas em magníficas lições de história e humanismo às futuras gerações.

A professora Wilma Terezinha sugere uma prospecção arqueológica no local, que poderia ser executada pelo Instituto de Pesquisas Arqueológicas da Universidade Católica de Santos (UniSantos) sem custo para o proprietário da área ou a Prefeitura. Ela explica que o instituto da universidade é credenciado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), cujo diretor esteve recentemente em São Vicente.

Wilma Terezinha considera a ruína de extrema importância e entende que a Prefeitura, pelo menos, poderia colocar placas indicando a localização e montar um esquema de visitação, de acordo com os proprietários da antiga fazenda, de inestimável valor histórico. "O fato de ali ter nascido frei Gaspar só enriquece sua importância", esclareceu a professora, uma entusiasta da pesquisa histórica em nossa região.

 

Data do século
XVI
a capela, que está situada na área
da extinta Fazenda de Santana

 

Ecoturismo - O prefeito Luiz Carlos Luca Pedro, que visitou a região do Acaraú, cogita em montar um programa de visitação baseado no ecoturismo. Ele já participou de reuniões com moradores da área e pediu ajuda da Prefeitura de Santos num projeto para a promoção de caminhadas no local.

Será preciso, entretanto, dar condições mínimas de visitação das ruínas. Hoje, é preciso passar por uma cerca, andar por trilhas e penetrar no mato para ver as pedras que guardam segredos da história da primeira vila do Brasil.

Hoje, São Vicente quase nada tem a oferecer como turismo histórico, apesar de ostentar os títulos de Cellula Mater da Nacionalidade e Berço da Democracia nas Américas. Restam as ruínas do Porto das Naus ou Engenho de Jerônimo Leitão, a Biquinha e a Igreja Matriz de São Vicente Mártir.


... e onde foi batizado frei Gaspar
Imagem: reprodução, publicada com a matéria

Exatos 11 anos depois, em 2006, as ruínas do sítio do Acaraú foram visitadas por uma equipe de pesquisadores, como registrou o jornal santista A Tribuna em suas edições eletrônica e impressa de 28 de agosto de 2006:

Pesquisadores vão analisar ruínas

As ruínas de uma casa na região onde pode ter vivido Frei Gaspar da Madre de Deus deverão ser analisadas pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP e pelo Condephaat nos próximos meses e, dependendo da avaliação, ganhar um projeto de educação patrimonial e ainda serem tombadas.

Segunda-feira, 28 de Agosto de 2006, 07:51
FREI GASPAR
Ruínas da casa serão analisadas
Condephaat e Museu de Arqueologia estudarão material nos próximos meses

Suzana Fonseca
Da Sucursal

A pouco mais de 20 minutos do Centro de São Vicente, em Acaraú, Área Continental da Cidade, uma construção antiga, esquecida por dezenas de décadas, chama a atenção do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP e do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). As ruínas de uma casa na região onde pode ter vivido Frei Gaspar da Madre de Deus, no Século XVIII, deverão ser analisadas pelos dois órgãos nos próximos meses e, dependendo da avaliação, ganhar um projeto de educação patrimonial e ainda serem tombadas.

Na semana passada, atendendo a uma solicitação do Ministério Público Estadual, a arqueóloga do Museu de Arqueologia Maria Cristina Mineiro Scatamacchia e o arquiteto do Condephaat Marco Antonio Lança estiveram no local, a fim de conhecer o que sobrou da antiga edificação e avaliar a possibilidade da realização de estudos mais aprofundados.

"Nós atendemos a uma solicitação do promotor de Meio-Ambiente (Fernando Reverendo Vidal Akaoui) para vermos se isso realmente merecia uma proteção especial", explicou a arqueóloga. "Aqui as pessoas falam que era a casa do Frei Gaspar da Madre de Deus, mas independente de se confirmar isso - o que depende de uma pesquisa mais ampla -, realmente, é uma ruína que merece um cuidado especial".

Do grupo que visitou o local também fizeram parte o diretor-superintendente da Fundação São Vicente (Fundasv), Eli Celice Dias; o arquiteto José Armando Ferrara (da equipe da professora no museu), o historiador do Centro de Documentação e Memória (Cedom) de São Vicente, Marcos Braga; e o vereador Ivan de Souza (PFL).


Pesquisadores da USP e do Museu de Arqueologia e Etnologia
visitaram as ruínas na semana passada
Foto: João Vieira, publicada com a matéria

Exploração - Além da ruína visitada, Maria Cristina contou que teve informações de que existem outras próximas a essa já conhecida. "Acho que vale a pena mapearmos tudo isso e montarmos um projeto único", explicou a arqueóloga. "Isso é muito importante para a região, que é uma região periférica, e a comunidade pode tirar proveito econômico da exploração desse material".

De acordo com Maria Cristina, a presença da antiga edificação tem várias implicações. "Nós trabalhamos com uma visão de arqueologia na qual achamos que o passado tem que ser usado em benefício do presente", destacou, lembrando que, principalmente em áreas periféricas, é importante criar programas de educação patrimonial e guias. "O próprio pessoal local pode, futuramente, explorar isso".

Com a limpeza da área onde se encontra a ruína e a realização de uma pesquisa, na opinião da arqueóloga, será possível identificar toda a planta da edificação. Isso tudo, aliado ao estudo iconográfico de Benedito Calixto, feito pelo historiador do Cedom, contribuirá para que seja montado um projeto para a região.

Em um primeiro momento, não se pode dizer qual o período em que a casa teria sido construída. "É uma construção muito comum em todo o litoral e tem uma duração cronológica de uns 300 anos pelo menos", calculou Maria Cristina. "É muito difícil se falar qual o período sem se ter uma outra indicação". De imediato, o que se pode afirmar é que a casa foi feita com argamassa (pedra e cal), a exemplo do Porto das Naus, no Japuí.

Tombamento - Dentro de 15 dias, o arquiteto do Condephaat e a arqueóloga do Museu de Arqueologia deverão entregar um laudo ao Ministério Público. De acordo com Marco Antonio Lança, é possível que seja proposto o tombamento da área, após um estudo aprofundado.

"Nós poderemos fazer o estudo junto com a Cristina e com o Marcos também, que vai ajudar no material histórico", afirmou o arquiteto. "Em princípio, só de constatar esse tipo de construção, e pelo fato de estar aqui há tanto tempo assim, em forma de ruína, é um sítio que merece ser preservado".

Lança chamou a atenção para a probabilidade de haver outros sítios semelhantes ao visitado no entorno. "Provavelmente, deveriam existir outros, porque ninguém vai fazer um sítio isolado, e pode ser que existam vestígios de outros na região, formando um conjunto de sítios da mesma época".

Saiba mais
Para chegar ao local onde se encontram as ruínas é preciso pegar a estrada de Paratinga, na Área Continental de São Vicente, atravessar a linha férrea e andar mais cerca de dois quilômetros em uma estrada de terra batida. Atualmente, o que restou da construção está dentro de uma propriedade particular, cujo arrendatário ignorava sua importância histórica quando chegou àquela área, há cerca de 20 anos.

Restaram sete pilares da antiga edificação. Um deles, curiosamente, está dentro de uma árvore. Uma possível explicação é que a árvore cresceu em volta da coluna e, com o tempo, acabou encobrindo-a. Das paredes da construção, sobraram algumas pedras, que ultrapassam um metro de altura. E outras pedras são vistas espalhadas no entorno.

 

Segunda-feira, 28 de Agosto de 2006, 07:52
Fundasv defende projeto educacional na área

A expectativa do diretor-superintendente da Fundação São Vicente (Fundasv), Eli Celice Dias, é que, com o apoio da Prefeitura, da arqueóloga do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP Maria Cristina Mineiro Scatamacchia, e do arquiteto do Condephaat Marco Antonio Lança, além do historiador Marcos Braga, seja elaborado um projeto de educação patrimonial para a região. Além da preservação das ruínas, a população local seria beneficiada, tanto sob o aspecto cultural quanto econômico.

"Podemos criar um projeto de pesquisa, no qual vai entrar tanto a parte de pesquisa arqueológica, de história e uma parte de arquitetura - que vai ter que reconhecer essa construção", adiantou Maria Cristina. "E o retorno para a comunidade seria uma cartilha explicando o que é isso, de educação patrimonial nas escolas próximas e a formação de guias, que poderão explorar isso, porque é um local de muito fácil acesso".

"Vale a pena investir nisso", avaliou o diretor da Fundasv, destacando que o proprietário ou posseiro da área onde se encontra o sítio com as ruínas poderá fazer um acordo para permitir a exploração do local.

Interesse - O interesse de Eli Celice Dias pelo sítio de Acaraú foi despertado por uma matéria publicada em A Tribuna no dia 10 de abril do ano passado. Na ocasião, o diretor da entidade quis conhecer o local, o que foi feito cerca de um mês depois, e após isso entrou em contato com a arqueóloga da SP.

"O importante é que a Cristina já aplicou vários projetos, principalmente nos municípios do Litoral, visando criar o espírito da educação patrimonial nas escolas", destacou. "Você vê aqui o entorno, com extrema carência, às vezes com pessoas sem perspectivas; um projeto desses daí, que tem uma magnitude financeira relativamente pequena, consegue promover o envolvimento da comunidade".

Para o arquiteto da equipe do museu, José Armando Ferrara, trata-se de uma oportunidade de resgatar a história. "Na verdade, você está resgatando uma memória, uma história que deve ser contada a partir da ruína", ponderou. "Tudo aquilo que diz respeito à nossa história, à nossa origem, vale a pena".


O terreno ainda precisará ser limpo para permitir identificação da planta da antiga construção
Foto: João Vieira, publicada com a matéria

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