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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - IMPRENSA
A imprensa santista (6)

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Em 26 de março de 1944, o jornal santista A Tribuna publicou edição comemorativa de seu cinqüentenário (exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda), com esta matéria (grafia atualizada nesta transcrição):
 


O mausoléu de Olímpio Lima, no cemitério do Paquetá
Foto publicada com a matéria (cor adicionada por Novo Milênio)

Olímpio Lima

Nem o tempo, nem as vicissitudes da vida conseguiram apagar da consciência popular a figura inconfundível do grande batalhador da imprensa 

Nesta edição comemorativa do Cinqüentenário da A Tribuna, com admiração e respeito, renovamos as homenagens tributadas ao valente jornalista, por ocasião do seu infausto passamento.

O jornalista Olímpio Lima, redator-chefe desta folha, faleceu no Rio de Janeiro, no dia 4 de outubro de 1907, uma sexta-feira, na Casa de Saúde São Sebastião, à Rua Bento Lisboa, combalido por excesso de trabalho, pois que a sua vigília era constante em torno dos grandes problemas que lhe mereciam da pena análise, combate e apoio, análise para edificação e compreensão dos leitores que a sua dialética atraía, combate para que os atentados à comunhão não se tornassem realidade e apoio às iniciativas que não colidissem com os superiores interesses do povo.

Em Santos, há cinqüenta anos, nesta data, fazendo circular o primeiro número de A Tribuna, o indômito jornalista manifestava a quase certeza de que lançara à publicidade um jornal vitorioso. Erguendo altares, cavando masmorras, fazendo amizades, gerando ódios, exalçando virtudes, golpeando vícios, votado à luta no combate pelos oprimidos e pelos desventurados, Olímpio Lima sentia-se uma fortaleza inexpugnável na defesa da remodelação das normas sociais vigorantes, mirando a punição de todas as baixezas, glorificando a justiça, a verdade e o bem.

Suas campanhas ofereciam ressonâncias estranhas. Nem o cárcere o amedrontava, nem o empastelamento dos seus tipos arrefecia o ardor da sua pugna. Maiores as audácias do aulicismo caudatário dos potentados eventuais, mais o jornalista se empolgava na rude tarefa de revolver fezes, podridões, "procurando descobrir nas cousas engulhantes algo santificado na consciência dos indivíduos a consciência da sociedade". Sua pena era escalpelo: rasgava sem piedade, não porque diabolicamente empenhada em fazer o mal, mas, pelo desejo altruístico de promover o bem. Feria, golpeava, zurzia, atacava e vencia. Não odiava, porém: era incapaz de odiar. Por que os bravos hão de odiar?

***

Maranhense, expulso de sua terra por delito de imprensa, não foi mais feliz no Pará, dali deportado pela incidência no mesmo delito.

Chegando a Santos, não se lhe diminuíra a tenacidade inamalgável. Lidador incorrigível da imprensa, gostava dos primeiros postos de combate, no mais aceso das refregas conservando o pulso firme e o cérebro desanuviado. Por isso, a notícia de sua morte repercutiu por todo o Brasil, não havendo recanto do vasto território nacional onde um prelo trabalhasse a impressão do mais modesto hebdomadário que não lhe exalçasse a fibra de intemerato lidador.

Acentuamos, ademais, que Olímpio Lima, como homem, era uma contradição flagrante do jornalista: a descomedida violência do seu temperamento, a sua linguagem intemperante, a impiedosa rudez do seu ataque, a insolência agressiva das suas polêmicas verrinosas, tudo, tudo era substituído por uma credulidade quase infantil da sua alma, pelo seu cavalheirismo aprimorado, pela tocante bondade de seu coração, pela afetuosidade de seu caráter expansivo e terno.

Olímpio Lima, dispondo de um diário excelente, empresa comercial de primeira ordem, poderia legar a seus filhos considerável fortuna. Mas, distribuía tudo quanto da folha auferia em pensões, dádivas e outras aplicações filantrópicas, sendo em grande número as famílias pobres que se mantinham, nesta cidade, do seu bolso particular, e que passavam a ser privadas da sua generosa proteção.

Os testemunhos - colegas de jornalismo, empregados de suas folhas, amigos de todas as horas - aí ficavam para atestar a grandeza moral, fora do comum, do homem que parecia, na imprensa, feito de maldade rancorosa, de ódios vindicativos.

***

Olímpio Lima, atividade ininterrupta, por dilatados anos reconhecida das mais admiráveis registradas entre os da sua profissão, sozinho, enchia muitas vezes o seu diário, indo da exposição de uma doutrina à violenta esgrima de uma polêmica pessoal, do preparo de uma notícia de sensação à crônica humorística; ao mesmo tempo providenciava sobre detalhes de administração, trazendo em dia a correspondência comercial de sua empresa, atendendo a quem o procurava a propósito de variados assuntos.

Como se esse esforço extenuante, anos a fio, sem descanso, não bastasse para o seu espírito empreendedor, repleto de energias, achou que em vez de uma folha diária, devia orientar duas ao mesmo tempo, A Tribuna de Santos, a sua A Tribuna, e o Comércio de São Paulo, o antigo jornal de Eduardo Prado, de portas fechadas após insucessos freqüentes. E esse acúmulo de trabalho abalou o estóico.

A Tribuna continuou próspera; o Comércio, ressurgindo, transformado em folha moderna, de feição atraente, passou do dia para a noite a ser considerado um dos órgãos de publicidade mais preferidos de São Paulo, não só pela leitura excelente que oferecia, mas pela rara independência e altivez com que se apresentava.

E à proporção que as vitórias se acentuavam, o vitorioso definhava, vencido aos poucos pela moléstia implacável que se lhe assenhoreava do organismo. Mais o jornal que fora de Eduardo Prado atingia alto grau de crédito moral e de progresso material, devido ao esforço e à dedicação do redator-chefe da A Tribuna, mais combalia o nordestino intemerato. E Olímpio Lima resolvia uma viagem ao Norte, em busca de alívio aos males do coração, já cansado, ameaçando parar, estertórico, num derradeiro espasmo, afogado em sangue, quente, rubro, esguichando das artérias.

Estava fadado o redator-chefe desta folha a não mais rever a terra maranhense.

À sua passagem pelo Rio, resolvia demorar-se alguns dias para visitar a capital da República, renovada pelos melhoramentos que lhe trouxera o quadriênio Rodrigues Alves. E nestas circunstâncias a marcha da moléstia o alcançava, levando-o à Casa de Saúde São Sebastião, onde findavam seus dias, naquele 4 de outubro de 1907, uma sexta-feira.

Logo que verificado o óbito do jornalista ilustre, o dr. Simões Corrêa, diretor daquele estabelecimento, telegrafava ao senador Lauro Sodré, dando-lhe a notícia entristecedora. S. excia. comparecia naquele estabelecimento, tomando as providências para que o sepultamento se fizesse no Rio, às 11 horas da manhã do dia 5. Nesse ínterim, a lutuosa nova chegava ao conhecimento de Edmundo Bittencourt, o intimorato diretor e fundador do Correio da Manhã.

Aprestava-se aquele grande amigo de Olímpio Lima para se associar às manifestações de pesar, pela morte do batalhador denodado, quando às mãos lhe chegava um imperativo despacho de José de Paiva Magalhães, agente do Correio nesta cidade, pedindo-lhe para que providenciasse, de acordo com Carlos Pereira, da imprensa carioca, no sentido de ser transportado o corpo para Santos, em carro especial ligado ao noturno paulista. A população desta cidade queria oferecer-lhe sepultura condigna numa das suas necrópoles. Era preciso atender ao categórico reclamo.

Foi então que Edmundo Bitencourt incumbira um colega de redação de entrar em entendimento com o dr. Miguel Calmon du Pin e Almeida, ministro da Viação do governo Afonso Pena, a fim de ser feita a trasladação imediata para Santos. O ministro declarava desde logo associar-se de coração às homenagens e determinava à Central do Brasil que tivesse pronto um vagão especial ligado ao noturno paulista, onde deveria o ataúde que encerrava os despojos do infortunado jornalista ser conduzido para Santos. Ordenava igualmente ao fiscal do governo federal junto à São Paulo Railway providências similares.

***

Da estação da Praça Monte Alegre, o ataúde foi conduzido para a Igreja do Convento de Santo Antônio, daí saindo à tarde para o Cemitério do Paquetá. A concorrência enorme retardava a chegada ao campo santo. De todas as ruas cordões humanos refluíam a engrossar o acompanhamento, uma verdadeira apoteose. Como que a alma santista em reverência era toda um sentimento único de pesar. Os ternos de trabalhadores de café, os modestos homens do povo, perfilados ao lado das carroças, por cima das sacas da rubiácea empilhadas nos veículos para descarga às portas dos armazéns, descobriam-se e como que se petrificavam num estarrecimento respeitoso, pois que perdiam o seu mais fiel amigo.

A onda popular, volumosa, cada vez mais demorava a marcha fúnebre, agora imobilizada às portas da redação da A Tribuna. Fazia-se ouvir a voz de Alberto Veiga, numa oração eloqüentíssima, sentido discurso que impressionava profundamente, pondo em relevo aquela estupenda glorificação do povo santista, dívida de  reconhecimento da alma popular ao mais abnegado e estrênuo propugnador da justiça e da liberdade nesta terra. Alberto Veiga agradecia ao povo sem distinção de classe, nacionalidade ou posição social, aquela larga demonstração de simpatia e apreço, e afirmava que a A Tribuna continuaria a seguir a larga orientação do espírito que a norteara, dedicando-se como sempre por todas as questões que se relacionassem com o progresso, a liberdade e a civilização do país e particularmente da cidade de Santos.

Quase noite, não mais alcançada a hora do sepultamento, o corpo ficava depositado na pequenina capela do cemitério. Não se fechava o largo portão e a romaria se fazia até o dia seguinte. Pela manhã de domingo, o ataúde era colocado no adro da capela a fim de facilitar o trânsito, tal a quantidade de pessoas que ali afluía para a derradeira homenagem a Olímpio Lima. Às oito e um quarto, depois de encomendado pelo reverendíssimo Monsenhor Moreira, o corpo foi transportado para o jazigo n. 6, campa n. 64, pertencente à Câmara Municipal, aí ficando sepultado.

Fizeram-se discursos. O último a falar, Francisco Andrade, convidava o povo para o solene compromisso de se erguer sobre aquela sepultura um mausoléu que perpetuasse a gratidão e a saudade dos santistas.

O monumento lá está. O povo atendeu ao que se lhe pedia. E ainda há pouco, visitando o Paquetá, em frente ao monumento, ouvimos de modesto funcionário daquela necrópole que ainda muita gente ali se queda, comovida, evocando as lutas sustentadas por aquele homem das colunas desta folha, lutas que ele sabia vencer, por amor dos humildes, dos carecentes de proteção e apoio, de assistência contra os prepotentes e os mal-intencionados.

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