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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - MEDICINA
Hospital Anchieta (1)

Hospício foi fechado em meio à polêmica entre partidários e opositores da luta antimanicomial

Texto publicado nas edições impressa e eletrônica do jornal santista A Tribuna, em 19 de maio de 2007:


Leonardo Pinheiro Nardela elaborou projeto...
Foto: Marcelo Justo, publicada com a matéria

Sábado, 19 de Maio de 2007, 07:47
ANCHIETA
Projeto prevê local de arte

Da Redação

Um lugar de convivência, com teatros, oficinas de dança, música, galeria de arte, praças arborizadas, restaurante. Quem conhece a história não imaginaria que essa descrição poderia ser do mesmo local onde funcionou a Casa de Saúde Anchieta, mas no projeto do arquiteto Leonardo Pinheiro Nardella, de 30 anos, tudo isso se transforma em realidade.

Resultado do Trabalho Final de Graduação (TFG) do curso de Arquitetura, na Universidade Santa Cecília (Unisanta), o projeto chama-se Casa de Saúde Anchieta - Apagando o Passado Reescrevendo o Futuro. Leonardo conta que, ao pensar no trabalho final da faculdade, a sua intenção foi a de criar algo que beneficiasse a sociedade Santista. Depois de conhecer um pouco mais sobre a história dos manicômios com a sua namorada, que é psicóloga, o arquiteto pensou em transformar o antigo prédio da Casa Anchieta em um grande complexo de saúde e higiene mental.

O profissional explica que tentou transformar o antigo hospital psiquiátrico em um local voltado para todos as pessoas, independentemente de sua condição psicológica. "Vivemos em um tempo onde o grande mal é o estresse, por isso pensei em um espaço onde todos pudessem entrar e participar das atividades".

Na concepção do projeto, os pacientes da Rede Pública de Saúde Mental participam de todas as atividades que as outras pessoas, sem isolamento, colaborando com a inclusão dos pacientes na sociedade.

No projeto, os cinco mil metros quadrados construídos da Casa de Saúde Anchieta também dão espaço a um centro de formação de profissionais da Saúde Mental e áreas abertas para apresentações e convivência.

Elaboração - Para elaborar o Casa de Saúde Anchieta - Apagando o Passado Reescrevendo o Futuro, Leonardo visitou algumas unidades do Núcleo de Apoio Psicossocial (Naps), conversou com os usuários, profissionais da área e algumas pessoas ligadas ao processo de Reforma Psiquiátrica de Santos.

Uma das constatações de suas visitas aos Naps da Cidade foi a falta de espaços ao ar livre para os pacientes e, como no caso do Naps 1, da Zona Noroeste, ambientes com características de lares, não de hospitais.

O trabalho de Leonardo foi um dos escolhidos para participar do concurso Opera Prima, que reúne os melhores projetos finais de arquitetura do Brasil. Leonardo deseja vencer esta competição, mas o desejo não é maior do que o sonho de ver o seu projeto colocado em prática.


...como conclusão do curso de Arquitetura
Imagem: divulgação, publicada com a matéria

Saiba mais
CASA ANCHIETA

A Casa de Saúde Anchieta era um hospital psiquiátrico que funcionou por quase 30 anos na Cidade. Localizada na Rua São Paulo, na Vila Belmiro, os métodos de tratamento utilizados nos pacientes eram os mais variados. Confinamento, choque elétrico, espancamento eram alguns deles. Por isso, o local ficou conhecido como Casa dos Horrores. O fim do Anchieta foi decretado em 1989, com a intervenção da então prefeita Telma de Souza.

No dia anterior, 18 de maio de 2007, o mesmo jornal A Tribuna, na seção Tribuna Livre, publicou:


Ilustração: Max, publicada com o texto

Luta Antimanicomial: a mobilização necessária

Telma de Souza (*)

Neste 18 de maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial, é comum recordarmos a intervenção na Casa de Saúde Anchieta, em 3 de maio de 1989, no início de nossa gestão na Prefeitura de Santos. A ação teve repercussão nacional e internacional, devido à coragem da equipe de profissionais que atuaram no processo que culminou com a destivação do manicômio.

É, sem dúvida, importante destacar o pioneirismo da intervenção. Cabe a nós, porém, ir mais além, alertando que os objetivos que perseguíamos continuam distantes e, em certos casos, bastante ameaçados.

Vamos aos fatos. Também em 1989, o então deputado federal Paulo Delgado (PT) apresentou projeto prevendo o fechamento dos manicômios e desvinculando perturbação mental da idéia de periculosidade e incapacidade, além de preconizar uma rede externa de apoio aos pacientes. A matéria tramitou no Congresso até 2001, quando foi aprovado substitutivo do então senador Sebastião Rocha (PDT), onde as duas primeiras exigências do projeto original, consideradas fundamentais para a humanização do sistema, foram banidas. O lobby dos hospitais psiquiátricos e da indústria farmacêutica mostrou sua força.

 

O retorno das internações é cada vez mais freqüente

 

Hoje, sob diversos subterfúgios, o retorno das internações e do confinamento é cada vez mais freqüente. O eletrochoque, denominado agora eletroconvulsoterapia (ECT), voltou a ser defendido e aplicado. O mesmo ocorre com as altas dosagens de medicamentos. No Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, por exemplo, essas práticas são linhas-mestras de tratamento.

Em 1992 havia, no Brasil, 83 mil leitos psiquiátricos mantidos pelo SUS, a um custo de R$ 250 milhões. Em 2005, o número caiu para 42 mil, mas as despesas subiram para R$ 460 milhões, sendo que 80% desse montante foram destinados ao setor privado, na maioria para redes de hospitais psiquiátricos de empresas de cunho familiar.

Outro dado importante: das verbas da saúde para a área, 63% vão para os hospitais, enquanto apenas 36% são encaminhados para os chamados trabalhos substitutivos, isto é, os Centros ou Núcleos de Atendimento Psicossocial (CAPs e NAPs), atendimento ambulatorial e outras redes alternativas à internação. E mesmo nas localidades onde há quantidade razoável de CAPs ou NAPs, é cada vez menor o investimento em profissionais e estrutura física dos equipamentos. Num processo perverso, o poder público – e Santos, infelizmente, não é exceção – continua mantendo os postos, mas quase nada investe no material humano responsável pelo trato com o paciente. Cria-se assim terreno fértil para a volta do sistema de internações e suas nefastas conseqüências.

Que este Dia Nacional de Luta Antimanicomial sirva para nos tornar cada vez mais conscientes da situação pouco animadora a que chegamos e da urgência de uma ampla mobilização para mudar esse quadro.

(*) Telma de Souza foi prefeita de Santos (1989/1992), deputada estadual por três mandatos consecutivos e é a atual primeira suplente do PT de São Paulo à Câmara Federal.


Prédio do antigo Hospital Anchieta, em 2007
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 23 de junho de 2007

A resposta veio em 30 de maio de 2007, na mesma coluna Tribuna do Leitor do jornal santista A Tribuna:

Luta Antimanicomial: um outro ponto de vista

Moyses Aron Gotfryd (*)

Temos a oportunidade de contestar neste comentário alguns pontos de vista defendidos em A Tribuna pela ex-prefeita Telma de Souza, a qual temos a certeza que conhece muitos assuntos, porém é completamente desinformada e certamente mal-assessorada nos temas pertinentes à psiquiatria, como passaremos a demonstrar.

Quando da intervenção municipal na Casa de Saúde Anchieta, fato ocorrido baseado em levantamento das condições do hospital, promovido por uma equipe multidisciplinar da qual fui presidente, por determinação da DIR-XIX, e cujo relatório final chegou às mãos da então prefeita por caminhos politicamente incorretos, esta, ao invés de aprimorar a assistência ao enfermo, propiciando condições humanas de atendimento, decidiu pelo modo politicamente mais visível: fechar o hospital, referência regional, deixando abandonados os doentes, jogados pelas ruas, exercendo seus "direitos de cidadania". Naturalmente o assessor da prefeita naquela ocasião, como agora, não se baseou em conhecimento científico defendido por qualquer universidade digna deste nome.

Voltando ao comentário da articulista, ela investiu contra a Universidade de São Paulo, particularmente contra o Instituto de Psiquiatria, onde certamente seu assessor para estes assuntos jamais passou pela porta, senão teria um mínimo de prudência e não afirmaria que a prática de eletrochoque é linha-mestra de tratamento.

Em todos os países se utiliza a convulsoterapia.

Em São Paulo, não só o IPQ-HC, mas também a Unifesp – Escola Paulista de Medicina, adotam a prática do ECT, como tive ocasião de constatar em um curso promovido pela última, associada à Universidade de Harvard, em que tal procedimento foi considerado uma das alternativas dentre os tratamentos biológicos disponíveis e que não deveria ser discriminado. O eletrochoque é indicado sim, para gestantes, pessoas idosas e pacientes com comorbidades que não suportariam os efeitos adversos dos medicamentos necessários, bem como pacientes não responsivos ao tratamento convencional. Não é panacéia universal mas tem sua estrita indicação e não é "linha mestra de tratamento".

 

Doentes jogados na rua exerceram seus "direitos de cidadania"

 

O movimento auto-intitulado "antimanicomial" pecou pelo excesso de misturar num mesmo saco hospitais públicos pessimamente administrados e clínicas de padrão de Primeiro Mundo. Essa experiência santista, baseada naquela que foi desenvolvida em Trieste, na Itália, por um psiquiatra denominado Basaglia, que reinventou a roda, decidiu pela supressão dos leitos hospitalares de psiquiatria, e só podia dar no que deu: mau resultado. Pinel já havia liberado os insanos há 250 anos.

Na Itália, sem hospital psiquiátrico, a família, como opção, levava o doente para ser internado na Suíça. Aqui, os doentes ficam pelas ruas mesmo, sem comida, sem tratamento e sem abrigo. Porém, diga-se o que deve ser dito: "Estão exercendo a cidadania".

No mundo todo existem hospitais psiquiátricos; não é esquisito que só em poucos lugares onde proliferou determinado ideário político eles tenham de ser banidos?

Investir contra os hospitais psiquiátricos foi fácil: cuidemo-nos, pois algum dia os detentores deste viés científico poderão cismar, por exemplo, que as clínicas cardiológicas são absolutamente desnecessárias pois tiram dos doentes a oportunidade de morrer em paz.

O dia nacional de luta antimanicomial deve estar mesmo sendo celebrado pelos familiares dos doentes que necessitam de tratamento em regime de internação urgente e simplesmente não têm onde levá-los.

Muito se tem falado neste País em "herança maldita". A luta antimanicomial com certeza é uma delas...

(*) Moyses Aron Gotfryd – médico psiquiatra e perito forense.


Prédio do antigo Hospital Anchieta, em 2007
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 23 de junho de 2007

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