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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (D)
Favelas urbanas e desfavelamento (1)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas. É desse período esta matéria especial, publicada no jornal santista A Tribuna em 8 de dezembro de 1980 - data em que, para referência de valores, vale recordar que um dólar estadunidense era cotado pelo Banco Central a Cr$ 62,515 para venda, e um salário mínimo no Brasil valia Cr$ 5.788,80:
 
Favelas urbanas

Valongo, Paquetá, Vila Nova. Como recuperar estas áreas?

José Carlos Silvares
Fotos de Rafael Herrera

Pobres bairros,
malcheirosos e de aspecto desolador

Os velhos bairros estão decadentes. Transformaram-se em favelas urbanas, onde um porão é disputado a tapas e onde há proliferação de promíscuas moradias coletivas.

Nos últimos 10 anos, bairros como o Paquetá, o Valongo e a Vila Nova (onde está o Mercado Municipal), entre outros, deixaram de ser habitados por famílias de melhor renda, que preferiram a proximidade da praia.

As velhas residências de vários cômodos foram invadidas pelo pequeno comércio, pelos bares e prostíbulos; outras servem de moradia coletiva, onde um quarto custa Cr$ 3 mil mensais. A descaracterização encarregou-se de afastar dali as famílias restantes, empurradas para os bairros da periferia.

Abandonados também pela administração pública, que pouco ou quase nada aplicou nessas áreas, na última década, os velhos bairros entraram em profunda decadência. Em contrapartida, nesse mesmo espaço de tempo, surgiram bairros novos na Zona Noroeste: Bom Retiro, Santa Maria, Jardim Castelo, Vila São Jorge, Rádio Clube. Toda essa área foi urbanizada, recebeu asfalto nas ruas, ganhou praças e escolas. Mas criou periferias: as favelas de Vila Gilda e da Vila Alemoa (ou Chico de Paula), onde 15 mil pessoas sobrevivem em condições subumanas.

Paquetá, submundo - Foi preciso que um armazém de café se incendiasse, há dois anos, para que se soubesse quantas pessoas vivem na Travessa Maria Loureiro - um beco da Rua Conselheiro Nébias, junto ao porto.

Ali, em pleno Paquetá, vivem centenas de pessoas, em casas de cômodos, apertadas. Na noite do incêndio no armazém, todas vieram para o lado de fora, pertences nas mãos, crianças no colo, salvando o que podiam, com medo do fogo. Num minuto já havia uma pequena multidão na rua. Moradores do beco, terror nos olhos.

Assim vive parte de um dos velhos bairros, o Paquetá: repleto de gente amontoada em quartos alugados. É lá que as casas não têm fachadas, tantas são as roupas estendidas em varais improvisados. É lá que estão os hotéis de alta-rotatividade da Boca, onde prostitutas e marginais, produtos da proximidade com o porto, disputam o dinheiro e a vida. É lá, ao lado do cemitério, ou atrás dele, que vivem (ou morrem?) migrantes de todos os lados, gente que abandonou o campo e a seca para construir os prédios da praia.

Valongo, esquecido - Muitas das famílias que hoje vivem nos prédios da praia passaram a infância no Bairro Chinês. Hoje esse bairro só existe mesmo na memória dos mais velhos: foi tragado pelos armazéns, pelos pátios de adubo e de enxofre, pelo tempo. O nome também não resistiu - o bairro das ruas Caiubi, Marquês de Herval, Alexandre de Gusmão, e outras, acabou chamado apenas de Valongo.

Nem o Valongo resistiu. O tráfego pesado, a prostituição, os crimes, a promiscuidade dos casarões e o despejo diário de migrantes que chegam nos trens, mudaram o aspecto do bairro de construções antigas. A Igreja de Santo Antônio, de altares de ouro, permanece imponente desde 1640, apesar das feridas abertas. Mas os prédios coloniais que abrigaram a Prefeitura e a Câmara, na República, escondem hoje em seus quartos os verdadeiros moradores do bairro.

As ruas são de paralelepípedos, intransitáveis nos dias de chuva. Os pesados caminhões se encarregaram de esburacá-las e também acabaram por destruir os postes em estilo colonial implantados ali pela Prefeitura, com o intuito de reurbanizar a área.

O Valongo é hoje uma zona de fome e de medo, habitado por gente que não pôde escolher.

Vila Nova, malcheirosa - Já não se escolhe mais uma fruta ou um legume, nas bancas do Mercado Municipal, sem que se leve com eles o cheiro de podre da região. O mau cheiro - o terrível mau cheiro - dominou a velha Vila Nova, também conhecida por Zona do Mercado.

O cheiro vem da Bacia, que há muitos anos não é limpa. Talvez porque não haja um responsável por limpá-la constantemente. Ou há? Aquelas águas mortas, negras, sujas, só não afugentam dali os moradores de Vicente de Carvalho, obrigados a embarcar nas catraias para a travessia diária do canal do estuário.

Nos dias quentes, como os atuais, a situação piora. O cheiro invade as entranhas, faz tossir, provoca náuseas. Só mesmo a necessidade, a privação, pode fazer com que os catraieiros e toda aquela gente que circunda o Mercado passe o dia inteiro ali.

Mas os problemas do bairro não se resumem ao cheiro. Há ruas esburacadas, prédios em ruínas, trânsito infernal de caminhões. O próprio prédio do Mercado Municipal tem aspecto sombrio, de abandono.

Por todo o bairro há também casas superlotadas de gente oprimida. Gente que tomou o lugar outrora ocupado pela classe média de Santos; gente que chegou sem nada e que se entregou de braços abertos aos quartos e aos cantos das velhas moradias. Apesar dos ratos e apesar do terrível cheiro de podre no ar.

Outros, agonizam - Há outros bairros que já sentem falta de ar. São áreas que aos poucos estão sendo invadidas pelo Porto, pelos pátios e armazéns, pelos pesados caminhões. Bairros como a Vila Matias, o Macuco e o Estuário, entre outros, deixaram de ser zonas residenciais e sofrem hoje o esmagamento do progresso, recebendo cada vez mais a vizinhança do comércio, das indústrias, das oficinas.

Ruas como a Silva Jardim, Campos Melo, João Guerra, Luís Gama, Xavier Pinheiro, Joaquim Távora, Luíza Macuco, Rodrigo Silva, Manoel Tourinho, entre outras, estão agonizando. Ninguém mais quer a companhia do tráfego pesado, dos buracos, do ar poluído, do medo. Os caminhões de mudança têm tido muito trabalho por ali.

O mau cheiro alimenta a decadência

Caem as casas.
E surge uma nova muralha de prédios

Nem mesmo as grandes residências da Vila Rica estão resistindo. A insegurança e a especulação fazem com que em cada terreno de 12 por 40 metros surja um prédio de 10 andares. Assim, está-se formando uma nova muralha de edifícios - mais um cinturão que vai se juntar aos demais, avançando gradativamente na direção dos bairros.

Esse crescimento é exigência do desenvolvimento urbano. No caso de Santos, que não tem mais para onde se expandir, a taxa de crescimento urbano é de 2,7% ao ano, e a alternativa de expansão é vertical, formando-se novo cinturão de prédios, denominado pelo paisagista Burle Marx, há algum tempo, de "muralha dos egoístas".

À medida em que as famílias da classe média - na maioria, comerciantes - abandonam os bairros invadidos pelas oficinas e pelas empresas que prestam serviço ao porto, começaram a surgir novos prédios, para abrigá-las. Outras famílias, de menor renda, procuram bairros como o Marapé e José Menino. Outras, mais carentes, são empurradas para a encosta dos morros.

A ebulição urbana começou mesmo no início da década de 70, quando novas áreas foram procuradas, para atender às necessidades imobiliárias de desenvolvimento. Iniciou-se, então, um crescimento desordenado, que os técnicos em urbanismo denominam de caos urbano, e que pode levar, como nas grandes metrópoles, à neurose social. Essa falta de planejamento adequado, segundo os técnicos, levará à inevitável perda da qualidade de vida, com os prejuízos que os prédios trarão à circulação de ar na Cidade. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) prevê que já na próxima década (1980) não haverá mais áreas livres na praia, e no ano 2000 processo idêntico poderá acontecer nos bairros internos. Por isso, o PDDI sugere uma série de medidas de controle e de disciplina do desenvolvimento urbano. Mas, desde o lançamento do plano, em 1978, nada foi feito.

Os bairros deixados para trás - por que já não oferecem qualidade de vida adequada - foram (e estão sendo) ocupados por famílias que conseguem deixar as favelas e as encostas dos morros. O barraco é vendido e a família aluga um quarto numa das centenas de casas de cômodos existentes na Vila Nova, no Paquetá ou mesmo no Centro; ou então, vai morar num porão inabitável (!), dos tantos existentes na Vila Matias. As favelas e as encostas dos morros, por sua vez, são ocupadas pelos migrantes despejados dos trens no Valongo.

Corredores de serviço - A mesma descaracterização está acontecendo nas principais vias de Santos. As avenidas Ana Costa, Conselheiro Nébias, Siqueira Campos, Washington Luís, Bernardino de Campos e Pinheiro Machado (estas, dos canais 4, 3, 2 e 1), aos poucos, perdem as antigas residências para casas comerciais. Assim, apenas para exemplificar, a Avenida Conselheiro Nébias passou a ser um enorme corredor de prestação de serviços: há, em toda a via, dezenas de escolas, consultórios médicos, firmas de automóveis e outras casas comerciais, ocupando, na maioria dos casos, as velhas moradias.

Paquetá, proliferação de submoradias

Planos. Só planos

A princípio, só há planos para uma revolução urbanística em Santos. Mas planos sempre existiram. O que não há são medidas efetivas que "orientem o crescimento físico de Santos e adotem medidas coerentes com as necessidades de seu desenvolvimento", como diz a apresentação do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) de 1978, assinada pelo então prefeito Antônio Manoel de Carvalho.

Esse plano, como se diz, parece ter sido feito "para inglês ver". Nada, ou quase nada, do que consta no estudo (que teve por base uma orientação de 1976) foi levado a efeito. E o crescimento físico continua, em ritmo desordenado, rumo à asfixia urbana.

Santos, até hoje, utiliza o Plano Diretor Físico (que envolve o código de posturas, o código de edificações e normas ordenadoras e disciplinadoras para os morros) de abril de 1968, um plano que segundo os técnicos já não atende às necessidades reais da Cidade, em vista das transformações urbanas ocorridas na década de 70.

O PDDI, por sua vez, orienta quanto ao uso do solo diferenciado, o reforço das unidades ambientais e do centro histórico, a preservação do conforto ambiental, a instalação de equipamentos urbanos, as condições para o setor de transporte, ao aprimoramento da paisagem urbana. Este último item, entre outros, garantiria, por exemplo, a revitalização de alguns bairros desgastados como o Valongo, a Vila Nova e o Paquetá.

Quanto ao Paquetá, inclusive há uma orientação no PDDI de que ao lado do centro histórico se poderiam criar áreas de concentração de investimentos públicos e particulares, destinados ao setor de prestação de serviços, junto ao início da Avenida Conselheiro Nébias. Com isto, o Bairro do Paquetá seria integrado ao do Centro, como um prolongamento e, em última instância, valorizado.

Há também detalhes quanto ao desenvolvimento de centros comerciais nos bairros, a exemplo do que já ocorre no Gonzaga e no Boqueirão, concentrando o comércio em algumas áreas e deixando o resto do bairro para as residências e áreas de lazer.

Prodesan planeja -  Com recursos do Banco Mundial e da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (Cr$ 213 milhões), do Estado (Cr$ 45 milhões) e próprios (Cr$ 30 milhões), Santos deverá ganhar novos planos, elaborados pela Prodesan para aplicação "já a partir de 1981".

Assim, enquanto não esquece o projeto de uso de solo, sobre o PDDI de 1978, a Prodesan pretende dar ênfase a melhorias nas zonas Leste e Noroeste, tendo ainda recursos do Projeto Aglurb e do Fumest. Os planos abrangem desde a melhoria do sistema de transportes com orientação do trânsito, construção de abrigos de ônibus, criação de faixas de ônibus, integração de transportes (inclusive com o hidroviário, no Valongo), pavimentação e outras, recapeamento da Avenida Epitácio Pessoa, reurbanização da orla marítima, conclusão do Mercado de Peixe, na Ponta da Praia; implantação do sistema de ciclovias, reforma de escolas e de prontos-socorros; áreas de lazer; e outras obras, inclusive com mais recursos financeiros do Município.

Para o Paquetá, especificamente, há planos de melhoria na pavimentação, drenagem, meios-fios e sarjetas, abrangendo várias ruas. E construção de cemitério vertical, de quatro andares, sobre o atual. Para o Centro, há planos de tratamento paisagístico e de construção de anel viário tendo como eixo a Rua João Pessoa.

Bairro Chinês serve de exemplo ao Valongo

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