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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Traz-os-Montes

1906-1951 - ex-Bülow, depois Nyassa

A história do mundo e da civilização não seria a mesma se um pequeno reino e seus homens não tivessem se debruçado sobre o oceano que se situava às portas de suas cidades e aldeias. A saga marítima portuguesa inicia-se na aurora do século XV e tem expansão contínua até fins do século XVI, sendo um acontecimento, na história da Humanidade, dos mais marcantes e progressistas.

O primeiro fator (marcante), pela coragem, fé e perseverança dos pioneiros da navegação atlântica, daqueles homens que conduziram suas caravelas por "mares nunca dantes navegados".

O segundo fator (progressista), pela visão de um homem excepcional, Dom Henrique, o Navegador, fundador da Escola de Sagres e grande espírito animador à frente de seus homens e comandados.

As implicações políticas, comerciais, geográficas, técnicas e humanas desta grande aventura marítima de Portugal ainda hoje se fazem sentir em todo o planeta.

No Museu de Marinha de Lisboa, fundado pelo rei Dom Luís em 1863 e hoje situado no esplêndido Mosteiro dos Jerônimos, estão preservadas algumas riquezas da história marítima de Portugal dignas de visita. Entre estas riquezas, maravilhosos modelos de naus e caravelas, memórias dos navegadores famosos e testemunhos dos descobrimentos marítimos.

A grande tradição naval de Portugal se diluiu no tempo e no espaço dos quatro últimos séculos e, como ironia da própria História, a nação portuguesa não teve participação muito ativa na Rota de Ouro e Prata na era do navio a vapor, a partir de meados do século XIX.

Foram somente quatro as companhias lusitanas a terem navios em linha regular para a costa Leste da América do Sul. É bem verdade que as colônias africanas de Angola e Moçambique tinham maior importância para Portugal e que boa parte das atividades marítimas e comerciais estavam concentradas no elo Portugal-África; os cidadãos portugueses que embarcavam para uma nova vida no Brasil o faziam mais a bordo de navios de outros países do que do seu próprio.

No início do século XX, as finanças do Estado português não se apresentavam em boas condições e o país vivia em depressão econômica crônica, onde convergiam também vários problemas políticos e sociais. Esta situação obrigava um número cada vez maior de portugueses a emigrarem, seja em direção às colônias africanas, seja em direção ao Brasil, nação irmã e de língua comum.

No dia 28 de junho de 1914, o arquiduque da Áustria e sua esposa, quando se encontravam em Sarajevo, capital da Bósnia, foram assassinados por um estudante sérvio, ajudado este pelos nacionalistas daquela região balcânica.

O Império Austro-Húngaro aproveitou a ocasião para entrar em conflito com a Sérvia e acabar assim com seus sonhos de potência e nação independente. Tal fato foi a origem da Primeira Guerra Mundial, que, de 1914, durou até 1918.

Tonelagem pequena - Portugal, no início da guerra, possuía tão somente cerca de 30 navios, a maioria de pequena tonelagem e pertencentes à Empresa Nacional de Navegação, que cobria a ligação entre Portugal e África.

Ao iniciar-se o conflito, cerca de 70 vapores de bandeira alemã se refugiaram em portos portugueses situados - seja no continente ou nas ilhas-colônias - sob o controle português (Cabo Verde, Mormugão, Açores, Madeira, Angola e Moçambique); estes navios estavam protegidos pela condição de neutralidade em que se situava Portugal na guerra.

Sem uma grande frota nacional, e com os serviços de linha a outros países cortados pela guerra, Portugal logo se viu com problemas de abastecimento de gêneros de primeira necessidade, como açúcar, granéis, carne, algodão, carvão e outros.

À medida que o tempo foi passando e que a guerra continuava, essa situação piorou até tal ponto que as autoridades portuguesas se viram obrigadas a tentar comprar ou negociar o uso desses navios alemães que se encontravam em portos portugueses.

Decreto - Tais tentativas falharam, por uma série de problemas políticos, e - em 24 de fevereiro de 1916 - o Ministério da Marinha decretou a requisição de 35 navios alemães que se encontravam no porto de Lisboa. No mesmo dia, através de um decreto, foi constituída uma Comissão de Administração dos Serviços de Transportes Marítimos, que foi a precursora da estatal Transportes Marítimos do Estado (TME).

Entre os navios apresados em Lisboa encontrava-se o Bülow, que pertencia até então à NDL. Construído em 1906, o Bülow havia feito sua viagem inaugural no mesmo ano, ligando o porto alemão de Bremerhaven a Xangai (China) via Mediterrâneo e Canal de Suez; a viagem seguinte levou o Bülow de Bremen a Sydney - rota que serviu durante 12 meses, antes de ser transferido para a linha de Nova Iorque, onde permaneceria até 1911, fazendo então cinco viagens redondas.

A NDL utilizava seus navios de maneira rotativa e o Bülow alternou entre a rota Europa-Estados Unidos e Europa-Ásia, realizando 18 viagens nesta última, sendo surpreendido pelo início da guerra em Lisboa.


Rara imagem do Traz-os-Montes nas cores da TME

Novo nome - Passando para a propriedade do Estado português, o Bülow foi rebatizado com o nome de Traz-os-Montes, cabendo ressaltar que era o maior dos 74 navios ex-alemães apresados por Portugal. Destes 74, dez pertenciam anteriormente à Hapag, oito à DLL, cinco à Hansa, quatro à NDL, e os restantes, divididos entre outras 20 companhias alemãs.

A mudança de nome para Traz-os-Montes aconteceu no dia 9 de março de 1916 e, ao mesmo tempo, outros 63 navios receberam nomes de territórios portugueses. Por coincidência, foi naquele mesmo dia que a Alemanha declarou estar em estado de guerra com Portugal, decisão esta motivada pela apreensão de seus navios mercantes.

Com bandeira portuguesa, mas afretado à empresa britânica Furness-Withy (como também assim o foram 50 outros navios ex-alemães), o Traz-os-Montes voltou a navegar no início de 1917 sob o comando do capitão D. Buckley, fazendo um longo périplo, que o levou de Lisboa a Nova Iorque e, em seguida, a Cardiff, Dacar, Porto Natal, Suez e Marselha.

Nos meses restantes da guerra, o Traz-os-Montes, sobretudo no Mediterrâneo e ao fim do conflito, foi utilizado como navio-transporte-de-tropas, realizando nessa condição três viagens, entre novembro de 1918 e maio de 1920, para portos do Sudeste Asiático (Cingapura, Hong Kong, Xangai) e repatriando para Londres um grande número de combatentes britânicos. Essas viagens de repatriamento fizeram do Traz-os-Montes um navio popular na Grã-Bretanha, a tal ponto que o transatlântico era considerado inglês.

Após um breve período inativo em Londres (entre julho e novembro de 1920), o Traz-os-Montes foi devolvido à TME, que decidiu empregá-lo então na Rota de Ouro e Prata, transportando principalmente emigrantes portugueses para o Brasil. As viagens começavam em Hamburgo e - via Le Havre, Lisboa, Rio de Janeiro e Santos - iam até Buenos Aires, tendo o Traz-os-Montes realizado cerca de 15 viagens redondas entre janeiro de 1921 e fins de 1922.

Com a CNN - Em 1924, foi vendido para a Companhia Nacional de Navegação (CNN), herdeira da Empresa Nacional de Navegação a Vapor, e passou a ser utilizado na linha para Angola e Moçambique, com o novo nome de Nyassa.

Cinco anos depois, no dia 7 de dezembro de 1929, o Nyassa inaugurou um novo serviço de linha da CNN para o Brasil e - entre aquele mês e agosto de 1932 - foram realizadas 14 viagens entre Lisboa e Santos, via Rio de Janeiro, revertendo-se em seguida para o serviço de colônias portuguesas na África, onde permaneceria até 1939.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o Nyassa passou a ser utilizado novamente na Rota de Ouro e Prata, realizando, entre 1941 e 1942, duas viagens entre Lisboa e Buenos Aires, via Rio de Janeiro - viagens estas de extremo perigo, devido à presença de submarinos no Atlântico. Outras dez viagens redondas foram feitas entre 1940 e 1944 para a costa Leste dos Estados Unidos, onde escalava em Nova Iorque e Baltimore.

Terminado o período bélico, o Nyassa voltou à Rota de Ouro e Prata, servindo fielmente aqueles portos bem conhecidos dos emigrantes, sobretudo Rio de Janeiro e Santos.

A última viagem ocorreu em julho de 1949, com saída de Lisboa e destino à colônia portuguesa de Macau, escalando em inúmeros portos intermediários. No mês de novembro, o Nyassa (ex-Bülow e ex-Traz-os-Montes) foi ancorado no porto de Lisboa, aguardando destino final. Este chega através dos maçaricos de demolição da empresa inglesa Hughes Bolckow, o porto de Blyth, onde o Nyassa foi desmontado no final de 1951.

Traz-os-Montes:

Outros nomes: Bülow, Nyassa
Bandeira: portuguesa
Armador: Transportes Marítimos do Estado
País construtor: Alemanha
Estaleiro construtor: J.C.Teclenborg (porto: Geestemunde)
Ano da viagem inaugural: 1906
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 9.028
Comprimento: 146 m
Boca (largura): 17 m
Chaminé: 1
Mastros: 2
Velocidade média: 15 nós
Hélices: 2
Passageiros: 345
Classes: 1ª - 107
                2ª -  113
                3ª -  125

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 9/7/1992