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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o La Correntina

1912-1914

No precedente artigo desta coluna, dedicado ao Hornby Grange, tivemos a oportunidade de relatar em síntese as origens da Houlder Line Ltd., armadora fundada em 1899, com a finalidade de englobar os navios pertencentes à família Houlder (encabeçada por Edwin S. Houlder) e que até então pertenciam a empresas individuais.

Por volta de dezembro de 1910, a Furness Withy já havia assinado um acordo de tráfego com a Houlder Line relativo à utilização em comum das frotas individuais de navios frigoríficos pertencentes a cada uma destas armadoras e operantes na Rota de Ouro (Brasil) e Prata (Argentina).

Nos termos desse acordo (que constituía uma verdadeira joint-venture - associação) incluíram-se cláusulas que previam a utilização de uma já existente sociedade armadora do Grupo Furness Withy para se registrar em seu nome uma série de novos vapores destinados ao transporte de carne congelada e frigorificada entre o Prata e a Europa do Norte.

Nesta sociedade armadora, denominada British & Argentine Steam Navigation Co. Ltd. (B&A), no decorrer dos primeiros meses de 1911, foram registrados, em seus ativos, os três navios frigoríficos que até então pertenciam à Furness Withy: El Cordobes, de 3.792 toneladas, construído em 1900; La Blanca, de 4.405 toneladas, datando de 1906; e El Argentino, de 4.411 toneladas, de 1907.


La Correntina era então o maior navio frigorificado do mundo
Foto: reprodução, publicada com a matéria

Contemporaneamente à passagem destes três vapores à B&A, foram ordenados outros cinco grandes navios mistos, com capacidade de transporte frigorificado e congelado, como também dispondo de acomodações para passageiros.

Estes novos navios encomendados receberiam os nomes de El Uruguayo, El Paraguayo, La Correntina, La Rosarina e La Negra e seriam postos em serviço os quatro primeiros em 1912 e o último, em 1913.

Após a compra, em julho de 1911, da parte majoritária do capital/ações da Houlder Line Ltd. pelo Grupo Furness Withy, foi criado um consórcio de gerenciamento operacional de toda a frota de navios frigoríficos, englobando o controle e a utilização dos vapores pertencentes às divisas subsidiárias do novo Grupo Furness-Houlder que operavam no setor do transporte de carnes.

Estas subsidiárias eram então as seguintes: Argentine Cargo Line (três navios), Furness, Withy & Co. (três navios), Houlder Brothers & Co. (11 navios), Manchester Liners (dois navios), Gulf Line (um navio).

As áreas operacionais foram divididas em duas grandes zonas, uma responsável pelos navios operando para a costa Leste da América do Sul e outra pelos vapores que serviam a rota da Austrália e Nova Zelândia.

Além dos oito navios já mencionados, a B&A recebeu, no fim de 1912 e primeiro semestre do ano seguinte, mais outros cinco navios com capacidade frigorificada: o Lynton Grange, o Derby Grange e o Oaklands Grange (todos entregues em 1912), o Rounton Grange e o Oldfield Grange (ambos de 1913).

Assim, por volta de meados de 1913, a frota completa da British & Argentine representava 13 navios frigorificados, todos eles pintados de casco e chaminés pretas, estas últimas levando a tradicional cruz de Malta branca em fundo vermelho, símbolo da genitora Houlder.

No início de 1914, existiam cerca de 250 vapores com instalações de refrigeração ou de congelamento que batiam a Union Jack (bandeira da marinha mercante da Grã-Bretanha). Deste total, o Grupo Furness-Houlder contribuía com 20 unidades, representando capacidade total de 4 milhões 400 mil pés cúbicos e, dentro desses 20, pertenciam à B&A 13 navios.

O maior, em tonelagem e em capacidade cúbica de carga frigorificada, de todos estes 250 navios, foi, em absoluto, o La Correntina, seguido pelo seu irmão gêmeo, o El Paraguayo. Ambos eram navios de linhas avançadas e baixo perfil, com dois decks (conveses) de superestrutura e uma única chaminé.

Além dos porões frigorificados com capacidade para quase 4 mil toneladas de carga, haviam sido projetados para transportar cerca de 400 passageiros em terceira classe (emigrante) e apenas uma dúzia de privilegiados em primeira classe.

Construídos pelo mesmo estaleiro (Irvine Shipbuilding), seguindo igual desenho de prancha, foram entregues à B&A com seis meses de intervalo.

O primeiro foi o El Paraguayo (8.508 toneladas de porte bruto – tpb), em junho de 1912, realizando naquele mês sua viagem inaugural entre Newcastle (Grã-Bretanha) e Buenos Aires.

O La Correntina (8.529 tpb), entregue em dezembro do mesmo ano, zarpou no dia 14 de Liverpool (Inglaterra) para o Prata em sua primeira viagem.

Em toda a sua carreira, o La Correntina realizou 18 viagens redondas entre portos britânicos e do Rio da Prata, não tendo escalado, ao menos em viagens regulares, em nenhum porto brasileiro.

No decorrer de 1913, o La Correntina teve outra distinção: foi o primeiro navio mercante britânico a receber armamento defensivo, na forma de um canhão de 4,7 polegadas, montado na popa (ré).

A iniciativa de armar defensivamente navios mercantes foi do então secretário da Marinha, Winston Churchill, que sabia dar importância a esses preciosos navios frigorificados, nos porões dos quais viajavam as proteínas que alimentariam boa parte da população da Grã-Bretanha e que, em caso de guerra, seriam os preferidos dos ataques de corsários e submarinos inimigos.

Churchill havia previsto corretamente o futuro, já que os dois tiros que eclodiram numa rua de Sarajevo, em 28 de junho de 1914, seriam o prelúdio de muitos outros, disparados no decurso do conflito mundial decorrente do assassinato do arquiduque Ferdinando, herdeiro do trono do reino austro-húngaro, e de sua esposa Sofia.

Em ocasião anterior, nesta coluna, vimos algumas das ações corsárias do ex-transatlântico de passageiros Kronprinz Wilhelm, transformado, logo no início do conflito, em agosto de 1914, em cruzador auxiliar armado da Marinha de Guerra imperial da Alemanha.


O navio tinha um canhão de 4,7 polegadas na popa (ré)
Foto: reprodução, publicada com a matéria

O Kronprinz Wilhelm, cuja missão era a guerra corsária no Atlântico, encontrava-se em cruzeiro de guerra há dois meses e, até então, só havia conseguido um sucesso (o Indian Prince), quando, no dia 7 de outubro de 1914, pouco depois das 6 horas, um de seus vigias avistou um mastro no horizonte, com rota oposta à do corsário, e deu o alarme à ponte de comando.

Nesta, o capitão-de-corveta Thierfelder, comandante do navio alemão, não duvidou que sua segunda vítima acabara de ser avistada e, para poder aproximar-se sem alarme, conservou rota de proa (frente), oferecendo assim o mínimo de silhueta inconfundível do Kronprinz Wilhelm e retardando, deste modo, a sua identificação.

Ainda longe, Thierfelder pôde observar pelo potente binóculo Zeiss que o vapor que se aproximava era de grandes dimensões, dotado de instalações telegráficas e que viajava com carga plena.

Ele não sabia, porém, que este navio era o La Correntina, o maior do mundo em sua categoria, e que havia zarpado de Montevidéu, Uruguai, alguns dias antes, com destino à Inglaterra.

A bordo deste último estavam já sendo transmitidos os primeiros sinais visuais, requerendo a identificação por código secreto do seu navio e a esses sinais Thierfelder sabia que não poderia responder de modo convincente.

Decidiu então aumentar a velocidade do corsário para toda força e mandar içar a bandeira de guerra da Marinha de seu país. Ordenou também que fosse disparado um tiro de advertência à proa do outro vapor junto com o sinal semafórico de Pare as máquinas.

Sem que nenhum outro tiro fosse disparado, o navio da B&A içou bandeira de rendição e parou as máquinas. Thierfelder o havia capturado sem luta e sem sangue. Foi então despachada uma embarcação, levando a tripulação alemã de abordagem.

O La Correntina havia sido capturado nas coordenadas 34º20' Sul de latitude e 49º40' Oeste de longitude, isto é, cerca de 300 milhas marítimas (555 quilômetros) a Leste do Cabo Maldonado (Uruguai), navegando em direção do centro do Atlântico Sul, antes de virar de bordo para a direção Norte.

Esta rota que seguia era secreta e bem diferente da normalmente usada nos tempos de paz, rota essa imposta pelo Almirantado britânico para evitar encontros com corsários inimigos. Em vão...

Na companhia do Kronprinz Wilhelm, o La Correntina fora levado, durante dois [dias] de navegação, para uma área mais ao Sul, fora das rotas de navegação, onde se providenciou o transbordo de seus passageiros (senhoras e crianças incluídas) e tripulantes para o corsário.

Iniciou-se em seguida um longo processo de depenagem, reservado tradicionalmente para uma prenda bélica de sua qualidade, e tudo o que pudesse servir aos alemães foi transferido do La Correntina: carvão em primeiro lugar, equipamento, víveres frescos e boa parte das 3.500 toneladas de carne congelada de primeira categoria de seu carregamento.

Um oficial alemão calculou, para o divertimento geral de seus camaradas, que a captura do navio britânico havia privado 15 milhões de cidadãos britânicos de um bife argentino na refeição.

Durante sete dias seguidos, os alemães aliviavam os bens de bordo do La Correntina e ao fim desse processo prepararam a execução final, instalando cargas de dinamite e bombas explosivas nos porões, agora praticamente vazios.

Na tarde de 14 de outubro, desaparecia, tragado pelas águas do oceano, na posição 36º Sul de latitude e 50º Oeste de longitude, aquele que era então o maior navio frigorificado do mundo.

La Correntina:

Outros nomes: nenhum
Bandeira: britânica
Armador: British & Argentine Steam Navigation Co. Ltd. (B&A), do grupo Furness-Houlder)
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: Irvine Shipbuilding
Porto de construção: West Hartlepool
Ano da viagem inaugural: 1912
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 8.529 t
Comprimento: 135 m
Boca (largura): 18 m
Velocidade média: 14 nós (26 km/h)
Passageiros: 412
Classes: 1ª -   12
                3ª - 400

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 2/2/1995