Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/rossini/carlor.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/08/08 11:03:32
Clique na imagem para voltar à página inicial de 'Rota de Ouro e Prata'

ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Carlo R

1888-1916 - depois Hercules

A embarcação operou desde 1888 até meados da Primeira Guerra Mundial

A história da emigração italiana para os países sul-americanos não é o objeto principal deste trabalho e, portanto, não podemos lhe consagrar mais que um pequeno espaço, o suficiente para coligar este grande fenômeno de transumância (migração periódica), sem o qual não teriam existido centenas de vapores que constituem o tema central de Rota de Ouro e Prata.

O movimento emigratório da Itália para o Novo Mundo pode ser dividido em quatro grandes fases, se considerarmos o ponto de vista do país de origem, e em uma dezena d fases distintas, se considerarmos, caso específico do Brasil, os diversos movimentos históricos do País e, mais particularmente, os das províncias e estados do Sul receptores dessa emigração.

Sem entrar em particularidades, pode-se dizer que o primeiro grande período na ponta italiana foi de 1870 a 1901, que corresponde, respectivamente, aos anos da entrada em vigor da "taxa governamental sobre os moídos".

Na ponta receptora brasileira, a este grande período italiano corresponderam dois: o primeiro, de 1870 a 885, e o segundo, de 1886 a 1902. No primeiro, assistiu-se à desintegração da escravatura e a lenta substituição do braço escravo pelo do imigrante livre, sem, porém, qualquer política imigratória definida.

No segundo, consolida-se e expande-se o uso da mão-de-obra imigrante através da entrada regulamentada e de uma política de integração e distribuição dessa mão-de-obra.

Os emigrantes italianos, em Nápoles, aguardavam ansiosos o embarque nos navios.

Eram difíceis as condições de vida a bordo

Foto publicada com a matéria

Diferenças sociais - A unificação política das diversas regiões italianas, a partir de meados do século XIX, acentuou as diferenças sociais já existentes em cada uma dessas regiões antes mesmo da Unita (processo de união). As mais ricas e desenvolvidas aceleraram seu crescimento, enquanto nas mais pobres (econômica e culturalmente falando) deu-se o contrário.

A "taxa sobre os moídos" caiu como uma verdadeira guilhotina sobre essas regiões italianas menos favorecidas, pois a farinha era a principal base alimentar e fonte de renda da classe agrícola mais pobre.

Para os que não a produziam, a farinha encarecia de preço; para os que produziam, a taxa inviabilizava a venda.

Para complicar mais essa situação, o preço de oferta do trigo despencou, nos mercados internacionais, a níveis bem inferiores aos dos custos de produção da Itália.

A crise do trigo e da farinha foi o estopim do êxodo emigratório de então.

Não é por acaso que, nesta primeira fase da emigração peninsular ao Brasil, os que chegavam provinham, em sua grande maioria, das regiões produtoras de cereais: da Lombardia inferior, do Veneto padano e das províncias meridionais do país, Campania, Lucânia e Calábria.

Nada para impedir - Face ao êxodo, o governo de Sua Majestade, o rei Vittorio Emanuele II, nada fez para impedir a saída em massa dos camponeses e pequenos proprietários agrícolas. Ao contrário, as autoridades deixavam agir livremente as forças econômicas que os propeliam para fora do país.

Como conseqüência, em torno desse grande êxodo, criou-se (em ambos os pólos do tráfego, o emissor e o receptor) uma verdadeira indústria de aves de rapina, cujos únicos interesses e motivações eram explorar a miséria existente, fomentando e gerenciando o "sonho das Américas".

Uma das principais ramificações dessa indústria do sofrimento humano foi o setor do transporte marítimo para além do Atlântico, pois emigrante era sinônimo de navio, o primeiro não existindo sem o outro.

Armadores sem escrúpulos e sem controle governamental transportavam, como gado, os infelizes emigrantes para as terras do Novo Mundo. Estes, já subnutridos, não encontravam refeições a bordo; os enfermos, durante as viagens, não encontravam enfermaria; a promiscuidade e a falta de higiene nos alojamentos de estiva eram assustadoras.

Estes emigrantes do primeiro período italiano foram explorados pela indústria dos abutres do início até o fim, em todas as etapas do longo caminho, e a indiferença dos corrompidos responsáveis (ou irresponsáveis) governamentais de então foi culpada pelas mortes de milhares desses infelizes no caminho das Américas.

Eram difíceis as condições de vida a bordo

Foto publicada com a matéria

Início - Carlo Raggio, genovês de origem e residência, criou no porto lígure, em 1880, uma pequena amadora para o transporte de cargas.

Em fevereiro de 1882, conjuntamente com seus parentes, Edílio e Armando Raggio, e outros sócios do setor armatorial de Gênova, Repetto e Carrara, Carlo fundou outra empresa maior, a Societá Italiana di Transporti Marittimi (SITM), que passou a ser proprietária do vapor Iniziativa, unidade mista, de cargas e passageiros.

No mesmo ano, a SITM passou ordens para a construção de nove vapores mistos a diversos estaleiros do Rio Clyde, navios estes que entrariam em serviço a partir de 1883.

Rios e estrelas - Entre esses nove vapores, seis levaram os nomes de rios italianos e três, os de maior tonelagem, ficaram bem conhecidos na Rota e Ouro e Prata (Sirio, Orione e Perseo).

Dois anos mais tarde, a SITM foi adquirida (junto com outra armadora italiana, a Rocco & Piaggio Co.) pela Navigazione Generale Italiana, passando assim seus 12 navios a fazer parte dos ativos desta última.

Carlo Raggio, enriquecido com a venda da SITM, decidiu criar outra empresa de navegação, desta vez por conta própria e sem sócios. Surgiu, assim, a Ditta C. Raggio, fundada em Gênova no decorrer de 1887.

Nesse mesmo ano, foram por ela ordenados cinco pequenos vapores de carga a diferentes estaleiros britânicos, cargueiros que receberiam os nomes de pessoas da família: Carlo R., Fortunata R., Armando R., Edilio R. e Raggio.

Fama - Essas novas pequenas unidades ficariam famosas no tráfego da emigração em massa na última década do século XIX, e certamente por razões não muito louváveis.

Construídos para a função de cargueiros, foram rapidamente adaptados para o transporte, em estiva, de um grande número de pobres infelizes, aos quais restava uma única esperança na vida: alcançar o eldorado latino-americano.

Afretados pela Ditta C. Raggio a outros armadores peninsulares, os cargueiros, transformados em navios de emigrantes, começaram a ligar Gênova a portos brasileiros e argentinos, transportando um número incrivelmente alto de pessoas.

Em 1888, a La Veloce afretou os dois primeiros, isto é, o Carlo R. e o Fortunata R., colocando-os exclusivamente na linha emigrante para o Brasil.

No início da década seguinte, foi o armador Gavotti a afretar o par para a mesma finalidade.

 

Na trágica viagem, pereceram no Carlo R. mais de 300 pessoas,

vítimas da epidemia de cólera

 

Tragédia - Numa das viagens de Nápoles a Santos, o Carlo R. foi protagonista de uma tragédia provocada pelas péssimas instalações de alojamento dos emigrantes e precárias condições de higiene.

Sob o comando do capitão Cremonini, zarpou do porto de Nápoles, tendo a bordo cerca de 1.400 emigrantes, com destino ao porto de Santos, onde nunca chegariam. Corria o ano de 1894 e na Itália existia uma epidemia de cólera.

Logo no primeiro dia de navegação, surgiu o primeiro caso da doença, a qual, nas condições de apinhamento das estivas, encontrou terreno fértil para espalhar-se.

Equador - Ao alcançar a zona equatorial, dezenas de casos haviam se manifestado e inúmeros já eram os mortos. Ao chegar ao Rio de janeiro, o navio era um sanatório flutuante, com tantos doentes a bordo, que as autoridades portuárias negaram o ingresso do vapor no porto.

Naqueles idos e em tais casos, o vapor epidêmico era obrigado então a dirigir-se para as proximidades da Ilha Grande, ao Sul da costa fluminense, onde permanecia ancorado, em quarentena, até a solução dos casos individuais.

O Carlo R. foi ali parar em companhia de dois outros vapores que apresentavam a bordo os mesmos problemas. Estes eram o Remo e o Vicenzo Florio.

Retorno - As autoridades brasileiras, depois de algumas semanas, recusaram-se, muito justamente, a autorizar o desembarque de qualquer passageiro dos três navios e, assim, estes, depois de serem devidamente abastecidos com carvão, água, víveres e medicamentos, tiveram que retornar à Itália.

Só naquela tragédia pereceram no Carlo R. mais de 300 pessoas, fato que obrigou as autoridades italianas à abertura de procedimento penal contra o comandante Cremonini, o afretador Gavotti e o armador Raggio, os dois primeiros sendo condenados e o último, absolvido.

Esta triste experiência fez com que Carlo Raggio mudasse de idéia. A partir de 1898, reconstruiu seus navios para o tráfego exclusivo de carvão entre Cardiff e portos italianos, incorporando-os a uma nova empresa por ele criada, a Societá Commerciale Italiana di Navigazione, e mudando seus nomes.

O Carlo R. foi denominado Hercules e utilizado nessa nova finalidade até 23 de maio de 1916, há 80 anos, data em que foi torpedeado e afundado por um submarino alemão a cerca de 70 milhas (130 quilômetros) a Sudoeste de Gênova, quando se encontrava em viagem de Glasgow a esse mesmo porto italiano.

Carlo R:

Outros nomes: Hercules
Bandeira: italiana
Armador: Ditta C. Raggio
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: Sir W. G. Armstrong Withworth & Company

Ano da viagem inaugural: 1888
Tonelagem de arqueação bruta (t.a.b.): 2.674 t
Comprimento: 101 m
Boca (largura): 13 m
Velocidade média: 10 nós (18,5 km/h)
Passageiros: 1.600
Classes: steerage (única)

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 16/6/1996