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Edição 156 - NOV/2006
AMBIENTE URBANO

Não agüento mais esse barulho!!!

Numa cidade cada vez mais vertical, o efeito da poluição sonora literalmente sobe pelas paredes e se multiplica, ao mesmo tempo em que aumenta pelo simples incremento na densidade populacional

Carlos Pimentel Mendes (*)

Diferente de outros tipos de poluição, em que basta calcular a quantidade do elemento poluente, a poluição sonora é agravada pelo tempo de exposição dos seres vivos a ela. Nas cidades, esse crescimento do problema é exponencial, pois enquanto aumentam as fontes de barulho (como o ronco da moto que passou aqui às 13h11), a concentração de prédios impede que o som se disperse (como o do arranque na partida de um ônibus às 13h12). Até o gorjeio dos pássaros é abafado pela multiplicidade de sons de fundo (o som de um aparelho de rádio no prédio vizinho, às 13h15). Quem ainda percebe hoje o badalar dos sinos de alguma igreja santista, com todo esse barulho (como o alarme do carro que disparou do outro lado da rua, às 13h17)?


Imagem: montagem com fotos de Luiz Carlos Ferraz e arquivo

Afirma a Organização Mundial da Saúde que o limite tolerável de barulho para o ouvido humano é de 65 decibéis. "Acima disso, nosso organismo sofre estresse, o qual aumenta o risco de doenças. Com ruídos acima de 85 dB, aumenta o risco de comprometimento auditivo", informa a entidade (enquanto um carro de som passa às 13h20 anunciando algo que não pude ouvir direito, porque um vizinho na mesma hora acionou um barulhento liqüidificador). Escapamentos enferrujados ou furados, alterações no silencioso ou no cano de descarga, alterações no motor e maus hábitos ao dirigir, como acelerações e freadas bruscas e uso excessivo de buzina, fazem com que nas principais ruas os níveis de ruído atinjam de 88 a 104 dB. Mesmo nas áreas residenciais, variam de 60 a 63 dB, muito mais que os 55 estabelecidos como limite pela Lei de Silêncio na capital paulista.

Calcula-se que 10% da população nacional possua distúrbios auditivos, e cerca de 5% das insônias sejam causadas por fatores externos, principalmente ruídos. "O ruído de trânsito de veículos automotores é o que mais contribui na poluição sonora e cresce muito nas grandes cidades brasileiras, agravando a situação" (são 13h23, uma viatura da polícia acaba de passar na avenida, com a sirene ligada). Voltando às informações citadas do portal Ambiente Brasil, (enquanto o terceiro vendedor de gás toca o interfone de todos os moradores do prédio, mesmo num domingo às 13h27): "No âmbito doméstico, a poluição sonora ocorre pela emissão de ruídos acima das especificações produzidas por eletrodomésticos" (pode-se chamar de eletrodoméstico aquele equipamento que aciona um sinal sonoro cada vez que a porta da garagem abre, como agora às 13h29?).

Faltam ainda estudos sobre um outro tipo de estresse causado pelo barulho nas cidades. Nelas, é preciso considerar não apenas o cansaço auditivo causado pela continuidade dos sons altos, mas também que muitos deles são sinais de alerta que sobressaltam as pessoas (campainhas, sirenes, buzinas e alarmes, todos disparados repentinamente e destinados justamente a provocar uma ação imediata em quem ouve, o que é bem diferente de se ouvir música em som altíssimo). Submetido a esses sobressaltos constantes, aos quais não há como se adaptar satisfatoriamente, o organismo humano sofre descargas de adrenalina que devem elevar sobremaneira os riscos de doenças nervosas e suas conseqüências.


"Por se tratar de problema social difuso" (como é difuso e irritante o som do helicóptero que sobrevoa o bairro, agora às 13h30), "a poluição sonora deve ser combatida pelo poder público e pela sociedade, individualmente, com ações judiciais de cada prejudicado, ou coletivamente, através da ação civil pública (lei 7.347/85), para garantia do direito ao sossego público, o qual está resguardado pelo artigo 225 da Constituição Federal" (mas como localizar e processar o sujeito que às 2h45 da madrugada passa impune pela avenida, acelerando e freando de forma espalhafatosa, e com o auto-rádio de som ultra-grave, fazendo estremecer as janelas de vidro no terceiro andar, como se estivesse havendo um terremoto?).

Na legislação ambiental – registra ainda aquela página Web – "poluição é definida no art. 3, III, da Lei 6.938/81, como a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que, direta ou indiretamente, prejudiquem a saúde, segurança e o bem estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio-ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos". (13h35: um caminhão e outra moto passam na avenida, competindo em barulho com o televisor de outro vizinho)

A lei 9.605/98, que trata dos crimes ambientais, em seu artigo 54, configura crime "causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar danos à saúde humana...", o que inclui nesta figura delituosa a poluição sonora pelas conseqüências que produz (13h38: hora da passagem do vendedor de queijo de Minas, com seu alto-falante...). A lei 8.078/90 (Código do Consumidor), proíbe o fornecimento de produtos e serviços potencialmente nocivos ou prejudiciais à saúde (artigo 10), podendo-se considerar como tais os que produzem poluição sonora. E a revista Meio-Ambiente Industrial, de maio-junho de 2001, lembra que a resolução 008/93 do Conama estabelece limites máximos de ruídos para vários tipos de veículos automotores (será que vale para o helicóptero que passou por aqui às 13h39?).


Trem, na confluência das avenidas Conselheiro Nébias e Francisco Glicério: apitos e mais apitos...
Imagem: captura de tela de vídeo colocado por internauta no site YouTube


Trens e navios - Através de páginas Web como a do YouTube, podemos ver santistas reclamando da poluição sonora representada por trens apitando excessivamente durante a madrugada (e os maquinistas são obrigados a isso por lei, por não existirem cancelas eletrônicas nas passagens de nível, coisa que as autoridades deveriam providenciar e não o fazem). A ouvidoria municipal santista ouve gente reclamando até de sirene de navio, que está fora de seu escopo de atuação. E afirma ter agido contra casas noturnas que exageram no ruído. Mas, quem já ouviu falar de uma batida policial para coibir os excessos automobilísticos do pessoal que sai alta madrugada dos clubes e bares, cantando pneu?

Existem no mercado produtos de isolamento acústico, que poderiam em tese reduzir bastante o excesso de som de uma residência ou escritório. Em tese, pois na prática o custo é sensivelmente elevado. O que deixa a maioria da população à mercê da poluição sonora. Sem muita perspectiva: se para a emissão de gases poluentes existem até protocolos de compensação financeira internacional para entidades que promovem a melhoria ambiental, no caso da poluição sonora ainda não foi divulgada a existência de algo parecido. Se alguém falou nisso, aqui não foi ouvido.

Será necessário invocar alguma ONG protetora dos direitos dos pássaros - daquelas sempre prontas a embargar alguma obra que possa um dia eventualmente prejudicar a audição das avezinhas -, para que a poluição sonora na cidade seja controlada? Argumento existe: a poluição sonora produzida pelo homem também afeta os coitados dos passarinhos... Já que não ouvimos (!) nenhuma entidade atuando para proteger nossos ouvidos, pelo menos que os animais nossos vizinhos sejam resguardados de tanto barulho (como o do foguetório iniciado às 14h17 em algum ponto de tráfico de drogas, quando este texto recebia já o seu ponto final!)...

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.