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Edição 145 - Out/2005
Reconstrução

Nova New Orleans?

Polêmica nos EUA, após a passagem do furacão Katrina

Carlos Pimentel Mendes (*)

Num tempo em que muitas cidades no mundo planejam seu futuro dentro da metodologia da Agenda 21, tentando diagnosticar a situação atual e corrigir distorções, a comunidade estadunidense de New Orleans tem uma oportunidade única de resolver seus maiores problemas estruturais e se preparar seu desenvolvimento para as próximas décadas. Parcialmente arrasada pelo recente furacão Katrina e pelas falhas governamentais que agravaram ainda mais os estragos causados pela Natureza, a cidade enfrenta, no entanto, um sério dilema, evidente quando alguns opinam que ela sequer deveria ter sido criada ali. E alinham motivos para que ela seja transferida para local mais seguro.


New Orleans
Foto: Richard Nowitz/New Orleans Metropolitan Convention and Visitors Bureau (New Orleans CVB)

Reconstruir o quê? É a primeira pergunta, que muitos fazem ao ver que o furacão destruiu justamente a área de favelas, onde campeavam a violência e os piores índices de qualidade de vida. Mas há quem defenda a reconstrução exatamente como estava tudo, em nome do charme da tradicional cidade. Bem, é o mesmo dilema que enfrentariam, por exemplo, os cidadãos do Rio de Janeiro se uma catástrofe natural ou política fizesse sumir as favelas cariocas: alguns reclamariam a sua imediata reedificação, em nome da preservação dos locais que inspiraram músicas como "Ave Maria no Morro" e se tornaram um celeiro de escolas de samba.


Avanço do furacão Katrina, em fins de agosto/2004, sobre New Orleans
Foto: divulgação

Nas terras do Dixieland, as áreas mais atingidas pelo furacão foram aquelas resgatadas do pântano, incluindo aterro parcial do lago Pontchartrain, e mantidas secas por um sistema de diques, que, devido à falta de conservação, acabaram se rompendo com a tempestade. Se a decisão dos antigos moradores for de não retornar a esses locais, poderia ser até cancelada a reconstrução dos diques, privilegiando-se outras formas de remodelação da área, menos agressivas à Natureza.


Situação da cidade após o foracão: zona turística preservada
Foto: página Web do New Orleans Real State Journal, de New Orleans

Na verdade, os tradicionais destinos turísticos de New Orleans continuam lá: o Bairro Francês, Garden District, Black Pearl e West Riverside sobreviveram e continuarão atraindo os turistas. E, apesar do pessimismo reinante em alguns segmentos, que não acreditam no retorno imediato das empresas e seus funcionários à cidade – muitas delas, inclusive, já anunciaram ter desistido de New Orleans –, já está surgindo uma euforia com as grandes perspectivas de obras necessárias na região. O reverso do desastre é a oportunidade da reconstrução. Até a debandada de algumas empresas abre espaço para outras entrarem no seu lugar.

Neste momento, o que os habitantes (remanescentes) de New Orleans têm que definir primeiro é resposta a estas questões: Qual é a alma da cidade, que características são as responsáveis pela caracterização da cidade como destino turístico peculiar? É a arquitetura peculiar, sob marcada influência franco-afro-caribenha? São os habitantes e sua cultura que fazem da cidade uma atração turística internacional?


Barco de pás, próximo à cidade de New Orleans
Foto: Carl Purcell/New Orleans Metropolitan Convention and Visitors Bureau (New Orleans CVB)

Definidas essas questões, terão de enfrentar os dilemas que certamente surgirão: o que precisa ser preservado para manter esse prestígio como atração turística, tanto em termos de arquitetura como de condição de vida? E a que preço isso se dará? De que modo será possível conciliar os interesses turísticos com os de qualidade de vida da população?


Antes do furacão, o planejamento para 2010 em New Orleans
Imagem: captura de tela - página Top 10 by 2010

É quase consenso nos EUA que esta é uma oportunidade única para a cidade repensar seu futuro, depois de quatro séculos de ocupação desordenada, que trouxeram como resultado principal, além de bolsões de pobreza que estão entre os maiores do país, criminalidade altíssima, indicadores mínimos de escolaridade e saúde. Até por isso, por falta dessas definições básicas, ainda não existem planos claros para reconstrução da cidade.


Com a passagem do furacão, foram grandes os estragos em toda a região
Foto: divulgação

A área mais devastada, e que fica abaixo do nível do mar, pode ser recuperada caso os diques sejam refeitos – mas ninguém por lá confia muito nisso, já que o governo Bush desviou boa parte do orçamento interno para a "reconstrução" do Iraque e sua guerra crônica, sendo esta a causa maior do agravamento das perdas humanas e materiais causadas pelo furacão. Pelas mesmas razões, os fundos federais destinados à recuperação da área serão quase que totalmente gastos apenas na recomposição de estradas e outros equipamentos essenciais. Aliás, já tem muita gente se perguntando se a população de New Orleans tem menos direito que a iraquiana de receber ajuda do governo federal norte-americano.


Caos urbano em New Orleans, após a passagem do furacão
Foto: divulgação

Quem não tinha seguro contra enchentes, e mesmo quem tinha um seguro (limitado) poderá refazer sua vida em qualquer outro lugar dos EUA, já que a apólice não obriga à reconstrução dos imóveis no mesmo local. Então, um dos desafios é dar condições a que os habitantes de New Orleans permaneçam no local e ali reconstruam suas atividades econômicas. Um plano do governo federal para estabelecer uma espécie de zona franca de negócios, entretanto, tenderia apenas a atrair empresas de fora, sendo contraproducente no aspecto de apoiar os agentes econômicos locais.


Alagamento das ruas situadas abaixo do nível do mar
Foto: divulgação

Poderá se formar nos próximos meses um consenso em torno de um plano que preveja a manutenção de um distrito afro-americano e a construção de 25 mil moradias em lugar não tão sensível às violências da Natureza, coordenado com a criação de uma rede de trolebus e uma série de ajardinamentos nas áreas baixas próximas aos diques.

"Existe agora a possibilidade de se obter substancial ajuda federal, que seria impossível antes do Katrina", cita o sr. Kabakoff, cuja firma, Historical Restaurations Inc., teve de se mudar provisoriamente para Houma, uma cidade distante cerca de 90 km de New Orleans. Ele avalia em US$ 200 bilhões o montante dessa ajuda à região. Um sistema de veículos leves sobre trilhos, ajardinamento na margem do rio, novas escolas, museus, são algumas das possibilidades estudadas para essa área.


Secondline Parade, no Jazz Fest
Foto: Carl Purcell/New Orleans Metropolitan Convention and Visitors Bureau (New Orleans CVB)

Para não repetir um dos erros do passado e recriar as hiper-concentrações de pobreza, uma das idéias é criar áreas economicamente integradas nas redondezas (lugares como Fairfax County, na Virgínia, e Madison, em Wisconsin), afirma um especialista em investimentos comunitários da Brookings Institution, Bruce Katz, reconhecendo que um dos enigmas atuais é sobre quando os participantes da diáspora causada pelo Katrina voltarão à cidade, e quantos deles conseguirão novas casas e empregos. Prevê-se que alto percentual da comunidade pobre não terá motivo algum para retornar, o que poderá facilitar a solução de alguns dos problemas locais.

Enquanto o turismo responde por 14% dos empregos e é a atividade que mais cresce, as outras atividades chaves da cidade são o porto, as áreas de energia (refinarias) e educação. Recuperar a plena capacidade de operação em todos os setores, retendo e atraindo negócios para a região, é um desafio para anos, a exemplo da experiência de New York, após os ataques de 11 de setembro de 2001.
"Não desejamos diminuir a cultura ou a tradição, mas estamos olhando à frente para implementar todas as ótimas idéias que as pessoas tiverem", disse o secretário para desenvolvimento econômico da Louisiana, Michael Olivier.


Secondline Parade, no Jazz Fest de New Orleans
Foto: Richard Nowitz/New Orleans Metropolitan Convention and Visitors Bureau (New Orleans CVB)

E uma das idéias poderá ser tornar New Orleans a Las Vegas do Sul, com a instalação de uma rede de cassinos ali, caso sejam superados os problemas de corrupção e altas tarifas para liberação da atividade, que fazem com que apenas uma empresa esteja instalada no local. Ron Reese, um porta-voz da Las Vegas Sands Inc., de Nevada, já manifestou "algum" interesse, lembrando que redes como a sua têm condições de instalar grandes projetos, com hotéis, restaurantes, lojas e entretenimento, mais cassinos.

E a outra é criar um grande parque com o ajardinamento das terras ao longo do rio Mississipi. Que já tem até nome: Parque Katrina.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio (www.novomilenio.inf.br)

Veja mais:
New Orleans - imagens

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