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Litoral Paulista, Segunda-feira, 28 de Fevereiro de 2000
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Entrevista: Edna Maria Alessio de Aguiar
“Nossa língua tem que ser valorizada”

Da Reportagem

Quem não se lembra da Greenville brasileira? Na novela A Indomada, da Rede Globo, muitos dos personagens usavam termos em inglês com tanta frequência que eles já faziam parte de seu vocabulário usual. Guardadas as proporções, a situação não é muito diferente na vida real. 

  Palavras que antes eram aportuguesadas já são admitidas como integrantes da língua portuguesa. Quem não é íntimo da informática, talvez não saiba o que é um mouse. E no comércio? Em épocas de promoções, os descontos dão lugar aos termos como 50% off ou às faixas em que os lojistas anunciam liquidações como se estivessem em Nova Iorque: ‘‘On sale’’.

  Um amplo movimento começa a surgir em todo o País em defesa da língua portuguesa, a língua-mãe do Brasil e de outros seis países (Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe). 

  Para a professora de língua portuguesa da Faculdade de Comunicação da Universidade Católica de Santos (UniSantos), Edna Maria Alessio de Aguiar, proteger o bom português das influências estrangeiras é fundamental para preservar a cidadania do povo brasileiro.

  Ela lamenta que a Academia Brasileira de Letras não seja mais tão rigorosa na hora de incluir novas palavras nos dicionários, optando por mantê-las em sua língua de origem. Edna argumenta que, em Portugal, mouse — aquele equipamento indispensável nos computadores — é chamado de rato, na mais fiel tradução do inglês.

  O deputado federal Aldo Rebelo (PC do B) apresentou um projeto de lei na Câmara dos Deputados, no ano passado, com o objetivo de fazer a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa, como o único idioma para a expressão oral, escrita, audiovisual e eletrônica no Brasil.

  O projeto de lei chega a estabelecer multas que variam entre 1.300 e 13 mil Ufirs (de R$ 1.383,33 a R$ 13.833,30) para quem descumprir a sugerida lei. Depois da iniciativa de Rebelo, a deputada Mariângela Duarte (PT), que é professora de língua portuguesa e literaturas portuguesa e brasileira, apresentou projeto semelhante na Assembléia Legislativa.

  A dúvida que fica é se o brasileiro se acostumaria a chamar os shoppings centers de centros comerciais e por aí em diante. 

  Na sua justificativa para a apresentação do projeto de lei, Rebelo diz que o País está assistindo a uma descaracterização de sua língua diante da grande ‘‘invasão indiscriminada e desnecessária de estrangeirismos como holding, recall, franchise, coffe-break, self-service’’. O deputado critica também o aportuguesamento de palavras como printar e startar, que são derivadas dos termos ingleses print e start, que significam imprimir e começar.

  ‘‘É sempre válido qualquer movimento de resgate da Língua Portuguesa para que ela seja usada da forma mais correta sem tantas invasões’’, apóia a professora Edna.

  A Tribuna — Um movimento em defesa da língua portuguesa está sendo desencadeado. O que é isso?

  Edna Maria Alessio de Aguiar — Esse movimento não é só brasileiro. Todos os países estão preocupados com a linguagem. Isto na França já existe desde o século 17 quando o cardeal Richelieu criou a academia francesa com a finalidade do controle da língua. Até hoje a academia se responsabiliza por todas as palavras que vão fazer parte da língua. E essas palavras passam por um crivo e usam a pronúncia francesa. Outro dia eu estava lendo uma revista francesa que mostrava a preocupação dos alemães com o uso da língua. Eles querem deixar de assinar um acordo simplesmente porque os documentos não vêm em alemão. O Bill Clinton (presidente dos Estados Unidos) está preocupado com as invasões da língua de Shakespeare. Ele diz que a língua está sendo invadida por jargões e ele está exigindo que até 2002 todos os documentos oficiais eliminem essas palavras que não são compreendidas por todas as pessoas. Se estes países fazem esse movimento por que nós não podemos fazer?

  AT — No Brasil, isto começou há quanto tempo?

  Edna — De uns quatro ou cinco anos para cá a gente vê que existe uma preocupação. Tanto que vários professores aparecem em jornais, revistas, já chamando a atenção para a língua portuguesa. Então, esta preocupação não é nova. Antes ela estava restrita aos professores de língua portuguesa e agora já é um movimento que está se expandindo. Inclusive há um projeto de lei do deputado Aldo Rebelo (PC do B) neste sentido.

  AT — Fala-se muito mal o português?

  Edna — Eu acho que se fala mal o português no Brasil por desconhecimento da língua e por desleixo. A gente não tem tanto cuidado ao usar a língua portuguesa. Talvez porque as pessoas menosprezem a língua e achem muito mais bonito usar um termo estrangeiro do que um termo legitimamente português ou legitimado, como acontecia antigamente. Nós temos no nosso dicionário várias palavras de outras origens como do francês, do inglês, do árabe, do alemão, mas elas foram aportuguesadas tanto na grafia quanto na pronúncia.

  AT — As palavras provenientes do inglês não são mais aportuguesadas.

  Edna — Agora. Os novos dicionários saíram com um enorme número de palavras sem nenhuma adaptação. Elas foram colocadas nos dicionários na forma original. Isto é um atentado à língua portuguesa.

  AT — Sem xenofobia...

  Edna — Eu de maneira nenhuma seria xenófoba até porque sou professora de literatura francesa. Mas eu acho que isso passa pela cidadania. As pessoas vão perceber que o uso correto da nossa língua vai nos trazer um respeito maior pela nossa pátria, pelo nosso País e pela nossa cultura. A nossa língua não é tão difícil e nem é mais pobre que as outras. Muito pelo contrário, é uma língua riquíssima. Nós temos condições de dar nomes para todas as coisas e adaptar palavras estrangeiras para a nossa língua.

  AT — Este processo de deturpação de palavras acontece nos outros seis países do mundo onde se fala o português?

  Edna — Não. Em Portugal, por exemplo, isto não acontece. Eles não dizem mouse, dizem rato mesmo. Eles não dizem site, dizem sítio. Vão sempre aportuguesando. Esta deturpação acontece principalmente no Brasil.

  AT — Por que aqui acontece de forma tão intensa?

  Edna — Talvez pela necessidade que o brasileiro tem de se mostrar e de se aproximar dos Estados Unidos. A vergonha do próprio país, o desejo de ser um outro cidadão talvez tenha influenciado na escolha do brasileiro. Essa transformação aconteceu paulatinamente desde que começamos a perder a consciência e o amor pelo próprio país. Achamos que amor pelo país era nacionalismo, patriotada e não patriotismo.

  AT — Quais os riscos que isto traz?

  Edna — No momento em que a gente perde o domínio da linguagem acaba perdendo a força. Foi o que aconteceu com o Império Romano. No momento em que o Império Romano cresceu tanto e passou a não dominar a linguagem dos soldados, eles passaram a receber muito mais influência do povo dominado do que de Roma. Este é um fator que a gente deve levar em conta.

  AT — Em pouco tempo brasileiros que vivem no interior, na zona rural, não vão falar a mesma língua que a população de grandes centros urbanos...

  Edna — A língua sempre foi o fator de unidade do Brasil e nós nos orgulhávamos disso. Agora se percebe que existem muitas diferenças entre o falar do cidadão urbano e do cidadão do campo. Porque o cidadão da cidade é muito mais invadido por termos de outras origens durante todo o tempo, seja nas lojas, supermercados, nos shoppings, nos jornais. O uso da língua inglesa está muito intensa.

  AT — A sra. acha preocupante chegar a uma loja onde o desconto é dito como 50% off?

  Edna — Sim. Daqui a pouco vamos ter um número muito grande de palavras na nossa língua de origens diversas. Uma palavra passa a fazer parte do dicionário no momento em que aparece em locais públicos e na mídia. No momento em que ela se torna frequente ela tem possibilidade de entrar para o dicionário ou até para o vocabulário ortográfico, que é o que rege a língua portuguesa. Este vocabulário precisa de atualização que é feita pela Academia Brasileira de Letras.

  AT — Então não está havendo rigor por parte da academia?

  Edna — Este rigor para o controle das palavras está desaparecendo.

  AT — A globalização e a Internet também contribuem para esta mudança?

  Edna — É. Mas isto tem que ser visto com cuidado. O que se vê nos outros países é que eles querem a globalização científica e econômica e não a cultural e a linguística. Os países da Europa estão se munindo de elementos para se prevenir contra essa globalização cultural. 

  AT — Em função deste movimento, o brasileiro pode tomar consciência da sua cidadania?

  Edna — Seria uma boa hora para começar a fazer alguma coisa concreta. Este movimento deve ser apolítico, que vise realmente a língua portuguesa e que ela possa vir a ser respeitada como ela sempre foi. 

  AT — Paralelamente a estes movimentos, o que precisa ser feito na educação brasileira para preservar o bom português?

  Edna — Eu acho que isto tem que vir de todos os lados. Além da escola, temos que fazer com que os jornais, as revistas e a mídia de um modo geral passem a usar preferencialmente a língua portuguesa, evitando os anglicismos, os galicismos e outros. A nossa língua tem que ser valorizada. Temos que mostar para as crianças, aos adolescentes e à população o quanto ela é rica.

  AT — Como fazer com os termos técnicos que são usados na informática, por exemplo?

  Edna — Se nós prestarmos atenção, vamos ver que palavras que são usadas na computação e nas áreas técnicas e científicas podem ser incorporadas. E elas são. Mas devem ser anexadas ao português de forma coerente, adaptando-as aos padrões da língua portuguesa, tanto na fala quanto na escrita, ou seja, na pronúncia e na ortografia.

  AT — Não teríamos print nos computadores, mas o imprimir...

  Edna — Mesmo que exista o print você deve usar a palavra imprimir. Por que nós temos que usar a palavra mouse se outros países, até Portugal, usam rato? Temos preconceito contra a palavra rato? E mais: se você pronuncia uma palavra de outra origem errado as pessoas acham que você é ignorante e não que está apenas preservando a sua língua. Por que shopping e não centro de compras ou comercial?

  AT — As gírias também agridem a língua?

  Edna — Temos não apenas as gírias regionais como as de faixas etárias e as profissionais. A gíria continua sem fazer parte do vocabulário ortográfico por um bom tempo. Só depois de muito aparecerem na linguagem coloquial é que elas passam a fazer parte da língua. Hoje o que a gente vê é que as pessoas não sabem se comunicar de outra forma. E isso é prejudicial porque o controle da língua materna é imprescindível para que a gente possa até governar bem o país, para que todos se entendam de forma clara.

  AT — O ensino da língua portuguesa no Brasil é eficiente?

  Edna — Eu acho que precisava haver uma reforma no ensino da língua portuguesa, adaptando-a mais para a realidade. Precisamos fazer com que o aluno perceba que o uso da língua é essencial para ele, não para fazer prova, mas para que ele possa entender tudo que o cerca. Porque se ele não falar bem a língua portuguesa, se ele não escrever bem, se não ler bem, ele terá dificuldades de ler e entender as outras matérias. Uma das coisas que os professores mais reclamam é que os alunos não sabem ler e compreender os enunciados das provas. Não entendem a própria língua portuguesa.

  AT — Quando o ensino do latim ainda existia a situação era melhor?

  Edna — Faz bastante falta porque o latim ensinava a lógica. A gramática é uma coisa lógica. O fato de se ensinar análise sintática não é para saber que aquilo é sujeito ou objeto indireto. É para na hora de ler e escrever você saber que aquela palavra que está ali ela domina o verbo. Você tem que saber que preposição se deve usar porque o seu uso incorreto altera todo o sentido do que você quer dizer. Uma vírgula malcolocada faz com que a sua frase fique completamente diferente.

  AT — Dê alguns exemplos de palavras que incomodam?

  Edna — O célebre ‘‘a nível de’’. Outra coisa que incomoda é ver pessoas que têm um grau de conhecimento e até uma certa formação e falam ‘‘para mim fazer’’. Isto é uma coisa que incomoda muito.

  AT — Mas ninguém gosta de ser corrigido...

  Edna — Não. As pessoas se ofendem com a correção. Às vezes o que a gente pode fazer é procurar repetir o que algumas pessoas disseram errado repetindo de forma correta, sem chamar atenção para o erro, mas fazendo com que elas percebam que a forma correta não é aquela. 

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