Clique aqui para voltar à página inicial  http://www.novomilenio.inf.br/idioma/20000603.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/26/00 16:42:25

Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
Crianças desnacionalizadas

Vinícius Torres Freire (*)

São Paulo - Minha filha, de 2 anos e 10 meses, me acordou no sábado de Carnaval metida numa máscara de cartão e paetês e numa espécie de poncho fúcsia. Cantava uma marchinha antiga. Graças. Na escola dela não tem festa de Halloween, o Dia das Bruxas americano, moda da classe média paulistana. Ouço mães orgulhosas contarem que seu filhos de três ou quatro anos "só sabem cantar em inglês". Muita escola que não as britânicas e americanas já dá parte do currículo em inglês.

Nada contra o inglês. São inevitáveis as crianças globalizadas e seus PlayStations, Pokemons. Mas copiar o Halloween parece-me só burrice mefítica subserviente. É identificação arrivista de classe, decerto, com o modelo da classe média global, a dos EUA.

Há focos de resistência contra o globalismo. Algumas escolas paulistas também de classe média ensinam festas e mitos brasileiras para as crianças, a Festa do Divino, o Curupira, dizem o que é pé-de-moleque e, significativo, ensinam que é preciso tratar bem empregados e pobres (os meninos ricos tem pendores evidentes e terríveis para instalar pelourinhos entre os mimos de sua casa grande).

São uma minoria uspiano-intelectualizada. O peruísmo shoppingmaníaco predomina, com seus Halloweens etc. Essas pessoas já vivem mentalmente naquilo que os geógrafos chamam de cidades mundiais, alheios à imundície decadente de São Paulo, alienados mesmo se assaltados pela pobreza. Meninos de condomínios exclusivos têm medo pânico de meninos pobres e escuros.

A elite sempre quis viver lá fora, mas desenvolveu só a ponta de cima do país. Piorou. Criamos inempregáveis, nos "modernizamos" para viver em Miami, a capital da América, ou suas cópias nos paraísos artificiais que existem nas cidades mundiais do Brasil.

O problema não é nossas crianças cantarem só em inglês. Elas já vivem em outro mundo, tendem a se lixar para os inempregáveis, tal e qual nossos economistas PhDs nos EUA. A casa grande muda-se para o Norte.

(*) Vinícius Torres Freire teve este texto publicado na edição de 6 de março de 2000 no jornal paulistano Folha de São Paulo.

N.E.: o termo [uspiano] é entendido como referente à comunidade ligada à Universidade de São Paulo (USP).