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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
A língua portuguesa e os anglicismos

Reprodução aproximada da página do senador Ronaldo Cunha Lima com o pronunciamento feito em 12/11/1998 no Senado Federal (algumas funções de vínculo podem estar inoperantes). O texto de Arnaldo Niskier, Na ponta da língua inculta e bela, também está disponível nas páginas do MNDLP. Este é o pronunciamento do senador:

Apartes
Proposições
Emendas 
Pareceres
Pec
Pls
Requerimentos
Resoluções
Efeito Vinculante
Audiências
Pareceres
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Pronunciamentos

SENADO FEDERAL -12 DE NOVEMBRO DE 1998

Necessidade de regulamentação que preserve a língua nacional do avanço dos estrangeirismos, principalmente dos anglicismos, registrados em grande número na última edição do vocabulário ortográfico da língua portuguesa editado pela Academia Brasileira de Letras
 


A língua portuguesa, como forma oficial de expressão, constitui patrimônio cultural brasileiro e, por isso, incumbe ao Poder Público e à comunidade o dever de promovê-la e protegê-la, em especial neste momento em que ela vem sofrendo constante e preocupante invasão de palavras e expressões estrangeiras. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, em sua edição mais recente, acresceu nada mais, nada menos que seis mil novas palavras, em sua maioria de origem inglesa.

O Presidente da Academia Brasileira de Letras, Professor Arnaldo Niskier, em artigo publicado no jornal A Folha de S. Paulo, edição de 15 de janeiro do corrente ano, sob o título "Na ponta da língua inculta e bela", cuja transcrição nos Anais da Casa desde já requeiro, produziu excelente e oportuna defesa da língua Pátria, advertindo-nos do risco da invasão estrangeira e da falta de cuidados que quase todos temos ao falar e escrever a nossa língua.

Rachel de Queiroz, em artigo publicado no jornal Correio Braziliense, de maio último, já advertia para o bilingüismo emergente. É tempo de o Brasil cuidar melhor da língua pátria. Nem socializar os solecismos, nem elitizar os anglicismos. Nem a falsa cultura dos termos importados, nem a linguagem incorreta de erros primários. Este discurso tem o sentido de advertência e objetivo de apelo. Apelo ao Ministro da Educação e ao Ministro da Cultura para que, ouvida a Academia Brasileira de Letras, seja constituída uma comissão para o estabelecimento de regras para preservação e prestígio da língua portuguesa.

A maioria dos povos faz questão de preservar seu idioma. Quando a possibilidade de deterioração se torna muito grande, os legisladores intervêm para tentar impedir que isso ocorra. É o caso da França, que editou a Lei nº 94.665, de 4 de agosto de 1994, buscando disciplinar e prestigiar o uso da língua francesa.

No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.893, de 1997, do eminente Deputado Remi Trinta, dispondo sobre o emprego do idioma oficial brasileiro, cuja aprovação rápida seria valiosa colaboração ao restabelecimento do nosso prestígio lingüístico.

Quando abordo as questões de nossa língua, sempre me lembro da minha época de escola.

Nos meus tempos de ginásio, em Campina Grande, estudei no velho e querido Colégio Diocesano Pio XI, parada obrigatória no itinerário das minhas lembranças e nas andanças das minhas saudades. Ali, fui aluno, aprovado com dificuldades, e, depois, fui professor, escolhido por generosidade. Um dia, o Professor Raimundo Gadelha Fontes, que nos ensinava Português, passou como dever de casa a leitura de um soneto de Olavo Bilac, intitulado Língua Portuguesa, que começa assim:

"Última flor do Lácio, inculta e bela, és, a um tempo, esplendor e sepultura"

Na sala de aula, o debate despertou em nós, alunos, o maior interesse pela língua pátria. O Professor nos falou de neologismo e de estrangeirismo, principalmente os anglicismos e os galicismos, palavras e expressões inglesas e francesas que entram no vocabulário do nosso cotidiano. Cada aluno teria que gravar, pelo menos, dez nomes franceses já incorporados ao nosso idioma. Para facilitar a memorização, preferi formar onze nomes, formando um time de futebol: abajur, chofer e butique; laquê, bisturi e filé; bureau, buquê, boné, toalete e purê.

A influência francesa, antes predominante, foi, aos poucos, abrindo espaço para os termos ingleses e é, hoje, cada vez mais crescente o anglicismo dentro do nosso idioma. Seja qual for o campo de atividades, o uso de palavras estrangeiras, notadamente inglesas, já se torna comum.

Na área dos esportes, por exemplo (e esporte já é uma palavra de origem inglesa), quase todas as práticas desportivas têm nome originário do inglês: futebol, tênis, basquetebol, vôlei, golfe, surfe, handebol, etc.

No ramo do Direito, também não é diferente. O writ, sucedâneo do mandamus latino, abriu porta para a common law, o due process of law, o impeachment e ainda a joint venture, o franchising, o leasing, o copyright, a holding, o lobby, a trading.

Com a globalização da economia, ficou mais fácil para o economês invadir o português: e tome open market, over night , spread, cash, fob, cif, trust, dumping, lockout, royalties, made in Brazil, hot money, etc. Já existe, inclusive, um Dicionário de Termos Financeiros e de Investimento, com mais de mil expressões inglesas, que me foi cedido ontem pelo Senador Esperidião Amin.

Na música, importamos o jazz, o swing, o reggae, o rock, o twist, o rap, o funk, a música country, e até o Falcão, nosso irreverente cantor, de forma cômica e irônica, dá ênfase ao inglês em suas letras, cantando: I´m not dog no (eu não sou cachorro, não!).

Na informática, a moda agora é site, mouse, byte, home page, shift, chip, e-mail, on line, software, game, afora os neologismos como deletar, formatar, navegar e clicar.

Hoje em dia, é esnobe, é chique, é VIP (very important person) usar palavras inglesas. Até as casas comerciais estão preferindo as denominações estrangeiras, mesmo que os produtos à venda sejam nacionais. No interior do Nordeste, um restaurante (e restaurante é nome francês), cuja especialidade é carne assada com macaxeira, adotou o nome de Steak Grill.

A invasão de termos estrangeiros tem sido tão intensa que ninguém estranharia se eu fizesse aqui o seguinte relato do meu cotidiano:

Fui ao freezer, abri uma coca diet; e saí cantarolando um jingle, enquanto ligava meu disc player para ouvir uma música new age.

Precisava de um relax. Meu check up indicava stress. Dei um time e fui ler um bestseller no living do meu flat. Desci ao playground; depois fui fazer o meu cooper. Na rua, vi novos outdoors e revi os velhos amigos do footing. Um deles comunicou-me a aquisição de uma nova maison, com quatro suites e até convidou-me para o open house. Marcamos, inclusive, um happy hour. Tomaríamos um drink, um scotch, de preferência on the rocks. O barman, muito chic, parecia um lord inglês. Perguntou-me se eu conhecia o novo point society da cidade: o TimeSquare, ali no Gilberto Salomão, que fica perto do Gaf, o La Basque e o Baby Beef, com serviço a la carte e self service. Preferi ir ao Mc Donald’s, para um lunch: um hamburger com milk shake. Dali, fui ao shopping center, onde vi lojas bem brasileiras, a começar pelas Lojas Americanas, seguidas por Cat Shoes, Company, Le Postiche, Lady, Lord, Le Mask, M. Officer, Truc’s, Dimpus, Bob’s, Ellus, Arby’s, Levi’s, Masson, Mainline, Buckman, Smuggler, Brummel, La Lente, Body for Sure, Mister Cat, Hugo Boss, Zoomp, Sport Center, Free Corner e Brooksfield. Sem muito money, comprei pouco: uma sweater para mim e um berloque para a minha esposa. Voltei para casa ou, aliás, para o flat, pensando no day after, o que fazer? Dei boa noite ao meu chofer, que, com muito fair play, respondeu-me: Good night.

Senhoras e senhores, muito obrigado, ou, se preferirem, thank you very much!

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Senador Ronaldo Cunha Lima, estava aqui a ouvi-lo e resolvi criar uma definição para V. Exª. V. Exª. é um esbanjador de talentos, é um indisciplinado do espontâneo. Observe como é que se pode fazer um discurso tão descontraído apontando um assunto tão sério. V. Exª cita o Presidente da Academia Brasileira de Letras na denúncia que faz, e consegue prender a atenção do Senado, mostrando que se pode fazer um drama com uma comédia. Só que a comédia de V. Exª é chamando a atenção para a desnacionalização do nosso idioma. Eu só lhe interrompi, porque V. Exª tinha dito que o seu driver ou chofer já tinha dito good bye ou good night. Eu quero dizer: parabéns, Senador Ronaldo Cunha Lima!

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - Senador Cunha Lima, o speech de V. Exª foi hightech. Jamais o "deletaremos". "Surfou", assim, como um internauta Robocop no site do nosso coração. V. Exª mora na homepage da Intelligentsia pátria, tanto nas urbes quanto no Hinterland. Congratulations! Charmeur, blagueur, V. Exª está convidado para um vin d’honneur no lobby da casa, ou, se abstêmio, para um simples coffee break. RSVP (Répondez, s’il vous plaît). Admiro-lhe a Weltanschauung, Mr. Ronald. Congratulations.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Era o que eu ia dizer: Congratulations pelo seu very brillant speech.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte? O assunto que V. Exª traz é um dos mais sérios do Brasil e do mundo. Ou fazemos alguma coisa ou caímos no ridículo. Sou mais velho que V. Exª e lembro-me da crítica da imprensa em relação à decisão do Governo quanto à reserva de mercado para os filmes nacionais nos cinemas brasileiros e para a música brasileira nas rádios brasileiras. Aquilo foi considerado um escândalo, um absurdo. Quem diria! A preocupação que V. Exª demonstra aqui é a mesma que acontece na Assembléia Nacional da França. Existe uma lei na França que obriga as rádios francesas a transmitir um percentual de músicas nacionais, e os cinemas franceses a exibir um percentual de filmes franceses. Tão grande foi a invasão do cinema americano na França que o cinema francês, um dos maiores do mundo até duas décadas atrás, hoje está em decadência. E o mais importante é que o Congresso francês e as academias francesas estão discutindo a matéria. Nós também poderíamos estudar o assunto e talvez copiar a lei francesa que proíbe o uso de termos ingleses no dia-a-dia, a começar pela economia. O Congresso francês estuda, neste momento, projetos de lei exatamente neste sentido: proibir que, na linguagem comum, na linguagem de restaurante, na linguagem da economia, na linguagem cotidiana, palavras francesas sejam substituídas por termos americanos. O grau de revolta do povo francês contra essa invasão americana é tão grande que o Parque de Walt Disney que os Estados Unidos construíram nas redondezas de Paris está redundado em um grande fracasso, em prejuízo enorme, porque a mocidade francesa está se recusando a assistir os heróizinhos americanos, aquilo que já é rotina na nossa televisão. Mas, lá na França, a EuroDisney está fracassando, porque os franceses exigem que se usem personagens jovens de histórias européias e francesas, e não personagens americanos. Assim sendo, tendo em vista a seriedade do assunto que V. Exª trouxe, seria viável, Sr. Presidente do Senado Federal, designar uma comissão de alto nível para realizar um primeiro estudo sobre essa matéria. Poderíamos chamar pessoas das universidades e da Academia Brasileira de Letras, para, juntos com o Presidente do Senado, darem a sua contribuição. Há pessoas dizendo que, já que o esperanto fracassou como língua comum, estamos caminhando para adotar o inglês como língua comum; e que, aos poucos, o mundo vai ser todo bilíngüe - o inglês e a língua natal. E, numa segunda etapa, esquece-se a língua nacional e adota-se a língua inglesa. Será que vai ser assim? Não sei. Mas seria o caso de se designar uma comissão para pelo menos analisar essa questão tão séria e importante, mesmo que seja para não fazer nada. Na França e na Itália, essa questão está sendo aprofundada. Volto a repetir, reparem V. Exªs como, de repente, o cinema brasileiro - que ficou totalmente desprotegido frente às leis de mercado, quando deixou de existir o percentual de reserva de mercado para o filme brasileiro -, com a Lei dos Incentivos, está ocupando um papel de primeira grandeza no cenário internacional. Temos capacidade e condições. O exemplo são as minisséries produzidas pela Rede Globo, consideradas de padrão internacional. E o cinema brasileiro, não é à toa que agora, pela terceira vez, um filme brasileiro vai concorrer ao Oscar de Melhor Filme estrangeiro, nos Estados Unidos. Portanto, caberia a formação dessa comissão, nem que seja para sentar à mesa, debater, analisar os fatos que estão acontecendo não só no nosso País, mas no mundo todo. Felicito, como disse muito bem o Senador Bernardo Cabral, a competência com que V. Exª aborda o assunto e quero salientar a profunda seriedade do tema.

O Sr. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB) - Muito obrigado.

Srs. Senadores, com esses apartes, V. Exªs enriqueceram o modesto pronunciamento deste modesto ex-professor de Português. O aparte do Senador Bernardo Cabral, sempre marcado pela generosidade; o aparte do Senador Jefferson Péres, marcado pelo brilho da sua inteligência; o aparte do Senador Artur da Távola, marcado, acima de tudo pelo extraordinário talento que possui e que exibe a cada instante em que fala para esta Casa, procurando guardar absoluta fidelidade e identidade no seu aparte às expressões inglesas ou francesas que aqui usei. O Senador Pedro Simon ilustra, com dados atuais, o enfoque dado pela França ao tratar da sua língua.

Eu disse, no início do meu pronunciamento, que, quando aluno, havia predominância do galicismo para lembrar as fábulas Última Flor do Lácio, citada por Bilac, ou Galia omnia divisa in parte tres, para citar a expressão latina da divisão da Gália antiga. Naquele instante, era o francês que predominava e invadia o nosso idioma, ao ponto de eu citar o time de futebol francês, aqui, no meu discurso: o abajur, a butique, o purê, o chofer e o bureau. Hoje, a França se preocupa, e essa lei editada protege exatamente o resguardo da língua francesa contra a invasão de termos estrangeiros.

Ontem, recebi do Senador Esperidião Amin o Dicionário de Economia. Eu disse que são mais de mil termos ingleses adotados na economia. Não os citei para não me tornar prolixo.

No meu discurso, Senador Pedro Simon, solicitei que fosse constituída uma comissão para resolvermos essa questão, por intermédio do Ministério da Educação e da Cultura, com a participação da Academia Brasileira de Letras.

Como disse o Senador Bernardo Cabral, o meu pronunciamento partiu de um artigo publicado pelo Presidente da Academia Brasileira de Letras, Professor Arnaldo Niskier, que adverte sobre os barbarismos, para os solecismos cometidos diariamente, as agressões à língua, seja por esses barbarismos, seja por esses solecismos, seja também pelos estrangeirismos, alguns inaceitáveis; também pelos neologismos, como acabou de demonstrar, com extraordinário talento, o Senador Artur da Távola.

Às vezes me espanto, quando vejo constantemente as pessoas dizerem que vão "formatar" uma idéia ou, talvez, como disse o Senador Artur da Távola, "deletar" alguma coisa. A expressão está tão forte que, em um dos meus poemas, eu disse que eu iria "deletar" o endereço de uma pessoa; e, para usar a expressão de um poeta carioca, eu iria "tirar meu coração do gancho", porque eu iria "deletar" da memória o nome daquela pessoa.

Agradeço esses apartes e os incorporo ao meu pronunciamento.

Tenho certeza de que, pela seriedade da matéria, pela importância que devemos dar à nossa língua, devemos relembrar Olavo Bilac: "Última flor do Lácio, inculta e bela, és, a um tempo, esplendor e sepultura".

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP)  - Peço a palavra apenas para parabenizar a maneira original com que V. Exª tão bem defende a língua brasileira. As palavras de V. Exª deveriam servir de alerta para todos os brasileiros, no sentido de nos lembrar o exagero com que, de alguma maneira, a imprensa, os meios de comunicação têm nos levado a usar demasiadamente determinadas expressões. Se recorrêssemos ao nosso próprio vernáculo, talvez elas fossem utilizadas de forma mais adequada. É importante refletirmos sobre medidas legislativas que fortaleçam o desenvolvimento da nossa língua. Meus cumprimentos a V. Exª.

O Sr. RONALDO CUNHA LIMA (PMDB-PB) - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy.

Agradeço a V. Exªs pela atenção. Bye-bye!

 O MNDLP agradece a Loire Rodrigues de Lima pela localização deste material no Senado Federal.