Um (in)esperado banho marcou o período em que São Paulo comemoraria seus 450 anos de fundação, no final de janeiro de 2004. Chuvas torrenciais alagaram a cidade, submergindo literalmente bairros inteiros. Inesperadas talvez pela quantidade de água caída dos céus, mas um fenômeno que é bem conhecido na cidade, merecendo inclusive pinturas e fotos de séculos anteriores (como na tela de Benedito Calixto, mostrando a Várzea do Carmo inundada em 1892), as inundações paulistas são devidas a diversos problemas que, mesmo complexos, têm solução.

Corrigir os leitos dos rios, controlar fontes de poluição, garantir a limpeza das águas, controlar e evitar que seja depositado lixo nos córregos, construir sistemas de contenção e escoamento das águas, são tarefas possíveis e que deveriam merecer atenção prioritária dos governantes, tais os transtornos que causam.

Assim, se a prefeita Marta Suplicy acha importante plantar coqueiros para embelezar a paisagem na zona da cidade que, como ela mesma diz, mais contribui com impostos, tudo bem, mas primeiro deveria se preocupar com questões mais urgentes e de infra-estrutura urbana. Não importa se são problemas herdados de administrações anteriores, isso não é desculpa para empurrá-los por sua vez para as administrações seguintes. Ainda mais se a prefeita faz parte de um partido político que sempre se propôs a ser diferente dos demais, por se preocupar mais com as questões sociais, com as classes trabalhadoras menos favorecidas blablabla.

Busca aérea pelas vítimas do transbordamento do córrego Aricanduva
Capturas de tela - transmissão ao vivo da TV Record de S. Paulo em 4/2/2004 - 18h45

É um absurdo que, 450 anos depois de conhecido o problema, e existindo as soluções, não sejam elas aplicadas para resolvê-lo. Tudo o mais que daí decorre é o que compõe esta página inundada de besteiras, digna de abrir o Febeanet-2004. A começar pelo absurdo que é os bombeiros terem de usar esquis aquáticos (jet-skis) para trafegar numa das principais avenidas (asfaltadas) da "Selva de Pedra" que é a capital paulista...

A questão culminou numa acalorada discussão entre a própria prefeita e uma dentista, Simone Correa, que perdeu os equipamentos de seu consultório odontológico na inundação, e se indignou com a escala de prioridades da prefeita: primeiro os coqueiros... O bate-boca ocorrido no dia 3/2/2004 - defronte às câmeras de televisão e microfones das rádios - ganhou divulgação nacional, com direito a repetições, mormente após as críticas da prefeita pelo fato ter sido divulgado...

Imagens da discussão entre a munícipe e a prefeita, na rua e em uma das casas inundadas
Capturas de tela - transmissão gravada da TV Bandeirantes de S. Paulo em 4/2/2004 - 19h59

Ficam as imagens, registradas na inundação maior de 4/2/2004 (Avenida Aricanduva submersa nas águas do córrego Aricanduva, que transbordou com as chuvas) pelas emissoras de televisão Record e Bandeirantes, que - estas sim - deram um banho de cobertura jornalística, com repórteres em helicópteros e motoqueiros-repórteres mergulhados na água:
 

Imagens aéreas do resgate de passageiros de um ônibus por  um helicóptero  e de moto-repórter mostrando a força das águas do transbordante córrego Aricanduva
Capturas de tela - transmissão ao vivo da TV Record de S. Paulo em 4/2/2004 - 18h47

Em meio ao festival de besteiras em que submergiu a administração paulista nesse episódio, destaque-se apenas a ação dos bombeiros, servidores e populares que, com seu esforço, protagonizaram episódios de heroísmo e coragem no salvamento de pessoas ilhadas no teto de carros e de casas, usando inclusive helicópteros como o Águia e o Pelicano, que tiveram ação destacada na localização e no salvamento dessas vítimas. Como no caso de um garoto de 4 anos e sua mãe - o piloto do helicóptero conseguiu manobrar com perícia para encostar no telhado da casa sem apoiar o peso do aparelho nas telhas, permitindo o salvamento, que repórteres acompanharam de outro helicóptero e de terra (digo: água):

Assim é... enquanto bombeiros arriscam suas vidas para salvar as vidas das vítimas das centenárias inundações, a administradora maior da cidade repete os erros de seus antecessores e ainda cai na besteira (que será lembrada nas próximas tentativas de se eleger, ainda mais que foi devidamente registrada em som e imagem) de discutir com a munícipe vítima de enchentes que já deveriam ter sido resolvidas. 

Demagogia da munícipe em denunciar a hipocrisia da prefeita, como alegou Marta, para fugir ao politicamente desgastante bate-boca? Talvez... Mas não é demagogia também a prefeita se eleger por uma plataforma popular e ficar desfilando números de assistencialismo (tantas pessoas famintas atendidas...) para "justificar" os coqueiros plantados na zona rica? Sem dúvida, a centenária inundação da maior metrópole brasileira e as "providências" das autoridades municipais paulistanas merecem abrir a edição 2004 do Festival de Besteiras que Assola a Internet (Febeanet)...