Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/guaruja/gh036.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/29/20 12:45:21
Clique aqui para voltar à página inicial de Guarujá
HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ
Milagre é achar o poema

Obra de José de Anchieta é citada em Guarujá, mas seu teor não aparece

Vários pesquisadores já foram consultados por Novo Milênio acerca do poema Milagre dos Anjos, que José de Anchieta teria escrito na Ermida do Guaibê, em uma de suas passagens pela Ilha de Santo Amaro, atual município de Guarujá. Até agora, o texto do poema não foi localizado, sendo raras inclusive as citações de sua existência.

A melhor referência até o momento foi localizada pelo internauta Alberto Turismólogo (José Alberto A. Melo, turismólogo formado pela Unaerp-Guarujá e pesquisador especializado na Ponta da Armação, em Guarujá) na obra Vida do Venerável Padre José de Anchieta (1672), 1º volume, escrita pelo padre Simão de Vasconcelos e editada no Rio de Janeiro pela Imprensa Nacional, em 1943 (páginas 194 e 195):

[...]

5. Aqui vem agora bem empregada a história célebre, jurada de muitas testemunhas nos processos já ditos. Partiu José uma vez entre muitas a visitar a aldeia primeira destes índios, situada junto ao forte da barra, por nome Bertioga. Deteve-se com eles dous dias e agasalhou-se com o capitão no mesmo forte.

Havia defronte uma ermida devota da Virgem, pediu ao hóspede que queria ir passar a noite naquele oratório, veio de boa vontade nisso e foi acompanhando-o ele e um genro seu, por nome Afonso Gonçalves, com uma vela acesa, e deixando-o, se tornaram a casa, com a mesma tocha, ficando José às escuras.

Eis que, no silêncio da noite, tempo em que dormiam os mais, a mulher do genro do capitão viu e ouviu um espetáculo sobrenatural. Viu a capela, em que José orava, cheia de luz maravilhosa, que lançava seus raios por janelas e portas, alumiando toda a casa, e ouviu música de vozes admiráveis, que pareciam anjos.

Despertou ela o marido, viram e ouviram e, querendo sair e averiguar que seria a causa de tão grande contento, começaram a entrar em pasmo e tremor de membros, que lhe impedia de o mover-se, e juntamente os detinha o gozo da doçura celestial, que sentiam e durou neles por muitos dias, todas as vezes que refrescavam a memória daquela celeste harmonia.

6. Vendo José que estava descoberto o favor que o céu lhe fizera, e não podendo encobrir com razões, como pretendeu no principio, pediu aos dous, marido e mulher, com grande instância, e mandou com obediência, por ser confessor seu e pai espiritual, que, enquanto ele vivesse, não descobrissem a visão que tiveram.

Juraram tudo o sobredito, depois de morto, as mesmas testemunhas, que foram juntamente de vista e ouvida, acrescentando que tiveram sempre por certo ser aquela harmonia do céu, porque lhes enchera a alma de um gosto soberano e por aquele oculto modo de força de ficarem suspensos, porque não fossem averiguar a causa.

Nem foi este favor cousa nova em José; estão cheios os processos de sua vida de visões e raptos do céu, por mais de vinte vezes achei juradas cousas prodigiosas nesta matéria; em seu lugar se verão algumas.

[...]

Quase 14 anos depois, em 29/1/2020, o mesmo internauta manteve novo contato com Novo Milênio, para informar ter encontrado outra citação. Desta vez, no capítulo 25 (páginas 47 e 48) do livro "Vida do Padre José de Anchieta pelo Padre Pedro Rodrigues" (sem data ou local de publicação - possivelmente Rio de Janeiro em fins de 1896), disponível na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (acesso: 29/1/2020). Segue a transcrição, em ortografia atualizada:

CAPÍTULO 25

Do resplendor e música do céu

A quem por tão diversas notícias, tantos e tão graves testeminhos teve de sua virtude e santidade parece que já não faltava mais que ter algum do céu, e ate nisso favoreceu a divina bondade ao Santo Padre José como a quem em vida mortal e carne fraca fez vida angélica em seu espírito e na conversação exterior muito exemplar e digníssima de ser imitada.

Estando por vezes em oração no seu cubículo, entrava o Porteiro com algum recado, e era tão grande a claridade que dentro via que ficava espantado.

Um dia (como outros muitos costumava fazer) veio o padre José da Casa de S. Vicente à fortaleza de Britioga (N.E.: Bertioga), situada em uma das barras da ilha de S. Vicente, por ocasião de se ver com o gentio Maramomi, cuja língua diferente da geral de toda a costa começava a aprender, e queria meter em preceitos e arte, para por si ou por outros ajudar a conversão destes pobres em tudo desamparados; e de feito, alcançou o que pretendia com a graça divina, que era fazer um modo de arte catecismo e doutrina naquela língua, por meio da qual muitos entraram no céu, e ficou a porta aberta para os que hão de entrar.

Trouxesse o padre José consigo ao padre Manoel Viegas, que estava já mais avante nesta língua, e mandou buscar alguma desta gente, em o que se deteve dois dias. Neste tempo pediu o padre ao hóspede o deixasse ir dormir a uma ermida de Nossa Senhora que ali está perto da fortaleza, obra de trinta passos. Foram com o padre agasalhá-lo na ermida com candeias, o hóspede e um negro seu, por nome Affonso Gonçalves, e trazendo consigo a candeia o deixaram só às escuras, e se recolheram na torre onde viviam com suas famílias.

Sendo já alta noite e estando todos dormindo, somente a mulher de Affonso Gonçalves estava desperta, a qual o acordou, dizendo: "Senhor, acordai, e ouvireis uma coisa maravilhosa". Acordou, levantou-se e abriu uma janela da fortaleza, e viram ambos com seus olhos a ermida por entre as telhas e porta e por cima dos frechais com seu alpendre alumiada com um grande resplendor que os pôs em admiração, e juntamente ouviram uma música tão suave que arrebatou a ele e tirou de seu sentido, como o jura em seu testemunho, e querendo descer abaixo para ver donda a música se dava, por lhe parecer que a ouvira de longe, imaginando que seria algum navio que viesse entrando pela barra àquelas horas da noite, querendo descer, como digo, arrepiaram-se-lhe os cabelos com temor e achou-se impedido e lhe pareciam que pegavam e tinham mão neles, e assim não foi a ver o que era.

Durou a claridade e música por bom espaço de tempo, do que ambos ficaram por extremo consolados. Vinda a manhã, fizeram diligência pelos moradores da fortaleza e sua gente de serviço se levara algum lume à ermida aquela noite e acharam que não.

Falaram então ao mesmo padre, e tratando do resplendor e da música que ambos viram e ouviram, a resposta do padre José foi obrigá-los como filhos seus espirituais que eram, não descobrissem a ninguém do resplendor e da música que viram e ouviram enquanto vivessem, o que eles pelo amor e respeito que ao Padre tinham e pela opinião que de sua virtude corria, guardaram inteiramente, sem o descobrirem a viva pessoa até aquele dia, que eram 3 de outubro de 1602 anos, em igual dia, sendo ele então morador da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, perguntado juridicamente pelo padre Martim Fernandes, vigário geral da mesma cidade, s sabia alguma coisa do padre José, jurou o acima dito, e acrescentou que lhes parecia a música e resplendor coisa divina, e do céu, e assim pelo grande temor que em si sentira com muita consolação, como por se sentir arrependido de ir ver o que era, e também pelo mesmo padre, querendo primeiro encobrir, e vendo que não podia lhes mandou o tivssem em segredo.

Fim do Livro 3º

Na Bahia, a 3 de janeiro de 1607

Padre Rodrigues.

Veja a obra integral na Biblioteca Digital NM:

Vida do Padre José de Anchieta pelo Padre Pedro Rodrigues (sem data ou local e publicação, posivelmente 1896 no Rio de Janeiro, e conforme disponível na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin - arquivo em formato .PDF com 11,3 MB)

QR Code - Clique na imagem para ampliá-la.

QR Code. Use.

Saiba mais