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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ - BARRA GRANDE
Um vento vermelho na capela da fortaleza (16)

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Unindo patrimônios histórico e artístico, numa simbiose entre passado, presente e futuro, um painel abstracionista de Manabu Mabe surge no interior da centenária Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, surpreendendo por sua atualidade os visitantes que ali talvez esperassem encontrar um altar. O forte, por algum tempo, ficou entregue à Sociedade Amigos da Marinha (Soamar). As muitas exigências dos órgãos de proteção ao patrimônio para a recuperação do imóvel - por exemplo, o uso de telhas iguais às antigas, que o próprio órgão não conseguia entretanto descrever - paralisaram o trabalho e levaram a entidade a desistir da empreitada. Em 9 de janeiro de 1986, o jornal santista A Tribuna publicou esta matéria:
 


As paredes perdem a resistência e as telhas somem
Foto publicada com a matéria

Fortaleza já não resiste mais

Leda Mondin

Os dois únicos canhões que restaram estão silenciosos há centenas de anos. Mas é como se tivesse ocorrido, recentemente, uma imensa batalha nos limites da Fortaleza da Barra Velha ou Forte de Santo Amaro: as paredes estão ruindo, o teto desaba aos poucos, não existem mais portas e nem janelas, o chão mostra-se forrado de telhas quebradas.

O cenário bem poderia lembrar alguma guerra, se os sinais de deterioração resultantes de um completo estado de abandono não fossem tão evidentes. A importante construção que fica na ponta mais avançada do Morro do Góes, em Guarujá, e guarda quatro séculos de história, encontra-se em ruínas e já teria desaparecido completamente não fosse a incontestável resistência das paredes de mais de um metro de largura (algumas, na parte externa, chegam a ter mais de dois metros), construídas com blocos de pedra de muitas toneladas.

Se há dois anos havia uma família morando no forte e tomando conta das instalações, nem isso ocorre hoje. E chega até a ser ridículo deparar com uma placa, logo na entrada da edificação, avisando que a entrada é proibida por se tratar de uma propriedade particular: é que o podre portão de ferro permanece sempre aberto e já houve até quem tentasse roubá-lo.

Tudo, naquele forte de gloriosas batalhas, está entregue à própria sorte. Os potentes canhões, que hoje não passam de um amontoado de ferrugem, perdido entre folhas secas e mato, talvez sejam a mais ostensiva prova do descaso. Mas não há como deixar de se revoltar ao constatar também que as paredes se desmancham, o teto desaba e tudo se torna restos imprestáveis, sem que nenhuma providência seja tomada.

Há quem saia da fortaleza carregando sacolas e carrinhos cheios de telha. Alguém mais esperto roubou duas placas de bronze que contavam um pouco da história do lugar. Pichações de extremo mau gosto completam o apocalíptico quadro, onde se destacam também toneladas de entulho que encobrem os pisos originais, que são de pedra ou ladrilho, dependendo do local.

As vigias, que tanto embelezam a construção, hoje não passam de improvisados banheiros públicos. E o que aconteceu com os demais canhões, cujo estrondo se fazia ouvir nas proximidades de Cananéia e tornavam famosa a artilharia de Santos?

Na Capela de Santo Amaro, que também faz parte das construções que compõem o forte, nem mesmo o santo padroeiro escapou ileso. Ele já não ornamenta o altar do pequeno templo e ninguém sabe que fim teve. Provavelmente, acabou sendo roubado, como tantas outras peças e objetos da Fortaleza da Barra Grande.

O velho forte, que resistiu a tantos ataques de corsários, hoje pode sucumbir sob a ação de uma rajada de vento mais forte. E o mais desconcertante é verificar que tudo isto acontece, apesar de a fortaleza ser um retrato vivo do passado de Santos, de São Paulo, do Brasil e até de Portugal.


A exótica arquitetura se dilui em meio ao limo
Foto publicada com a matéria

Passado de muitas glórias

Não se sabe ao certo a data exata da construção da Fortaleza da Barra Grande ou Forte de Santo Amaro, mas os historiadores concordam que tenha sido por volta de 1584. Naquela época, a coroa lusa estava nas mãos de Felipe II de Espanha e I de Portugal e Inglaterra. A pilhagem, que então campeava nos mares sulinos, trouxe até Santos corsários ingleses e levou o Governo a pensar na construção de um forte que protegesse a entrada da baía.

No final das contas, acabou surgindo no Morro do Góes uma das mais importantes fortificações do litoral do Estado. Durante quase dois séculos ela cumpriu sua finalidade de proteger Santos e a Ilha de Santo Amaro de ataques inimigos, por mar, mas os equipamentos bélicos, cada vez mais modernos e eficientes, acabaram por reduzi-la a um monumento histórico.

Nem mesmo o fato de ser tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico - Condephaat - consegue livrar a edificação do total abandono. E, o mais estranho de tudo, é que este abandono se intensificou justamente nos últimos dois anos, depois que a Sociedade Amigos da Marinha obteve a cessão gratuita, por tempo indeterminado, daquele monumento.

O convênio de permissão de uso foi assinado a 19 de agosto de 1983, e apesar de a Soamar ter anunciado muitos planos para o local, nada se concretizou. Não instalou sua sede lá, muito menos um museu para divulgar as coisas do mar. A fortaleza consta como patrimônio da União desde 1981.

Mais história - A Fortaleza da Barra Grande foi planejada pelo espanhol Diogo Flores Valdez, após os sangrentos episódios de 1581 e 1583, quando a Vila de Santos sofreu violentos ataques por parte dos corsários ingleses John Whitehall e Edward Fenton. Construída por barreira de argamassa e pedra e pesadas peças de artilharia, a fortificação repeliu diversos invasores, apesar de ter sido surpreendida pelo pirata Thomas Cavendish, que atacou a vila, em 1591, de surpresa, na noite de Natal, quando "os santistas assistiam devotamente à missa".

No início do século XVIII, por força do avanço da navegação e da artilharia, o forte teve que ser amplamente reformado, assumindo as características atuais. Segundo consta, serviu de presídio para inimigos da coroa portuguesa, e foi visitado por Dom Pedro I, em setembro de 1822, às vésperas da Proclamação da Independência.

Seus canhões dispararam pela última vez em 1893, durante a Revolução [da] Armada.

Criação de museu, uma idéia

"Eu sinto que tudo isto aqui faz parte da minha vida, do meu ambiente. Se o forte se estragar de vez, eu vou sentir muita falta". Edmar de Freitas, de 15 anos, olha as ruínas e não se conforma. Ele cresceu na Praia da Pouca Farinha (que dá acesso à fortaleza), cansou de explorar cada canto escondido por trás daquelas grossas paredes, e muitas dezenas de vezes sentiu-se vivendo heróicos dias do passado, imaginou a grande movimentação de homens se preparando para se defender do ataque de inimigos belicosos.

Atualmente, nada no forte propicia esses vôos de imaginação. Muito pelo contrário, a idéia é que o forte, ele mesmo, precisa ser defendido e urgente, antes que se torne irrecuperável ou que o custo das obras torne a restauração impraticável.

"Tudo devia ser muito bonito no tempo em que os antigos viveram aqui", pensa Edmar Freitas, que sugere a transformação da fortaleza em um museu de pesca, onde ficariam reunidos exemplares marinhos típicos da região. Claro que, na concepção de Edmar, o forte seria todo montado como na sua época de glória, mas acredita que haveria espaço para o museu de pesca.

Também Osvaldo Tavares Filho, de 15 anos, e Irisneu Vieira Costa, também de 15 anos, moradores da Pouca Farinha, pedem a recuperação do forte e a construção de um museu. "Tão roubando tudo. Até desapareceram umas pinturas invocadas, talvez feitas pelos indígenas. O cemitério, que era tipo um labirinto, caiu tudo", contam, para mencionar depois que ouviram falar na existência de um extenso túnel, que liga o forte a um outro lado da ilha, de onde se tem melhor visão da entrada da barra. "Era para ver o inimigo quando ele ainda estava longe", acredita Edmar de Freitas, voltando mais uma vez a imaginação para gloriosos momentos do passado.

Osvaldo, Irisneu e Edmar são alguns dos garotos que moram nas imediações do forte e que aprenderam a admirar sua imponência, a verificar que as próprias rochas do local, de tão resistentes e grandes, serviram de alicerce para a edificação. E eles passam muitas de suas tardes lá, à sombra dos imensos chapéus-de-sol que emolduram o forte, prestando a atenção no canto dos pássaros e admirando Santos, bem à frente, com seus prédios de concreto apontando para o céu.

Como chegar - Quem quiser visitar a Fortaleza da Barra Grande pode se servir dos inúmeros barcos que partem da Ponte dos Práticos e que transportam passageiros de Santos para a Praia da Pouca Farinha (ou Santa Cruz dos Navegantes) e vice-versa. A travessia não dura mais do que cinco minutos. Já do outro lado, é preciso caminhar pela praia, em direção ao Morro do Góes e, já no morro, enfrentar íngremes e escorregadios caminhos. Eles são o primeiro indício do abandono que se constatará mais adiante.

Em 9 de maio de 1986, uma equipe do antigo jornal Cidade de Santos visitou as instalações, constatando que havia sumido o telhado da fortaleza. As fotos são do foto-repórter Sérgio Vaz e foram aqui reproduzidas de antigo copião fotográfico (contato direto do filme com o papel foto-sensível) daquele jornal:




Fotos: reproduzidas de pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal,
mantidos no acervo da Unisantos

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