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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ - BARRA GRANDE
Um vento vermelho na capela da fortaleza (8)

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Unindo patrimônios histórico e artístico, numa simbiose entre passado, presente e futuro, um painel abstracionista de Manabu Mabe surge no interior da centenária Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, surpreendendo por sua atualidade os visitantes que ali talvez esperassem encontrar um altar. Mas, por muito tempo, essa história ficou abandonada: em 9 de dezembro de 1977, o jornal Cidade de Santos registrava a situação então encontrada na fortaleza:
 


Os potentes canhões são hoje um amontoado de ferrugem jogado no meio do mato
Foto: Nivair Neves, em 6 de dezembro de 1977, publicada com a matéria
(imagem extraída de copião fotográfico do jornal Cidade de Santos. Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal, mantidos no acervo da Unisantos)

A fortaleza esquecida pela própria história

Um berço e uma cama de casal substituíram os bancos da antiga capelinha. Um filtro e vasilhames foram colocados no altar, junto aos nichos. Um fogão, armário e outros utensílios domésticos substituíram as imagens e quadros. Como testemunha do esquecimento a que a história da cidade está relegada, sobrou apenas a imagem do padroeiro, na Capela de Santo Amaro, na Fortaleza do mesmo nome, também chamada de Fortaleza Grande da Barra, outra testemunha do descaso dos órgãos competentes para com as coisas que, por si sós, são o próprio passado de Santos, de São Paulo, do Brasil e até de Portugal.

Da melhor das fortificações existentes naquela época - há mais de duzentos anos - restam apenas telhados arrebentados, assoalhos podres, cheios de cupim, reboco das paredes desmoronando. Há até o perigo das quase ruínas desabarem com o menor vento, como ocorreu no último fim de semana, quando a velha fortaleza, que resistiu ao ataque de corsários, não aguentou as rajadas que se sucederam. Os potentes canhões, cujo estrondo se fazia ouvir nas proximidades de Cananéia, e tornaram famosa a artilharia de Santos, hoje não passam de um amontoado de ferrugem, jogado no meio do mato que, pela sua altura, parece esconder o abandono a que o monumento foi relegado.

Na realidade, o Forte sintetiza o final (como escreveu o historiador Costa e Silva Sobrinho, em 7-11-1948) da "breve história de um baluarte, cuja desvalia atual é uma advertência ao valimento dos homens". Desde o seu surgimento, traz o estigma do desleixo dos responsáveis. Em 1548, o donatário Luís de Góis solicitava, por carta, a D. João III, que socorresse com urgência as capitanias e costas do Brasil ou os colonos perderiam suas vidas, os bens, e a Coroa ficaria, ao mesmo tempo, sem seus domínios. E dizia que, só na Capitania de São Vicente, havia mais de seiscentos, entre homens, mulheres e crianças, fora três mil escravos. No entanto, a obra foi iniciada apenas entre 1584 a 1590, no tempo do domínio espanhol e, depois da entrada no porto de Santos, em 1583, do pirata inglês Eduardo Fenton. Dela não se tem quase nenhuma notícia, durante o século XVII.

Só no começo do século XVIII, isto é, em 23 de julho de 1702, recebe Luís da Costa de Siqueira a patente de capitão dessa fortaleza, vindo a ser, assim, seu primeiro comandante. O armamento só foi ordenado sete anos depois, E, em 1712, quando Santos se julgava arriscada a um ataque dos franceses, tomaram-se algumas providências sobre a segurança das suas fortificações, embora, naquele tempo, a defesa do Litoral de Santos e quase toda a costa do Brasil tenha sido sempre pouca e frágil. A Fortaleza Grande da Barra era a melhor das fortificações, o que não impediu, apesar de sua importância de, em 1774, há exatamente 203 anos, estar idêntica ao estado atual: em situação lamentável. A maior parte das carretas estava tão danificada que mal podiam agüentar o peso das peças. A única diferença era que alguém tomava providências, como os artilheiros que faziam verdadeiros milagres.

Morador quis construir - Uma carta régia, de 17 de junho do ano de 1711, noticiava que um morador de Santos, João de Castro de Oliveira, que já havia construído uma casa para a alfândega e quartéis para os soldados, se propunha a fazer, no prazo de três anos, à sua custa e de acordo com a planta que apresentava, a Fortaleza Grande da Barra. Como compensação, exigia certas regalias para si e para seus herdeiros.

Atualmente, mora na Fortaleza uma família: a de Sebastião Geraldo de Almeida. No total, dezesseis pessoas, entre as quais cinco crianças. Eles ocupam as diversas dependências, escolhendo as que estão em melhores condições. Foram para o local há dois anos, para tomar conta, em substituição ao antigo zelador. O sr. Sebastião nem sabe bem quem o mandou ficar ali. Só recebeu uma orientação: o senhor não receberá nada, mas pode morar. Se quiser consertar alguma coisa, pode; mas por sua própria conta. O velho Sebastião, pai de 18 filhos, três dos quais casados, morando com ele; já aposentado, vive da venda de limões, bananas, chuchus e da pesca: "há noites em que chego a pegar três ou quatro peixes-espada grandes. Mas viver só de comer peixe não dá".

Por outro lado, a família, embora numerosa, corre sérios riscos. Os portões enferrujados e destruídos pela maresia, as guaritas abandonadas e instaladas em pontos estratégicos, permitindo exato controle da situação, o mato que já obstrui os caminhos e esconde facilmente qualquer adulto, são excelentes abrigos para marginais de todas as espécies, como os que foram presos há pouco tempo, durante uma batida policial. E, na sua ingenuidade, o sr. Sebastião e a esposa argumentam: "nós somos caseiros só para evitar que maloqueiros se aglomerem por aqui". Vestígios deixados nas dependências do forte e nas guaritas são mostras de que, na realidade, sua segurança deixa muito a desejar.

Nos duzentos anos passados, a situação parecia ser bem melhor. Quando as autoridades decidiram recuperar a fortaleza, não dispensando a ajuda do morador santista, o sargento-mor Antônio Francisco Lustosa auxiliou o governador da praça de Santos com canoas, alguns soldados e escravos, os quais roçaram o mato com muito trabalho, para começar a obra. Atualmente, seria necessária a mesma união de esforços para, pelo menos, transformar o Forte, que já foi sede do Círculo Militar de Santos, em um ponto turístico dos mais atraentes, pela sua beleza e pelo panorama que oferece de toda a Baía e porto santistas.

O próprio D. João V, de Portugal, preocupou-se com os destinos da Fortaleza, nos idos de 1730, quando determinou inúmeras providências para garantir sua segurança. Quase quarenta anos depois, novas obras visando reparar a fortaleza e ampliar a defesa da cidade, sobretudo acabando com as péssimas condições que novamente a atingiram, relegada a segundo plano por governos que se sucederam.

Em 9 de abril de 1905, o Ministério da Guerra, em aviso dirigido ao chefe do Estado Maior da Fortaleza da Barra de Santos, determinou que fosse marcado o dia do desarmamento da Fortaleza da Barra de Santos, devendo a bateria ser removida para seu quartel, a fim de ser alojado o contingente do 24º Batalhão que vinha trabalhar no Forte Itaipu.

Santo Amaro esquecida - Na Capela de Santo Amaro, nem mesmo o santo padroeiro consegue fazer o milagre de ver seu templo voltar a assumir seu principal papel. Construída pelo governador de Santos, José Rodrigues de Oliveira, em 1742, "numa demonstração piedosa de fé", não ficou, entretanto, sob jurisdição eclesiástica, não tendo mesmo sacrário. A fortaleza chegou a abrigar diversos sacerdotes condenados à prisão. Esse fato pode ser um dos motivos pelos quais, até hoje, nem mesmo a Cúria Diocesana tenha se preocupado com o abandono e destino da capela - agora transformada em casa de família - que tem o altar de Santo Amaro como centro principal.

Quando em 1859 atingiu 143 anos, já relegada ao abandono, a capelinha começou a transformar-se em ruínas. Foi quando o capitão comandante Antônio Emílio Vaz Lobo, mediante subscrição popular, tratou de restaurá-la, constando das melhorias um altar com obra de escultura e banqueta, três nichos para as imagens, tudo envernizado e um estrado. Assoalho de madeira, um tapete grande, forro exterior da mitra de Santo Amaro. Restava então, a exemplo dos dias atuais, apenas as pedras de suas grossas paredes.

E, em 5 de setembro de 1948, escrevia o historiador Costa e Silva Sobrinho: "Essa capela de Santo Amaro é um valioso fragmento, à flor da terra, do passado santista. Precisamos conservar tão preciosa relíquia documentária, restaurando-a mais uma vez, para que ela transporte o pensamento dos contemporâneos aos tempos idos, permitindo-nos refazer na imaginação tudo que fomos e assim, impregnados das memórias do pretérito, planejarmos o futuro".

Ministro do Exército - O descaso a que os monumentos históricos vêm sendo condenados pelos próprios órgãos, que por finalidade específica devem conservá-los, são mostra, no entanto, de que nem mesmo o nome do ministro do Exército, general Fernando Belfort Bethlem, impresso em uma placa-homenagem do Círculo Militar de Santos, ajudará a mudar a imagem dos dois locais. Na placa, os dizeres: "Esta Fortaleza da Grande Barra, também chamada Santo Amaro ou São Miguel, foi construída pelo almirante espanhol Diogo Flores Waldez, em 1584, logo após a invasão da Barra pelos galeões de Edward Fenton, legendário pirata inglês. Homenagem do Círculo Militar de Santos. Presidente de Honra, general de Brigada Fernando Belfort Bethlem, comandante do CaCaaé/2 (hoje AD/2). Presidente do C.M.S., major R/1 Eduardo de Araújo Falcão. Barra de Santos, 12 de janeiro de 1969".

E há ainda a homenagem do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, na capela de Santo Amaro: "Histórico - principia na data desconhecida, 1508, anterior à sua fundação por José Adorno e Catarina Monteiro, em 15 de janeiro de 1542, na Vila de Santo Amaro, próxima a vilas, mas somente em 1742 é trasladada para o interior desta Fortaleza por Iozephroiz de Oliveira. Restaurada em 1885 pelo capitão-comandante Antônio Emílio Vaz Lobo e, após o seu completo desmoronamento, reconstruída e inaugurada em 30-1-1955 pelo Círculo Militar de Santos, rezando missa, nessa ocasião, o bispo Dom Idílio José Soares".

As placas de bronze são algumas das poucas coisas ainda mais conservadas. De resto, ainda mantêm sua beleza apenas as frondosas árvores que servem, inclusive, para encobrir o abandono. Elas só não conseguem impedir que de longe, bem do centro do canal por onde passam centenas de navios, durante todo o ano, os visitantes estrangeiros constatem com os próprios olhos a decadência histórica da cidade, através do monte de ruínas em que estão se transformando o Forte Grande da Barra e a capela de Santo Amaro.

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