Clique aqui para voltar à página inicialESPECIAL: Descoberta da América
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Colombo: verdade e mito

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Com uma vida tão aventurosa e um caráter tão complexo, era natural que Cristóvão Colombo fosse vítima de inverdades que permeiam fatos reais sobre sua vida. Histórias apócrifas são ainda hoje contadas e aceitas. (E outras do gênero ainda surgirão). Esse meio milênio transcorrido após o Descobrimento só contribuiu para enriquecer o mito e até envolvê-lo na aura da adversidade que não poupa sequer os grandes, assim mais os engrandecendo. Mas chegou a hora de apresentar o Navegador em sua inteireza, despojá-lo das fantasias que povoaram nossa imaginação. Vejamos onde começa a lenda e termina o homem.

Roberto Benavides (*)

Lenda: O "ovo de Colombo".

Verdade: O episódio foi relatado pela primeira vez por Benzoni em sua Historia del Mondo Nuovo, publicado em 1565. A mesma anedota foi contada quinze anos antes por Giorgio Vasaari em sua Lives of the Painters, Sculptors and Architects. Mas neste caso quem "pôs o ovo" foi Brunelleschi.

Lenda: A rainha Isabel penhorou suas jóias para financiar a primeira viagem de Colombo.

Verdade: O dinheiro foi fornecido principalmente (sem penhora) por banqueiros genoveses, por judeus genoveses e por um banqueiro florentino. Fizeram-no para prestar um grande favor ao rei espanhol e à Igreja. As jóias da rainha não podiam ser penhoradas porque já o estavam dois anos atrás, para financiar a guerra contra os mouros.

Lenda: Forçados de galeras guarneciam as caravelas Santa Maria, Pinta e Niña.

Verdade: Havia apenas quatro condenados entre os 90 marujos. É certo que um édito real baixado na época garantia perdão a todos os condenados que se dispusessem a fazer a primeira viagem de Colombo. Mas só quatro se arriscaram, segundo os historiadores.

Lenda: Colombo foi o primeiro a supor que a Terra é redonda.

Verdade: Já nos tempos clássicos, os geógrafos sabiam que a Terra tinha forma de laranja. A Idade Média suprimiu esse conhecimento. Mas, já no século XV, os geógrafos e cientistas conheciam a verdade.

Lenda: Pobre e cansado, levando pela mão o pequeno filho Pedro, Colombo bate à porta do mosteiro franciscano de La Rabida.

Verdade: Fantasia pura. Na condição de devoto de São Francisco, Colombo foi de fato ao La Rabida, mas na época os mosteiros tinham por tradição acolher viajantes. Foi o que aconteceu quando ele desembarcou em Palos, com destino a Huelva: hospedou-se no mosteiro por uma ou duas noites.

Lenda: Américo Vespúcio era um rival e, possivelmente, inimigo de Colombo. Daí é que teria resultado uma injustiça histórica: o Novo Mundo ser batizado em homenagem a Américo.

Verdade: Felizmente, não foi culpa deste. Se houve culpa, coube a Waldseemuller, que inseriu o termo América pela primeira vez em sua Cosmographiae Introductio, de 1507. Vespúcio e Colombo compartilharam das mesmas preocupações financeiras e da mesma sanha de descobrimento durante os preparativos para a terceira viagem ao Novo Mundo. Palavras de Colombo, em carta escrita a 5 de fevereiro de 1505 a seu filho Diego: "Americo Vespúcio tem sempre agido direito comigo; ele é um autêntico cavalheiro".

Lenda: Colombo morreu na miséria.

Verdade: Seus negócios nas "Índias" (Antilhas) lhe garantiam renda regular. E grande parte das despesas que ele teve com sua quarta viagem ao Novo Mundo foi reembolsada pela Casa de Contratación (o banco real), a pedido de Colombo. Um décimo de suas rendas era depositado no Banco di San Giorgio em Gênova, para o pagamento de tributos que incidiam sobre trigo, vinho e mercadorias de menor valor.

Lenda: Ele teve um fim de vida solitário.

Verdade: Ele teve a ajuda de seus filhos e de amigos leais, dois dos quais genoveses (Bartolomeo Fieschi e Juan Spinola) até a morte, em 1506. Tinha servos e um mordomo.

Lenda e Verdade: No fim da vida, não tinha mais um lugar reservado para si no palácio real.

O lendário episódio do ovo, em xilogravura do século XVI, de Theodor de Bry, conservada na Biblioteca Cívica Berio, Gênova (Itália).
Reprodução de Americae Praeterita Eventa, publicada em 1966 pela Universidade de São Paulo

Conquistados e Conquistadores

Quando os espanhóis desembarcaram no local que mais tarde se chamaria Guatemala, a ciência dos antigos astrônomos maias já ensinara aos nativos as datas de ocorrência dos eclipses solares e lunares. No entanto, dessa ciência só restavam vestígios, preservados oralmente pelos descendentes da culta civilização que definhara. Eles lá estavam quando os descobridores chegaram. E ainda lá se encontram.

Nesses quinhentos anos, o intercâmbio da Europa com a América se traduziu num entrechoque de armas, preces e literatura. Em sua maior parte, os povos pré-colombianos sucumbiram à civilização imposta pelos espanhóis. Fala-se em genocídio, pois os conquistadores não se deixaram conquistar - ao contrário dos romanos que incorporaram a cultura dos gregos vencidos. Tudo porque um homem (Colombo) abriu a porta dos mares ao Velho Mundo. E esse homem ousou tanto, que cérebros ilustres de todos os tempos não ousaram roubar a glória de seus feitos. (A única nota dissonante é a opinião de Winston Churchill).


Victor Hugo (E), Sigmund Freud, Antonio Gramsci e Winston Churchill (D)

VÍTOR HUGO
(Os Miseráveis)

"Colombo, o invasor das ondas, o caçador de pássaros".

FREUD
(Carta a Maria Bonaparte)

"Ninguém mudou mais o mundo do que Colombo, mas o que ele foi realmente? Um aventureiro. É verdade que tinha caráter, mas não era um grande homem. Conforme você pode observar, um homem é capaz de descobrir grandes coisas sem ser necessariamente grande".

VOLTAIRE
(Essais sur les moeurs et l'ésprit des tantions)

"Se um grego tivesse descoberto a América, seria um deus para seus contemporâneos! Cristóvão Colombo e seu irmão Bartolomeu por certo não receberam esse tratamento. Colombo interessou-se pelas descobertas dos portugueses, pensou que podia fazer até melhor e, olhando para um mapa de nosso mundo, concebeu a idéia de que precisava existir outro, e que navegar para o Ocidente era o meio de encontrá-lo. Sua coragem foi igual ou superior ao seu gênio, pois ele se defrontou com o preconceito geral de seus contemporâneos e com a recusa dos príncipes".

TORQUATO TASSO
(Jerusalém Libertada)

"Um homem natural da Ligúria ousará ser o primeiro a sondar o curso não mapeado; nem o bramir ameaçador do vento nem o mar medonho, nem o clima estranho nem qualquer outro perigo ou receio, ainda que se apresente sinistro ou colossal, confirmará seu nobre espírito deste lado das Colunas de Hércules e o fará desistir de sua grande idéia. Colombo, você avançará sobre um hemisfério virgem tão distante que a Fama, apesar de seus milhares de olhos e plumas, mal verá suas velas. Oh, que ela cante Alcides e Baco; de você, bastará uma história fragmentada, pois ela bastará para os homens se lembrarem muito tempo depois e elogiá-lo através de histórias e poemas".

THOMAS HARDY

"Entre os racionalistas, era o mais dotado de fantasia; entre os sonhadores, o mais racional; e entre uns e outros, o mais resoluto".

FRANKLIN DELANO ROOSEVELT

"Colombo é a alma em busca do Conhecimento".

ANTONIO GRAMSCI
(Quaderni dal Carcere)

"O nascimento de Colombo num ponto da Europa em vez de outro é de menor importância, uma vez que ele próprio não sentia ter grandes vínculos com um Estado italiano... Do século XV até à Revolução Francesa, a essência do gênio italiano assentou-se em sua dimensão européia".

HENRY MILLER
(Time of Assassins)

"Um Colombo não escarnece das normas, ele as verga. Colombo não içou velas com destino a um mundo imaginário. Ele descobriu um novo mundo por acaso. Mas tais acidentes são os frutos legítimos da audácia. A audácia não é inquietação, mas produto de uma confiança interior".

ALPHONSE LAMARTINE
(Christophe Colomb)

"Foi ele quem mais ampliou os confins da civilização: ele é o maior conquistador, depois de Deus... Completou o universo, consumou a unidade física do planeta e levou uma divindade a dois céus e dois mares".

ANDRÉ BRETON
(Manifesto do Surrealismo)

"Alucinações e ilusões são uma significativa fonte de prazer... Eu gostaria de passar minha vida tentando obter a confiança de lunáticos. Eles são gente escrupulosamente honesta, cuja inocência é igual apenas à minha. Colombo teve de içar velas com uma tripulação de lunáticos a fim de descobrir a América. Observem como essa loucura se tornou substancial e quanto ela dura".

JÚLIO VERNE
(Christophe Colomb, découverte de l'Amérique)

"Gênio da perseverança e da audácia, homem indomável e infatigável, intrépido em face de suas provações".

WINSTON CHURCHILL

disse que Colombo partiu sem saber para onde ia, chegou aonde pensava que não estava, e tudo às custas dos outros.

TOMASO CAMPANELLA
(Canzone agl'Italiani che attendono a poetar con favole greche)

"Cristóvão Colombo foi um ousado homem de gênio que construiu uma ponte entre o mundo de César e o mundo de Cristo, e venceu a oposição dos matemáticos, o desprezo dos poetas, dos físicos e dos teólogos e as provações de Hércules e Netuno".

WASHINGTON IRVING
(A History of the Life and Voyages of Christopher Columbus)

"Ele foi um daqueles homens que vencem por conta própria, com brilho e obstinação, que alcançaram o sucesso na mocidade apesar de grandes desvantagens, que foram capazes de sobrenadar às adversidades o resto de suas vidas com uma coragem indomável".


A praia da ilha de Guanahani (San Salvador),
onde Colombo desembarcou no dia 12 de outubro de 1492

As mesmas praias, o mesmo mar

Se Cristóvão Colombo tivesse o poder de voltar às terras por ele descobertas nas Antilhas, não encontraria mudanças de surpreender. Vejamos o caso de San Salvador, apontada pela tripulação da caravela Pinta com o grito triunfal de "Terra à vista!". Houve transformações na ilha, mas nem tanto. Ali viviam centenas de índios Arawak, que os brancos se encarregaram de exterminar com rapidez. Em seu lugar hoje existem pouco mais de 700 habitantes, que falam inglês ou crioulo. Os antigos deuses desapareceram: a população agora é quase toda protestante.

E o relevo? Lá se encontram os mesmos recifes de coral, as mesmas embarcações que se fazem ao largo para a pesca, como há 500 anos. E os turistas, exibindo ouro nas jóias, fazem pensar que El Salvador é o anelado Extremo Oriente, o lendário Cipango (o antigo Japão).

No Haiti, situado na ilha Hispaniola e sua segunda escala depois de avistar Cuba, Colombo teria enormes surpresas. A população nativa, que ele considerava "muito apta para o trabalho", mudou: agora é um amálgama de negros e mulatos que falam o calão francês, vivem na miséria e na instabilidade política.

Guadalupe foi a primeira escala de Colombo em sua segunda viagem ao Novo Mundo. Ali também - a exemplo do ocorrido no Haiti - a cultura espanhola não medrou. Hoje, a ilha é uma província da França - a exemplo de Martinica, de quem Paris parece ter-se esquecido, a julgar por sua decadência.

Um destino diferente teve Porto Rico, que se deixou conquistar pela civilização encarnada por Colombo: seu idioma oficial é o espanhol, mas seus habitantes são cidadãos norte-americanos, sem contudo terem direito a voto nas eleições dos EUA. (Porto Rico não é um país: chama-se Estado Livre Associado e tem eleições próprias). Parte dos porto-riquenhos sonha com o dia em que sua pátria se tornará o 51º estado norte-americano.

Na metade Sul da ilha Hispaniola, tendo o Haiti (de colonização francesa) como vizinho, fica a República Dominicana, na qual Colombo fundou Isabella. Hoje, como se sentiria o Descobridor ao ver a cidade reduzida a uma pilha de escombros? A Jamaica o deixaria estonteado: sua população fala inglês e dialeto crioulo, compõe-se principalmente de descendentes de escravos, mas está permeada por descendentes de asiáticos.

Em sua terceira viagem, Colombo descobriu Trinidad, que hoje não seria propriamente um deleite para alguém que enfrentava os perigos em nome da fé cristã, entre outros motivos. Ali, os credos se distribuem mais ou menos uniformemente entre católicos, protestantes e hindus. Razões de júbilo: o analfabetismo em Trinidad fica abaixo dos 5%, a mortalidade infantil é uma das menores da América Central e a expectativa de vida fica em torno dos 70 anos.

Em 1502, Colombo chegou à América Central (mais precisamente: Honduras), logo após debelar um motim de sua tripulação. O mau presságio se confirmou: hoje, a região é um barril de pólvora político-econômico (veja-se a instabilidade da Nicarágua, El Salvador, Panamá). Depois o Almirante desembarcou no Panamá, que pensou ser "a província de Mango, perto de Catai". Açulada por interesses norte-americanos, a província do Panamá (pertencente à Colômbia) um dia se tornou independente. Depois, foi rachada ao meio pelo Canal, que por estranha ironia aproximou tanto o Ocidente do Oriente. E que - se Colombo vivo fosse - lhe serviria para ir além, através do Pacífico, em busca de novos mundos.

(*) Roberto Benavides publicou estes artigos (junto com um de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão), no Caderno de Sábado do Jornal da Tarde/O Estado de São Paulo, em 10 de outubro de 1992.

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