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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - A.Schmidt
Afonso Schmidt e a revista Fundamentos (4)

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Entre suas múltiplas atividades, Afonso Schmidt participou também do conselho de redação da revista paulistana Fundamentos, na década de 1950. Neste número de janeiro de 1954, sua obra foi destacada pela revista:
 


Página 7 da revista Fundamentos de janeiro de 1954
Imagem: Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Cubatão

O preto do cavalo branco

Afonso Schmidt

Zózimo Lima, jornalista sergipano, diretor do Jornal de Aracaju, passou em Santos alguns anos da mocidade. Ali tentou encarreirar-se no comércio mas não conseguiu, porque as letras o puxavam pela manga para o lado oposto. Com o tempo, fez-se funcionário do Correio e, nos trinta e muitos anos que se seguiram, alcançou o cargo de relevo que chegou a ocupar em sua cidade natal e ainda mais tarde a aposentadoria.

No entanto, como passasse pela terra de Braz Cubas e bebesse a água do Itororó, jamais se esqueceu do nosso Estado. Poeta paulista que publique uma plaquette de versos tem no crítico do jornal sergipano leitor atencioso, sempre cheio de boa vontade, sempre disposto a recebê-lo com generosas palavras. Fiado nessa acolhedora atitude, mando-lhe freqüentemente os meus trabalhos. Entre outros, o romance intitulado A Marcha, por passar-se em parte num cenário que ele conhece.

Zózimo Lima leu-o, escreveu uma crônica a seu respeito. Fez mais do que isso...

Na história da Abolição da escravatura em São Paulo, figura um ex-escravo chamado Quintino que, tendo sido cozinheiro da família Lacerda Franco, adotara o nome dos senhores, o que era freqüente naqueles dias. Ali por 1887 e 1888, esse homem se tornara chefe do quilombo situado atrás da Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrat. Recebia em Cubatão os escravos que chegavam fugidos das fazendas do interior. Andava sempre montado num cavalo branco. Tornou-se famoso como "o preto do cavalo branco". Inculcava-se "presidente" da República do Jabaquara.

Alcançou como abolicionista popularidade tal que, mais tarde, proclamada a República, foi eleito vereador à Câmara de Santos. Naquele tempo, dizia-se "camarista". Mas os colegas da Intendência, gente de fraque, plastros e cartola, se sentiram vexados com a presença do ex-mestre-cuca e não compareceram à sessão inaugural. Diante dessa afronta, Quintino de Lacerda fechou a porta da casa da Intendência, botou a chave no bolso e saiu para a rua, exclamando:

- Agora, grite quem quiser!

Estava dissolvida a Câmara Municipal. Mas os outros camaristas, na semana seguinte, reuniram-se num prédio particular - parece que à Rua Santo Antônio - e ali a Câmara funcionou não sei por quanto tempo, até que se resolveu o barulhento caso.

Ouvi a história que aí está quando eu ainda era menino. Talvez não se tenha passado exatamente assim. Cabe a Zózimo Lima averiguar. Sim, a Zózimo Lima, em Sergipe, pois ele, segundo me comunicou há tempo, está escrevendo a biografia desse sergipano famoso que veio criança para Santos, onde foi escravo, cozinheiro, e lutou bravamente pela Abolição, pela República, pela paz e pela benquerença entre todos os homens da terra.


Ode aos russos

Nos Urais, onde o abeto pulula
(telhados circunflexos de um pagode),
No Cáucaso esfumado que se azula,
furando o céu que dominar não pode;
e nos Cárpatos, onde o sol coagula
em flor a neve que o tufão sacode,
passe meu verso no trovão que ulula
e se desfaça em louros minha ode.

Mares e rios, lagos e paludes,
penteando caniçais como cabelos,
águas que vêm das brancas altitudes
e das planícies dos eternos gelos,
rasgando pinheirais, enchendo açudes,
abeberando bois, rolando pelos
campos lavrados por atletas rudes - 
ide, meu canto, para bendizê-los!

As águas dizem, num soturno acento,
toda a história dos déspotas passados;
a sua voz de búzio marulhento
nas fozes conta aos mares rebelados:
- Há muitos anos, nosso curso lento
viu forcas com FF alinhados;
quarenta corpos balançando ao vento
no grave balancé dos enforcados. -

Bem haja a Rússia nova, em cujo seio
a dor humana, como uma fornalha,
fundiu das almas o dourado veio
e fez do ouro canhão para a batalha;
bem haja o povo que rompeu o freio
e pelo mundo uma alvorada espalha,
entre escravos - falando ao seu anseio,
e convencendo aos reis - pela metralha.

Rússia crucificada! Silve o apodo,
sangre na esponja o fel dos fariseus,
caiam-te as pragas do Milhão, a rodo,
serás a Canaã dos Prometeus.
Detalhe, mostras o futuro todo!
E o mundo sente que teus lagos, teus
imensos lagos, são em vez de lodo,
olhos azuis - interrogando Deus.

(1919)
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