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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - A. SILVEIRA
Agenor Silveira (2)

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Agenor Silveira nasceu numa família de cultores da literatura: era irmão de Valdomiro Silveira e filho do dr. João Batista da Silveira e  Cristina Silveira. Sua obra foi lembrada em 1987, na posse de Maurílio Camello na Academia Santista de Letras, ocupando a cadeira que tem como patrono Agenor Silveira, como registrou o jornal santista Destaque, na página 23 da edição 47, de novembro de 1987 (exemplar no acervo do falecido jornalista Paulo Matos):


Imagem: reprodução parcial da página com a matéria original

Posse do acadêmico Maurílio Camello

A Academia Santista de Letras, liderada pelo seu presidente dr. Paulo Bonavides, está em pleno dinamismo, neste ano de 1987. Além de suas atividades culturais no interior da comunidade santista, tem posto grande cuidado em completar seu quadro de acadêmicos. Neste sentido, várias sessões de posse já se realizaram, com o brilhantismo que é tradição na vida da Academia. Em todas essas sessões, tem sido observado um alto nível literário dos elogios feitos, já aos recipiendários, já por esses a seus patronos.

Entre esses eventos, é preciso destacar a recepção na Academia do prof. dr. Maurílio José de Oliveira Camello, na noite de 19 de agosto próximo passado. O neo-acadêmico foi recebido em sessão solene, realizada na Sala Princesa Isabel, espaço nobre cedido gentilmente pelo sr. presidente da Câmara Municipal de Santos. Estavam presentes vários acadêmicos, autoridades, professores da UniSantos, amigos e familiares do recipiendário. A Academia de Letras de Mariana, Minas Gerais, de que é membro o prof. Maurílio Camello, fez-se representar pelo seu presidente dr. Roque Camello.

O discurso de saudação ao recipiendário foi um belíssimo texto da lavra do acadêmico, prof. Nélson Norberto Gonçalves Rodrigues, que ressaltou aspectos pessoais, profissionais e literários do recipiendário. Nesse sentido, o prof. Nélson desenvolveu quatro aspectos: o amigo, o filósofo, o historiador e o poeta - com os quais descreveu para os presentes a personalidade do prof. Camello. Firmando-se em citações de filósofos e poetas gregos e romanos, em suas línguas originais, o prof. Nélson evocou a formação humana e profissional do recipiendário, dando grande destaque à sua produção literária, encerrada, sobretudo, nas obras Terra de Poema (1970) e Memórias de Minas (1981).

A seguir, o prof. Maurílio Camello proferiu seu elogio ao patrono da Cadeira nº 1, o poeta santista Agenor Silveira (1880-1955). Como é de praxe, o neo-acadêmico apresentou, de início, suas homenagens à Academia Santista de Letras, na pessoa de seu presidente, dr. Paulo Bonavides, aos acadêmicos que o elegeram, à Academia de Letras de Mariana (MG) e, por fim, à memória de seu pai que o estimulou na vocação literária.

O prof. Camello passou, então, ao relato da biografia de seu patrono, ressaltando os valores culturais e literários da família Silveira, que teve nomes registrados na história da literatura brasileira, como Breno e Valdomiro Silveira. Agenor era formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, advogou em Casa Branca e em Santos, onde exerceu também o cargo de secretário da Associação Comercial. Contista de mérito, poeta e vernaculsita, Agenor publicou Quatro Contos em moeda antiga (1912), hoje uma preciosidade bibliográfica, Rimas e Versos de Bom e Mau Humor (1919), Ouro de 24 (1927) e Colocação de pronomes, regras e notas explicativas (1928). Colaborou em revistas e jornais da época.

O prof. Camello ressaltou a temática romântica do poeta Agenor, temperada de bom humor e ironia, sua atenção ao cotidiano, sua melancolia. "O poeta melancólico, assediado de ausência por todos os lados, escreve seus versos de bom e mau humor, onde a ternura pode misturar-se ao irônico, a lágrima ao riso, num processo de catarse, de libertação do que é estranho à essência da vida".

O prof. Camello leu vários poemas de Agenor Silveira. Num deles, por exemplo, o poeta devolve ao procurador da Câmara Municipal de Santos um aviso de imposto de viação, que lhe fora erroneamente endereçado:

"Queira, portanto, Vossa Senhoria

Retirar a cobrança que inicia,

E assestar francamente

Essa formidolosa bateria

Da Procuradoria

Contra Manuel da Cruz,

Que pagará, sem dizer chus nem bus,

E creio até com inefável gosto,

O referido imposto".

Ao transferir-se de certo lugar onde morava e onde não se dera bem com os vizinhos, o poeta escreve um conjunto de sonetos, alegrando-se por estar

"livre agora de vós, pérfida gente,

Livre de vossa língua viperina".

Rimas é a obra poética mais importante de Agenor. A quem a lê, pela primeira vez, declarou o prof. Camello, é natural pensar que Agenor Silveira é poeta romântico, já passado pelo rigor formal do parnasianismo e às vésperas de assumir, com explícita consciência estética, as atitudes de independência e liberdade da geração de 1922. Mereceu também um registro especial o estilo do poeta, inspirado nos clássicos da língua, sobretudo Camões.

Ao final de seu elogio, o prof. Camello, que é professor de Filosofia da UniSantos, fez ilação entre poesia e filosofia. citou o grego Platão, para o qual a raça dos poetas é uma raça divina, "possuída de um deus quando canta seus hinos". E concluiu: "Agenor Silveira, o poeta, o cultor da linguagem, pertence a essa raça divina e compreendeu, na simplicidade, sua elevada missão".

A sessão solene da Academia Santista de Letras foi encerrada com palavras repassadas de emoção, proferidas pelo presidente dr. Paulo Bonavides, que registrou as homenagens da Academia ao grande poeta Carlos Drummond de Andrade, recentemente falecido. O dr. Paulo transmitiu, porém, a mensagem de que era da essência da Academia e de instituições congêneres tudo fazer para promover o bom gosto literário e estético, não permitindo que a poesia desapareça.


A mesa presidencial na sessão solene da Câmara de Santos, ocupada por autoridades civis e militares, presidida por d. Paulo Bonavides

Foto e legenda publicadas com a matéria original

 


Acadêmicos drs. Roque Camello, padre Waldemar Valle Martins, Maurício Camello, que tomava posse, e o presidente Paulo José de Azevedo Bonavides

Foto e legenda publicadas com a matéria original

A notícia do falecimento de Agenor Silveira foi dada pelo jornal paulistano Folha da Manhã na página 8 da edição de terça-feira, 25 de outubro de 1955 (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução da página 8 do jornal Folha da Manhã de 25/10/1955

Necrologia

Sr. Agenor Silveira - Faleceu ontem em Santo André, onde residia ultimamente, o sr. Agenor Silveira. A notícia de seu falecimento, conhecida à noite nesta capital, teve funda e penosa repercussão nos círculos sociais e intelectuais de São Paulo. Vivendo quase toda a sua vida em Santos, de onde era filho, Agenor Silveira, com efeito, cedo se projetara nos meios culturais de São Paulo, já então afeiçoado aos nomes ilustres de seus irmãos Valdomiro e Alarico Silveira. Jornalista, escritor, poeta e filólogo, construiu, no jornal diário e no livro, uma obra digna de seu talento, valorizado pela solidez de sua formação cultural.

O sr. Agenor Silveira, que desaparece aos 75 anos, foi durante anos advogado em Santos, tendo ainda exercido as funções de secretário-geral da Associação Comercial daquela cidade, na qual se aposentou. Deixa viúva a sra. Beatriz Jardim Silveira, e os filhos: Cid Silveira, nosso companheiro da sucursal das FOLHAS no Rio, casado com a sra. Nena Zapparoli Silveira; Almenor Silveira, casado com a sra. Palmira Deanesi Silveira; Dione Silveira Gruber, casada com o sr. Emilio Gruber; Olaia Silveira Reis, casada com o sr. Trajano Reis. Deixa ainda seis netos. Eram seus irmãos: Valdomiro Silveira, Alarico Silveira, João Silveira, Breno Silveira, Nestor Silveira, Herminia Silveira Chaves e Joana Silveira Schasch, todos falecidos. Deixa vários sobrinhos, entre os quais os nossos companheiros de trabalho Miroel Silveira, Helena Silveira e Isa Silveira Leal.

E foi sua sobrinha Helena Silveira quem publicou em sua coluna Paisagem e Memória, no mesmo jornal paulistano Folha da Manhã na página 4 da edição de sexta-feira, 28 de outubro de 1955 (ortografia atualizada nesta transcrição):


Imagem: reprodução da página 4 do jornal Folha da Manhã de 28/10/1955

Paisagem e Memória - Helena Silveira

O último dos três grandes

Íamos os cinco primos dentro do carro que varava a noite; o tempo navegava em memória, demandava o mar alto da saudade.

As recordações corriam, às vezes parelhas, às vezes se emaranhavam ou se contradiziam. E cada um via ao seu modo Alarico, Agenor, Valdomiro - os três grandes e os últimos daquela geração de Silveira-gigantes. os irmãos todos tinham ido antes desses: Breno, quando ainda estudante; Nestor, Mimi, Joaninha (a das distrações maravilhosas), e João, o que em sua banca do Correio Paulistano fazia sonetos humorísticos e artigos que ficavam.

Agora, o automóvel ia em demanda do último: Agenor. Paulista de pura cepa, finara-se ali onde nos parecia natural: a cidade de Santo André da Borda do Campo. Sua morte semelhara-se tanto à sua vida que, num momento no carro encapsulado dentro da noite, pareceu-me que tio Agenor estava não morto, mas vivendo a sua morte. Vivendo-a, grave e modesto, o grande Agenor que depois iríamos encontrar deitado naquela casa de saúde, as mãos trançadas, ao centro da família de seu filho Almenor e continuando nesse de um modo tão visível que era mesmo como se morte não houvera de todo.

Ao seu redor, netos, noras, filhos, sobrinhos, juntavam parcelas de lembrança para construir com ritmos de nervo e vida o que jazia calmo, para sempre distante da condição trágica de existir.

A uma certa hora, chamaram o dr. Jardim (que é como Sto. André conhece Almenor Jardim Silveira) e este deixou o velório e se foi. Pouco depois retornava: "Um parto em que precisei usar o fórceps. Mas está tudo bem. Nasceu um menino..." E o Tempo continuava a escorrer e, entretanto, tudo me parecia lógico e cheio de significados profundos, de liames e de nexos.

Pela memória, eu dava a mão agora, a um Agenor que só conhecera pelos racontos de papai e de tio Valdomiro. Aquele que formara com Martins Fontes e Vicente de Carvalho a trinca de poetas santistas. O que Alarico chamava de "santo civil" e cuja calva Martins Fontes beijava, pondo-se nas pontas dos pés em transportes daquela sua afetividade pronta e alerta.

O que jazia no caixão era um homem de setenta e cinco anos. Covardemente, em minhas idas a Santos, não o procurava, pois que temia vê-lo, a memória fraca, perdido o seu belo e sonoro mundo de palavras. Ele, o filólogo, o camoniano, o humorista dos maravilhosos jogos verbais, a procurar termos, expressões, fugidias palavras...

Minha infância foi toda coberta por um extenso toldo de poesias. Lembro-me da sala de visitas da casa da Rua Maranhão e papai recitando, ora o Cristo de Marfim, de Antero Bloem, ora o Vencedor, de Agenor Silveira:

"Eu não me aventurei aos grossos mares

Desse remoto, fabuloso Oriente,

Para de louros adornar a frente,

Arrostando perigos singulares.

 

Lá do Ganges nos ínclitos palmares

Às lanças não me expus da ínfida gente.

Nem percorri, da inculta África ardente,

Os desertos e inóspitos lugares.

 

Não fui a Ormuz soberba à cata de ouro

Para me acrescentar; e ao Roxo Estreito

Não fui sitiar o turco ousado e o mouro.

 

Mas, na amorosa guerra, mor proveito

Mores honras colhi, mais verde louro,

Vencendo a fortaleza de teu peito."

Que um Luciano Gualberto e um Edgar Cavalheiro, posteriormente vos deem, leitores, o aspecto humano e literário dessa família que Cavalheiro chama a "família real dos Silveira" e que para mim é esplêndida e refulge da geração de meu pai para cima até encontrar uma parenta colateral: Barbara Heliodora Guilhermina da Silveira.

Sim, pois que ante a grandeza dos meus três grandes: Valdomiro, Alarico, Agenor, que somos nós pobres escribas diuturnos de jornal? Entretanto, desses três, eu só posso falar como se fala em legendas. Os três foram-me, mais legenda que vida, cada um me aparecendo mais através do culto dedicado pelos outros irmãos que por realidade aleatória de carne e sangue.

Outras crianças tiveram Robinson Crusoé, e mais tarde, na adolescência, possíveis heróis de Valter Scott. Eu tive os meus três grandes...

Valdomiro, Alarico, Agenor. Agora, que o último se foi, é como se os outros dois tivessem morrido mais um pouquinho. Todos, no último instante, chamaram pela mesma santinha doméstica: Nossa Senhora da Aparecida. E, na agonia, Valdomiro e Agenor, viram o imponente patriarca João Batista da Silveira, a doce Cristina e a aia Marcelina.

O céu para esses Silveira deve ser o encontro com o seu clã e tenho para mim que Agenor, coroado de sua modéstia, dissimulado em seu saber sem alardes, há de achegar-se ao bandeirante Carlos Pedroso da Silveira e dizer:

- "Fostes o primeiro brasileiro a cunhar moedas d'oiro. Em Taubaté era a vossa casa de moedas..." E lhe mostrará como supremo galardão as mãos vazias das galas deste mundo. Mas o bandeirante há de enxergar a continuação do seu oiro na alma e no espírito do neto. O santo civil.

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