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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - O "Vulcão"
Martins Fontes (3)

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O pesquisador santista Jaime Franco publicou esta matéria na edição de maio de 1944 da revista santista Flama (ano XXIII, nº 5), dedicada ao poeta (grafia atualizada nesta transcrição):
 


Luiz Edmundo e Martins Fontes, quando da visita daquele intelectual ao autor de "Verão"
Foto publicada na mesma edição que a matéria

Martins Fontes, poeta lírico

Jaime Franco

No meu livro sobre "Martins Fontes", o imortal poeta de tantas obras primas da lírica brasileira, ficou exaustivamente demonstrado o valor profundo e inatingível da essência poética desse nosso querido e saudoso conterrâneo. A finalidade principal do livro, aliás vislumbrada pelos críticos literários do Rio e de São Paulo, baseia-se nessa demonstração através da paráfrase comentada de mil cento e quinze poesias de Martins Fontes, com as próprias idéias e imagens sublimes, mas sob a linguagem simples do meu pobre estilo e na ordem de antigo plano preestabelecido, para uma edição definitiva da obra, como se fosse romântica peregrinação pelo mundo dos sonhos, ora colorido, ora musical.

Eis que surgem na própria terra natal de Martins Fontes, antigos admiradores, agora críticos transviados, que proclamam, em sentido vago e sem provas concretas ou documentais, a negação de poesia nos versos do mais vibrante e sentimental poeta de todos os tempos. Tão vibrante e sentimental que Olavo Bilac, o exuberante poeta de "Tarde", falando num banquete, sobre a sua geração literária, na presença de Machado de Assis, e sobre a ação revolucionária dos poetas na conquista dum lugar de honra na sociedade brasileira, disse - "Martins Fontes, porta ideal da nova geração, adolescente que já produz obras primas, e cujo cérebro, pela fogosa germinação de idéias que nele sinto, me faz às vezes lembrar a palpitação que teria a Terra, na sua idade paleozóica, quando estalando e ansiando, explodia e rebentava nas primeiras manifestações da vida".

E a poesia produzida por este genial poeta que atingiu a máxima perfeição da técnica em sua relatividade, e o sublime da inspiração lírica, somente refletiria o psíquico daquele raríssimo temperamento, aliás dotado de "fogosa germinação de idéias", como observou Olavo Bilac, notavelmente, apontando-o como o porta-ideal da Nova Geração, isto é, da geração pós-parnasiana, aquela que evolveu do realismo abstrato para o realismo científico e que atingirá o máximo esplendor, depois desta Guerra Revolucionária, contra as degeneradas forças reacionárias nazi-fascistas.

Causou, pois, dolorosa surpresa a atitude de dois escritores que se repetiram, por influência da mesma atmosfera espiritualista em que convivem, quando um afirmou, em sessão pública e de homenagem ao Poeta, que não encontrava qualidades líricas nos versos de Martins Fontes, prejudicados pela quantidade, sendo difícil, quase impossível, a escolha da melhor poesia de sentido profundamente sentimental, por se tratar dum artista e metrificador exímio, gélido e impassível, na solidão sombria da Torre de Marfim, cultuando a Arte pela Arte! No mesmo diapasão, o outro, irrefletidamente, exprime, em letra de forma, que Martins Fontes era mais artista que poeta, demasiado atreito à forma parnasiana, com prejuízo da substância espiritual da inspiração...

Engano de alma ledo e cego, de quem se esqueceu que, em toda a obra de Martins Fontes, há, em vários livros, aproximadamente seiscentas e sessenta poesias de nobre e elevada inspiração, da mais pura substância espiritual, desde a glorificação da mulher ideal, da mulher amada, ou do amor ora romântico e sonhador, ora sensual e apaixonado, ora melancólico e saudoso, em pequenos poemas, até as vibrações de entusiasmo lírico pelo seu mundo de satanismo carnavalesco, através de sombras, luz, perfumes, cores e música, em viagem pelo céu, pelo mar, pelos continentes, findando na apoteose do Brasil pátria gloriosa, de São Paulo bandeirante, de Santos libertária e berço de heróis.


Martins Fontes em seu gabinete de trabalho
Foto publicada na mesma edição que a matéria

Martins Fontes confessava na maioria dos seus versos que a

Minha vida tem sido entoar um hino
À bondade e à beleza da mulher:
Julguei-a sempre um ente arquidivino,
Um anjo, se, além dela, um anjo houver.

Desta adoração, nasceu o Amor, cuja significação Martins Fontes traduziu nestes versos:

Para as almas, o amor é como o sol na terra:
Na magia de um sonho a vida transfigura!
É tão belo e radioso o clarão que ele encerra,
Que até, depois da morte, a sua luz perdura!

A beleza da mulher foi entrevista por Martins Fontes num momento de exaltação mística, em que pôde criar o seu Ideal, de existência abstrata:

Sem jamais entrever a perfeição divina
Simbolizo esse ideal, que incansável procuro,
Num modelo que encerra, imaginário e puro,
A beleza integral na forma feminina.

E desvenda-nos o nome dessa mulher que ele sonhou, igual à que inspirou outro poeta:

É por essa Beatriz que, em êxtase, murmuro
Meu hinário de amor à graça peregrina

E então, como Cavaleiro do Amor de que se orgulhava de ser, queria

...viver pelo amor, sem que, contudo,
Dentro do peito, para sempre mudo,
Um pensamento incasto desabroche!

E o Poeta compreendia o sentido dessa tortura imensa de viver sem amor ou amar sem ser amado, fonte perene de inspiração a tantos mimos ou maravilhas da sua lírica inesgotável.

Seria infindável, ao longo de centenas de poesias, na citação deliciosa de milhares de versos, a demonstração de que Martins Fontes se alçou acima do artista perfeito, em cuja perfeição reside o segredo da poesia imortal, apresentando-se-nos grande, maravilhoso, apaixonado, arrebatador poeta lírico, de quem a linguagem supera em simplicidade e clareza, tão simples e clara que se sublimou.


Grupo tirado no dia 16 de março de 1924, quando da visita a Santos de Vargas Vila
vendo-se, à direita, sentado, Martins Fontes
Foto publicada na mesma edição que a matéria

As poesias de Martins Fontes deviam andar na boca de todos os santistas, das mulheres principalmente, por gratidão ao seu Cantor, procurando sempre oportuno motivo para recitá-las, onde quer que estivessem. E as há tão belas e harmoniosas, de sentido tão nobre na glorificação do Amor e da Vida, que consideramos injustiça dolorosa dos conterrâneos o desprezo a que votaram o Poeta, somente (quem sabe!) porque assumiu a grandeza de caráter para manifestar, francamente, idéias avançadas demais para a época atual, mas que, ainda neste século, se viabilizarão, depois que estejam totalmente destruídas as armas assassinadoras dos regimes de ditadura reacionária nazi-fascista, negação execrável de todas as leis da natureza. A Musa do Poeta segredou-lhe esta profecia:

A sociedade futura,
Que tua fé conjectura
A todos amparará.
E essa suprema alegria,
Aurora que preludia
Virá breve, será já.

Mas amanhã, meu amigo,
Hão de todos ter abrigo,
Ar e luz, amor e pão,
Para que nunca mais haja
A caridade que ultraja,
Nem ninguém estenda a mão.

E Martins Fontes, em seus dúlcidos sonhos de anarquista, ouviu um dos Continentes dizer-lhe:

"Meu rebramido asiático, iracundo,
Já sobre as Rússias, célebre, galopa,
E, brevemente, há de invadir a Europa,
Mas, desta vez, para salvar o Mundo!"

Faz-se mister a urgente reedição das obras completas de Martins Fontes, ou a publicação duma coletânea com notas valiosas, onde estejam representadas as várias modalidades do Poeta, como lírico, artista e filósofo. Poderemos assim evitar que continuem a manter surrados preconceitos de que Martins Fontes era só Poeta parnasiano, glacial e difícil, inatingível pela massa popular, à qual dedicava todo o seu humanitarismo, de vocabulário precioso e exótico, mais próprio dos sábios e dos eruditos complicados e misteriosos! O Poeta, conhecendo bem a arte, deu o verdadeiro sentido da sua técnica, nestes versos:

Seja o tema qual for, tento exprimi-lo
Em rimas claras, com o mais puro estilo
Porque tudo é poesia no universo.

Belo. Perfeito, Imortal.

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