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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CUBATÃO EM... - 1839 - BIBLIOTECA NM
1839-1855 - por Kidder e Fletcher - 21

Clique na imagem para ir ao índice do livroEm meados do século XIX, os missionários metodistas estadunidenses Daniel Parrish Kidder (1815-1892) e James Cooley Fletcher (1823-1901) percorreram extensamente o território brasileiro - passando inclusive por Santos e por Cubatão em 1839 (Kidder) e 1855 (Fletcher) -, fazendo anotações de viagem para o livro O Brasil e os Brasileiros, que teve sua primeira edição em 1857, no estado de Filadélfia/EUA.

Kidder fez suas explorações em duas viagens (de 1836 a 1842), e em 1845 publicou sua obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil (leia), sendo seguido por Fletcher (a partir de 1851), que complementou suas anotações, resultando na obra O Brasil e os Brasileiros, com primeira edição inglesa em 1857 e sucessivamente reeditada.

Esta transcrição integral é baseada na primeira edição brasileira (1941, Coleção "Brasiliana", série 5ª, vol. 205), com tradução de Elias Dolianiti, revisão e notas de Edgard Süssekind de Mendonça, publicada pela Companhia Editora Nacional (de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre), publicada em forma digital (volume 1 e volume 2) no site Brasiliana, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - acesso em 30/1/2013 - ortografia atualizada - páginas 102 a 126 do volume 2):

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O Brasil e os Brasileiros

Daniel Parrish Kidder/James Cooley Fletcher

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Imagem: reprodução da página 103 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Capítulo XXI

Interior da Província de São Paulo

Na manhã de 21 de junho, deixei a cidade de São Paulo e parti para Limeira. Antes de partir, visitei os srs. E. e C., dois engenheiros ingleses que se achavam ausentes realizando estudos para uma estrada de rodagem no interior. Na estante de mme. E. encontrei alguns velhos amigos. Quão curioso era ver Windings by the Waters of the River of Life de Cheever, Life in Eearnest, de Hamilton, e outros bons livros, nessa cidade distante, cuja verdadeira existência fosse talvez desconhecida dos autores! Estava triste por deixar a agradável companhia do dr. E.; mas as minhas mulas, os meus cavalos e o meu guia estavam todos prontos e, pronta a cavalgada — vamos.

Meu guia era um preto velho de sessenta anos, cujas vestimentas consistiam numa jaqueta usada, um par de calças e um velho chapéu de palha. Seus calcanhares nus e ossudos não ostentavam o mais leve sinal de espora.

Como eu tinha de viajar depressa, para fazer a minha viagem em um dado tempo, vi que não poderia conservar o velho congo assim desarmado nas extremidades dos pés; e, dirigindo o cavalo para uma loja de ferragens, dei ao velho um par de esporas de ferro, cujas pontas eram do tamanho do esporão de um galo de briga. Com um pedaço de corda ele amarrou-as em seus tornozelos descarnados e, montando, pusemo-nos logo em caminho e em minutos, estávamos saindo da cidade de São Paulo.

Às dez horas, num clima como este, o sol não é nada frio. Os animais de carga, vendo-se fora das ruas, mostravam grande disposição para correr pelas planícies de Piratininga, e grande parte no nosso tempo foi perdido em andar daqui para ali na estrada à procura dos fugitivos. Devido a estar pouco acostumado com aquele violento exercício e ao calor do dia, a resistência parecia fugir pouco a pouco do velho congo.

Apelava, em altas vozes, para Santa Maria e o diabo. E sinto lembrar que a maioria dos seus apelos sagrados eram para este último, cujo nome, embora não figurando no calendário, é mais frequentemente usado no Brasil do que o de todos os santos juntos. Ouvindo um barulho de cascos atrás de nós, voltei-me e vi dois paulistas galopando na nossa mesma direção. Passando à nossa frente, caíram num acesso de riso imoderado. Não pude a princípio adivinhar o que excitava tanto as suas capacidades cômicas, até que um deles exclamou: "Olha as esporas".

Olhando para baixo, percebi que a corda, que amarrava as pontas de ferro aos calcanhares do velho congo, descrevera uma volta e a espora se colocara mesmo por cima do seu peito do pé. O velho preto, em sua árdua perseguição às mulas errantes, não percebera isto e continuou espancando os flancos do animal com o seus ossudos calcanhares.

Depois de corrermos uma légua, encontrei as minhas caixas; mas o Joaquim Antonio da Silva, o arrieiro que as transportara, não as quis entregar senão depois que eu verifiquei que tudo estava certo. E, mais uma vez, para frente!

Até esta data sempre tive negros ainda moços ou rapazes alemães como guias, e agora temia que a ambição do velho congo estivesse morta, e que nenhuma esperança de recompensa a ressuscitasse. Foi muito vagaroso: a viagem devia realizar-se, inclusive condução de caixas, em quatro dias, ou eu não sairia dela vencedor. A jornada era avaliada, pelos arrieiros, em oito dias; assim, não precisando acelerar a velocidade de meus animais, resolvi não me separar do velho congo.

Percorremos, tão rapidamente quanto possível, uma bela região da província, abundante em plantações de café e açúcar. Conversei muito com o velho negro, que ainda se lembrava de quando, havia mais de meio século, fora roubado da costa d'África, mas não se lembrou de ter jamais ouvido a história da Criação e da Redenção; por isso, esforcei-me em dar-lhe umas noções sobre o maior de todos os assuntos que interessam o homem. Achou muito interessante, qualificando-o de: muito bonito.

Com todos os empurrões, desvios e sacudidelas que demos nos animais, apenas perfizemos vinte e quatro milhas — o que representa bom dia de trabalho para os brasileiros, mas que a mim não me satisfizeram. À luz de um claro luar, chegamos a uma casa onde não pudemos encontrar comida nem para os homens nem para os animais. Dirigimo-nos para uma mera coberta do outro lado da estrada, e à nossa pergunta: "Tem lugar"? recebemos a resposta, "Não podemos receber vocês; não temos quarto." Isto nos foi dito por uma mulata de aspecto desleixado.

Tudo era contra nós; mas não podíamos continuar a caminhada. O velho congo, porém, falou com tal eloquência que o quarto desejado foi obtido. Mas que quarto! Nenhum outro na Velha Irlanda, ou abrigo de madeira no Far West, excedê-lo-ia na exiguidade do tamanho, não falando já da imundície. O chão era de terra e as paredes de argila seca, cobertas de décadas de gordura. Tinha seis pés por oito, e nela estávamos alojados eu, as selas, os sacos e o congo. Não era, pois, de admirar que dissessem não haver quartos.

Tivemos para ceia feijão, pirão de milho mal cozido e ovos, cujo estado de conservação não era ocasião para se averiguar. Nós (isto é, eu, primeiro, e, depois o congo), ficamos de pé (pois não havia cadeiras na casa) em frente a uma mesa um tanto semelhante a um comedouro para animais. Suporto tudo. Minha cama foi uma esteira estendida sobre uma tábua, servida por um travesseiro e um lençol. Cobertor não existia nessa casa. O africano tinha mais senso do que eu, pois trouxe um poncho grande e pesado.

À luz de uma candeia enterrada no barro da parede, li para o pobre velho congo o primeiro parágrafo da Palavra Sagrada que ele, sem dúvida, nunca ouvira em língua que pudesse compreender; assim, orando em português, deitei-me na tábua, e ele no chão, que penso, ter sido uma cama mais macia do que a minha.

Em carta a um amigo, assim descrevi a situação. "Em lugar do cobertor, juntei a minha manta de montar e o meu Mackintosh, sentindo mais frio do que na noite anterior, e o sono não me vencia. Coloquei então por cima o meu capote; mas isto não impediu o frio nem as pulgas, que então calmamente estavam andando por cima de mim. Sacudi as pernas para todos os lados, mas não aguentei por muito tempo, e então (e a custo que ouso escrevê-lo) despertei o velho congo do seu bom sono, e fiz com que ele viesse para a minha tábua, para aquecer-me. Não era exatamente o caso do velho monarca de Israel; pois era cruel transferir o velho negro do confortável seio da mãe terra para as duras realidades de uma prancha e um homem enregelado de frio. Mas pouco me adiantou o recurso, pois não pude pegar no sono e o pensamento em certos bichos; mantinha-me ainda mais acordado se tal fosse possível".

Antes do cantar do galo, ordenei que as mulas fossem encilhadas, e à luz do dia, estávamos outra vez em viagem. Cavalguei, muito na frente do meu guia e, passando uma milha além da vila de Jundiaí, cheguei ao hotel do senhor José Pinto. Encontrei um bom número de hóspedes almoçando ao meio-dia, refeição essa que foi perfeitamente à la brésilienne.

Pensavam que eu desejava outra comida, mas tranquilizei-os sentando, dizendo-lhes que eu não era um estrangeiro, e manifestando minha sem-cerimônia para comer de seus pratos tão à vontade como se estivesse acostumado com eles toda a minha vida. Isto abriu seus corações, oferecendo-se-me assim, então e depois, a oportunidade de falar-lhes dos mais altos interesses que dizem respeito ao homem aqui na terra.

Em duas horas ou mais minhas mulas de cargas chegaram. Percebi, que naquela velocidade em que íamos, seria impossível para mim concluir todos os meus negócios em Limeira e Ibicaba e voltar ao Rio de Janeiro para continuar minha viagem para o Norte. Felizmente, encontrei em casa do José Pinto os dois paulistas, cuja alegria fora tão excitada pela mudança de lugar das esporas do velho africano. Dirigiam-se para o interior, e tinham um animal extra, que aluguei, e apressei-me a partir, acompanhado por eles, deixando o velho congo atrás, podendo chegar dois dias depois de mim.

Tinha agora uma boa oportunidade para conhecer melhor os moradores, ou habitantes da beira da estrada, de cuja classe meus companheiros eram representantes. Cantaram para mim melodiosos fandangos, cantos etiópicos em mau português, e divertiram-me de várias maneiras. De volta, dei-lhes alguma informação acerca do resto do mundo, além do Brasil, não esquecendo, no fim, de referir-me à "Bem-aventurada Terra."


Um dandy botocudo

Imagem: reprodução da página 114 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Campinas

Nosso local de descanso seria a importante cidade de Campinas, (ou São Carlos), a mais de cem milhas no interior. Quando nos aproximávamos dessa cidade, fui surpreendido pela beleza e fertilidade da região circundante.

As grandes e antigas montanhas haviam sido deixadas muito para trás de nós, e em redor, até onde pude ver, estendiam-se extensas planícies, ou antes, prados ondulosos, com quase todos os acres ocupados.

Havia muitas plantações de café superiormente cultivadas, entre cujo verde-escuro podia-se avistar, aqui e ali, as grandes residências caiadas de branco dos proprietários das terras.

Foi na tarde de 28 de junho que chegamos aos arredores de Campinas. A radiosa beleza da noite tropical tornava-se ainda maior pela iluminação da cidade, pelas imensas fogueiras espalhadas pela planície, e brilhantes fogos de artifício lançados de todas as ruas e de todas as plantações circundantes. Os clarões e o barulho eram tais, que sem qualquer esforço de imaginação, ter-se-á acreditado estar perto de alguma cidade sitiada, durante um violento bombardeio.

Era a "véspera de São Pedro"; e todo homem que tinha um Pedro ligado a seu nome sentia-se na obrigação de acender uma imensa fogueira diante de sua porta, e soltar uma porção de foguetes, além de descarregar inúmeras pistolas, mosquetes e morteiros.

Sob semelhante tormenta, entramos em Campinas. Meus dois paulistas conduziram-me pelas estreitas ruas, até chegarmos finalmente a uma fileira de pequenas casas caiadas de branco. Estas eram as residências dos amigos dos meus paulistas; mas eu não podia pensar em pousar aí e desejava que alguém me levasse a um hotel.

Todos se mostravam muito bondosos, mas os nossos animais estavam tão cansados que nenhum pôde ser utilizado para tal fim. O hotel, se assim se pode chamar, era muito distante e os amigos me sugeriram que era melhor pousar em sua companhia, embora mal acomodado.

Achei que não poderia ser pior do que na noite passada. Entrei: era a residência do sr. Theobaldo, carpinteiro. O sr. Theobaldo, todavia, não empregava os seus conhecimentos em sua própria casa, pois os assoalhos e paredes eram feitos da mesma substância que a estrada. Durante a noite só vira o alpendre de fora. Agora ia ter oportunidade de ver o interior da casa.

O sr. Theobaldo era meio índio, meio mulato, e penso que, se pudesse ter ainda um meio extra, seria de português amarelo. Ele e seus filhos formaram uma aliança tão estreita com a substância de que eram feitos seus assoalhos, que se podia dizer literalmente que todos (a julgando pelo seu aspecto) eram da "poeira da terra."

A cozinha, que servia de sala de visitas e sala de jantar, não tinha chaminé, nem cadeiras, nem qualquer dos objetos que fazem parte da vida civilizada. Umas vasilhas de barro eram os utensílios culinários, e um fogo num dos cantos da sala, no estilo dos Patagônios (pois eu vira coisa semelhante entre os habitantes da Terra do Fogo,) servia para cozinhar, a fumaça escapando como pudesse.

Quando vi o sr. Theobaldo, a sra. Theobaldo e todos os pequenos Theobaldos acocorados em redor do fogo, e a branda luz das cinzas quentes não atenuando os seus rostos pálidos que, a não ser os olhos brilhantes, não apresentavam um simples traço de beleza ou graça, pensei que Borrow, nas suas mais estranhas aventuras entre os boêmios da Espanha, não teria testemunhado um grupo mais primitivo, mais sujo e mais pitoresco.

Mas logo verifiquei que, embora tivessem as casas sujas, tinham corações grandes, e achei que a minha missão era também destinada a eles, tanto como para os mais civilizados; portanto, considerei-me em casa, deixando-os à vontade.

Falamos sobre os Estados Unidos e, finalmente, tirei um Novo Testamento em português e, reunindo os brancos da mais variada mistura, desde o branco, passando ao vermelho, até o negro, comecei a ler o Livro Sagrado. O auditório ficou muito interessado, pois era provavelmente pela primeira vez que ouvia a mensagem da salvação. Nunca esquecerei esta noite, e a bondade do povo mais humilde que jamais encontrei — humilde, pelo menos, em relação aos bens deste mundo; e o meu mais ardente desejo e as minhas preces são para que a verdade possa alcançar e iluminar essas almas.

O quarto que me destinaram era ainda menor do que o que eu ocupara na noite anterior, e o seu espaço tinha que ser dividido entre pranchas cepilhos, escopros, serras, arreios, selas, um paulista e a minha própria pessoa. Na hora em que me retirei para a cama, uma imensa gamela de madeira, do tamanho de uma tina de banho, me foi trazida cheia d'água. Não foi preciso que eu a pedisse; mas quem teria pensado nela, entre gente que parecia nunca ter feito qualquer espécie de ablução?

O descanso da noite foi na verdade delicioso; na manhã seguinte parti muito cedo, deixando a minha benção e mil réis com o bom Theobaldo. Aceitou a benção, mas declinou do dinheiro, até que o forçasse a receber como lembrança.

O nosso percurso foi ainda mais pitoresco do que o do dia anterior. A bela estrada estava sombreada por árvores e arbustos silvestres; e os pássaros chilreando e os paulistas cantando fizeram as dez léguas parecerem curtas. O nosso grupo foi aumentado por dois jovens alemães que se dirigiam para Ibicaba.

Todas as casas à beira da estrada, e mesmo as imensas igrejas, são construídas, (ou antes, socadas) de terra ou argila. Os grandes edifícios conventuais de São Paulo e as imensas igrejas de Campinas (cujas paredes têm cinco pés de diâmetro), são feitos de barro comprimido.

Todo o aspecto da região mudara; o sublime cenário da costa não mais se contemplava aqui, mas, em seu lugar, aspecto que me recordava os Estados Unidos. O caráter recente das construções e plantações, me faria acreditar facilmente que estava na parte Norte do Ohio. Constantemente vadeávamos pequenos cursos d'água, que eram os primeiros formadores do rio da Prata.

Caminhamos até à noite, iluminados pela lua cheia num céu sem nuvens, que nos levou à cidade de Limeira. Fora antes informado que encontraria aqui um médico americano, dr...., original da Pensilvânia. Fui bater à sua casa, onde tive agradável recepção. Desejava viajar à luz do luar até à plantação do senador Vergueiro; mas o doutor não aceitou desculpas e para persuadir-me mais, disse que um outro americano chegara naquele mesmo dia, e que nós todos juntos comporíamos um trio como nunca antes se vira na distante vila de Limeira.

Limeira

Limeira está situada em uma região fertilíssima, banhada por cursos que enviam seus tributários ao poderoso Paraná. Se o dr.... se surpreendeu com a minha inesperada chegada, eu não menos admirado fiquei por saber que outro americano chegara no mesmo dia, tendo percorrido a província, na prática de sua profissão de dentista. Em que nação que se diz civilizada não se encontrará um dentista americano?

Ser-me-á permitido demonstrar um pequeno orgulho patriótico ao falar dessa profissão cujos representantes, mais do que de qualquer outra no meu pais, podem ser encontrados em quase todas as partes do mundo. Sua superioridade tem sido muitas vezes reconhecida por ingleses e franceses da mesma profissão.

O segredo de sua perfeição e o sucesso são devidos a várias causas, entre as quais a menor não são as boas escolas de dentistas que existem nos Estados Unidos, sendo as primeiras instituições no gênero e até há pouco tempo as únicas no mundo.

Encontrei com dentistas americanos no Rio de Janeiro, Valparaíso e em Nova Granada. Em Paris os dentistas à la mode são os americanos [A48]. Um colega meu de escola com quem, em anos passados, digeri muitas páginas difíceis de latim, é atualmente o mais afamado dentista de Berlim.

Em todo este hemisfério, nas cidades do interior, encontram-se dentistas yankees e, se o professor ou doutor, não tem a vantagem de ser um cidadão de uma grande república, publica em caracteres visíveis nos seus anúncios, que estudou sua profissão nos Estados Unidos, ou que obtura os molares à la mode americaine.

Mas, voltando ao dr..... Ele deu-me uma recepção à moda da Pensilvânia e, já tarde da noite, levou-me até o quarto. Este quarto era adjacente a um outro de medicamentos, onde estavam não só muitas essências engarrafadas cujo aroma no Brasil é frequentemente sentido, como também estava adornado com muitos espécimes dos ricos reinos vegetal e animal do Brasil.

Não havendo porta que fechasse a abertura entre os dois quartos, fui frequentemente perturbado durante a noite por um estranho ruído, que não podia provir das drogas guardadas ou dos espécimes secos e empalhados que estavam pendurados em redor em profusão.

Quando amanheceu, verifiquei que o singular ruído provinha dos movimentos constrangidos de uma belíssima jiboia constrictor, que dormira (ou antes, tentara dormir) cerca de oito pés distante da minha cama. Esse meu companheiro de quarto fora um presente recebido pelo doutor, e era um dos principais componentes do seu gabinete médico.

A vida do doutor pertencia a essa espécie romântica, que de vez em quando encontramos, reunida a um devotado estudo e penosa realidade. Um grande amante da natureza, desde cedo voltou sua atenção para a Botânica e a Geologia.

Percorreu todos os Estados Unidos, e veio finalmente com alguns outros para o Brasil, há muitos anos passados, para explorar a flora e a mineralogia deste Império. Sendo um entusiástico naturalista, revelou-se completamente no glorioso campo de seus estudos prediletos; mas a doença de um membro da expedição fê-lo regressar ao Rio de Janeiro, onde foi induzido, pelo ministro americano, a ocupar o lugar vago de mineralogista, a bordo de uma fragata americana, que ia examinar as minas de carvão de Bornéu.

Não esquecerei tão cedo a interessante nota que me deu dessa expedição, durante a qual visitou Madagascar, as costas de Zanzibar, China, Tonquim, Manilla, etc. etc. Suas notas ilustram as publicações do Smithsonian Institute. Depois que completou seu tempo de serviço na fragata, voltou ao Brasil, penetrou na floresta, e resumiu, em suas próprias notas, tais explorações; mas, para obter os meios necessários, exerceu primeiro a sua profissão de médico.

De outras bocas soube a consequência das aventuras do doutor, em terreno muito diferente do da botânica. Abrira seu escritório na praça de uma importante cidade do interior de São Paulo. No lado oposto da praça morava uma jovem viúva brasileira, dotada de saúde e de beleza.

Não tardou que o doutor se aproximasse dela por meio de empenhos [A49] tendo verificado que a brasileira acharia nele um consolo para todas as suas aflições. O doutor respondeu-lhe que já estava casado com as florestas virgens e, não projetando outro casamento, fugiu para suas belas matas. De volta, porém, um empenho mais poderoso influiu sobre a sua decisão. O doutor cedeu, foi levado à igreja, e a bela paulista desposou-o.

Sua união foi abençoada por uma robusta criança, a que o patriótico médico chamou de George Washington, na doce esperança de que fosse a primeira criança nascida no Brasil carregando o ilustre nome. "Mas", disse ele, "imagine meu desgosto quando, outro dia, soube que certo sertanejo amarelo se me antecipara, e batizou o seu filhote cor de terra também de George Washington!"

Atendendo a um pedido de pessoas influentes, fixou residência em Limeira; mas seus planos de pesquisas botânicas foram-se perdendo com o tempo, mas não de todo abandonados; é sua intenção mesmo, num futuro próximo, explorar a densa selva do interior, onde a natureza é tão exuberante no gigantesco, no maravilhoso e no belo.


Fazenda do senador Vergueiro, em Ibicaba

Imagem: reprodução da página 119 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

Ibicaba

Na manhã seguinte depois de minha chegada a Limeira, acompanhado pelo dr...., fui para a Fazenda de Ibicaba, a plantação dos Vergueiros. Estava um dia claro e agradável, e cavalgamos por sobre um arcada de árvores da floresta, muito delas cobertas com os mais curiosos epífitos e orquidáceas.

De vez em quando o doutor mostrava-me algum representante mais notável desse departamento do reino da flora, descrevendo suas peculiaridades e qualidades, como somente o pode fazer aquele cujo coração está voltado para as belezas da natureza.

Paramos numa espécie de clareira, e meu companheiro indicou uma das palmeiras comuns desta região. Na árvore em si, nada havia que a tornasse digna de atenção maior entre as suas semelhantes para os que estão acostumados com sua graciosa forma: mas havia nela um interesse acidental, que atraiu a admiração entusiástica do doutor. Não era de apenas um botânico e um mineralogista amestrado, era também um ornitologista amador, e gostava de observar o desenvolvimento dos singulares e magníficos pássaros do Brasil.

Da coroa copada da palmeira, pendiam vinte ninhos dos grandes oriólos chamados guache [T*]; e os habitantes com penas desta cidade balouçante estavam rodando em volta do mesmo e chilrando como "crianças levadas soltas da escola." O doutor informou-me que embora muitas léguas separassem Limeira do litoral, ele faria em que a árvore fosse cuidadosamente cortada, serrada em seções, e o tronco, o topo e o ninho transportados para Santos, e de lá embarcados para Filadélfia.

Seu destino, chegada à Cidade do Amor Fraterno, seria a Academia de Ciências Naturais. Os ninhos também seriam mandados, com vários espécimes do guache. Todo este projeto, todavia, seria executado com uma condição sine qua non: os diretores da dita Academia de Ciências Naturais deviam mandar replantar novamente a palmeira, com seus longos tufos de folhas, no centro ou outra parte visível do edifício; pois, a não ser sob essa garantia, o doutor acrescentou, "palmeiras, pássaros, tudo, seria desde logo destinado ao esquecimento".

Era uma grande ideia — e ponho minhas dúvidas, se já foi antes pensada por um naturalista — transportar uma grande árvore coberta de ninhos em ombros humanos por mais de duzentas milhas, para que pudesse ser enviada milhares de léguas pelo oceano como um espécime das maravilhas da vegetação, bem como da arquitetura dos pássaros do hemisfério meridional.

Terminamos a nossa caminhada, e em alguns minutos alcançamos o velho congo que, fiel à sua palavra, conduzira-se e desembaraçara-se bem, vencendo maior distância em quarenta e oito horas, do que antes em cinco dias. Saímos da estrada limitada pela floresta, e vimos à distância a plantação do senador Vergueiro.

Embora tivesse ouvido falar mais deste estabelecimento do que de qualquer similar, no Brasil, não ficou aquém da minha expectativa. Passamos por um grande portão, e fomos bem recebidos pelos alaridos de um bando de papagaios alegremente coloridos, que baixavam por vezes, e por vezes esvoaçavam em redor dos cimos de um grupo de altas árvores. Dois pares deles descansaram sobre diferentes ramos, e pareciam estar em amigável diálogo, a respeito dos recém-chegados.

Entre Campinas e Limeira, e também em Ibicaba, contemplei as mais sublimes árvores que encontrei em qualquer outra parte do país. Três nobres reis da floresta foram poupados a não grande distância da residência do senhor Vergueiro, e formam um detalhe distinto da paisagem. À distância podia-se ver a casa de campo e a capela, e de um e outro lado delas várias construções externas que serviam como lojas, depósitos para café e telheiros para os maquinismos. À nossa esquerda viam-se as pequenas e elegantes cabanas pertencendo aos colonos.

A peculiaridade de Ibicaba consiste no fato de ser o trabalho livre empregado na execução de suas vastas operações; esses homens que o senador Vergueiro e seus filhos trouxeram para substituir os africanos são homens das classes trabalhadoras da Alemanha e da Suíça.

Com vistas progressistas e verdadeira economia, veremos em seguida que eles adotaram um plano que não apenas se tem mostrado fecundo em grandes e proveitosos resultados para si, como também ajudaram a elevar e beneficiar grandemente a condição dos que estavam em precárias condições em seu país de origem. Os Vergueiros resolveram a questão, tantas vezes formulada: "Qual o verdadeiro modo de realizar a colonização no Brasil?"

Ao aproximarmo-nos do seu solar, vimos por todo lado provas de progresso. Pela primeira vez fora do Rio de Janeiro, vi carros cujas rodas não eram da antiga e primitiva espécie romana, porém movendo-se sobre eixos como um carro de rodas civilizado. Note-se também que estes carros, todos os utensílios agrícolas e maquinismos, são fabricados na fazenda.

Quando examinei sucessivamente os trabalhos dos carpinteiros, marceneiros, ferreiros e carroceiros, dos cantões de Vaud e Valais, e das vilas do interior da Prússia, verifiquei que eles não só não perderam suas habilidades, mas conseguiram aperfeiçoá-las sob a direção de seus esclarecidos patrões.

Os Vergueiros

O sr. Luiz Vergueiro recebeu-nos atenciosamente. O doutor era, naturalmente, um velho conhecimento; mas o sr. Vergueiro fez logo com que eu me sentisse em casa, tendo eu sabido depois que tomou um profundo interesse na minha visita ao Brasil, pelas notas que lera no Correio Mercantil sobre a minha exposição, no Rio de Janeiro, de várias amostras de artes e manufaturas americanas, para o imperador e para as diferentes sociedades científicas da metrópole.

Foram-me permitidas todas as facilidades para um completo exame dos livros da plantação e condição da colônia, o que habilitou-me a fazer uma justa e clara comparação entre esse sistema de colonização e as de Petrópolis e Dona Francisca, e também para ver mais claramente os resultados dos trabalhos livre e escravo.

O dia inteiro foi assim ocupado; mas, antes de detalhar qualquer notícia desse exame, será melhor dar uma notícia mais completa da família Vergueiro, cujo venerável chefe tem sido mencionado, várias vezes, em páginas anteriores deste trabalho.

Nicoláo de Pereira de Campos Vergueiro é nativo de Portugal, e de descendência nobre. Chegou ao Brasil antes do rei, d. João VI. Advogado de profissão, é um homem de espírito cultivado e disciplinado. Estabeleceu-se cedo na província de São Paulo, e tomou parte saliente nos negócios políticos do país. Desde o começo das agitações para estender os direitos de sua terra adotada, permaneceu na primeira fileira dos patriotas, ombro a ombro com os Andradas, Feijó e outros eminentes, na luta pela independência brasileira.

Suas virtudes privadas, suas vistas moderadas e esclarecidas, e sua grande firmeza, fizeram-no objeto de confiança por parte do povo. Foi deputado às Cortes de Portugal, tendo por colegas José Bonifácio de Andrada e Feijó. Todavia, não fugiu para a Inglaterra com estes, quando foram ameaçados pelas cortes, mas pediu intrépida e firmemente seu passaporte, logrando obtê-lo. Voltou ao Rio de Janeiro, e desde então tem sido o chefe do partido dos políticos liberais e é presentemente chamado um "Santa Luzia".

Desde a independência do Brasil até hoje, tem sido deputado ou senador. Na agitada noite em que o povo no Campo Santana reclamou a reintegração do ministério demitido no dia anterior, d. Pedro I, antes de valer-se do último expediente deixado a ele pela Constituição, mandou chamar Vergueiro, sabendo que ele era o que possuía a confiança do povo, para pedir-lhe que formasse um ministério de acordo com os seus desejos. Vergueiro não foi encontrado, e a revolução ou teria sido apaziguada ou adiada para uma época mais remota.

Foi por várias vezes ministro do Império, recebeu eminente investiduras do povo, mas recusou firmemente todos os títulos de nobreza, e toda honra do Executivo Imperial, exceto a Grã Cruz da Ordem de Santa Cruz.

Antes de me despedir para o Sul do Brasil, visitei o senador Vergueiro no Rio de Janeiro. Achava-se por esse tempo na capital, durante a sessão da Assembleia Geral, e residia no lindo subúrbio de Botafogo. Foi de tarde que entrei em sua residência, sendo recebido por suas filhas, que achei inteligentes e possuidoras de uma cultura que tantas vezes falta a uma senhora brasileira: sabiam conversar.

Poucos momentos depois entrou o venerável senador. Seus cabelos já eram brancos, e seu corpo curvado ao peso de oitenta anos; mas no olhar ainda havia alguma coisa que dizia que a alma não estava nem descansando nem decrépita.
Seu semblante risonho também proclamava que nem o peso da idade, nem o seu passado e o seu presente de serviços públicos e privados, afetaram no mínimo grau a alegria de sua natureza.

Quer conversando acerca dos exemplares do livro sagrado, quer de minha visita a Ibicaba — quer fazendo uma jovial observação à sua família, ou prestando-me uma informação — era das mais agradáveis personificações de um ancião, sadio e feliz com suas forças mentais não diminuídas, e com a esperançosa confiança da mocidade.

O velho estadista conserva-se quase só na Câmara do Senado Brasileiro; pois os patrióticos e sempre impetuosos Andradas já se foram; o eloquente, irresistível, senão perigoso Vasconcelos jaz desde há muito no túmulo; o velho marquês de Valença morreu recentemente; uma nova geração de brasileiros tomou os seus lugares: no entretanto, Nicoláo Pereira de Campos Vergueiro ainda representa uma constituição admirável, não mais como nos períodos mais violentos, batalhando pelo Direito, mas como advogado de todas as medidas visando o progresso do seu amado país.

Poucos homens no Brasil, tem sido favorecidos com tais filhos; poucos, podemos acrescentar, envidaram tantos esforços para ter seus filhos dignamente educados. Em cooperação com o pai, dão, com a sua colônia, um modelo para seus compatriotas. Seus quatro filhos foram educados no Brasil, na Alemanha e na Inglaterra. O mais velho, sr. Luiz, estudou direito na Universidade de Göttingen. O sr. José (chefe da casa de Santos) foi educado na escola militar da Prússia, e foi promovido ao posto de primeiro tenente da trigésima sétima divisão de infantaria prussiana, durante as lutas entre a Bélgica e a Holanda.

O terceiro filho (que tinha a seu cargo a firma de Vergueiro & Filhos) do Rio foi educado como comerciante em Londres e Hamburgo, e o mais jovem teve uma educação perfeita de homem de negócios nessas mesmas cidades. Por sua educação europeia, estão eles habilitados a dirigir com maior facilidade o programa de seu pai relativo à imigração.

Em 1841, o sr. Vergueiro, contra a opinião geral, mandou vir da Alemanha quarenta famílias de colonos; mas o Governo Central estava em tal oposição ao velho senador durante as lutas de 1842, na província de São Paulo, que a colônia foi dissolvida. Em 1846, começou outra vez a realizar o projeto e, dessa vez, foi totalmente bem-sucedido. O próprio governo, pelos seus órgãos oficiais, tem louvado o sistema de Vergueiro como um sistema digno de imitação.

Pode ele ser demonstrado em poucas palavras. O sr. Vergueiro tem na Europa um agente, que se comunica com autoridades comunais e cantonais, ou diretamente com os interessados, oferecendo vantagem aos homens pobres e capazes que desejem emigrar com as famílias para o Novo Mundo. O emigrante, por sua opção, pode pagar suas próprias despesas para chegar ao Brasil, ou aceitar que o sr. Vergueiro o transporte, concordando, nesse caso, em reembolsar em tempo oportuno o preço de sua passagem, mais um pequeno juro. O agente em Hamburgo freta um navio, e assim um grande número de colonos estão habilitados a procurar um novo lar com uma despesa verdadeiramente módica.

O sr. Vergueiro garante, por sua parte, pagar todas as despesas dos colonos, desde o litoral até às suas plantações e, na chegada ao destino final, fornecer a cada chefe de família uma casa; tantos mil pés de café, proporcionalmente ao número de membros de cada família, e suprir com todas as provisões, roupas etc., a preços por atacado. O colono, por sua parte, concorda em cuidar fielmente da porção de pés de café que lhe foi concedida, partilhar os proveitos e gastos da colheita, não deixar de prestar contas anualmente e pagar seus débitos (se existirem) pela passagem adiantada.

Este contrato é muito simples, e é uma segura garantia para ambas as partes contratantes.

Durante o ano de 1854, o resultado da cultura de café, na plantação de Ibicaba, foi de um milhão e seiscentas mil libras (peso), do qual metade dos gastos e proveitos pertence aos trabalhadores.

Visitei as casas dos colonos, cerca de uma milha distante da casa da fazenda. Ao passar pelas mesmas, era constantemente saudado por alegres trabalhadores suíços e alemães, alguns dos quais rodeados de crianças, turbulentas, alegres e bonitas que brincavam em volta com tanta vida e alegria como se estivessem ao sopé do Hartz ou nos vales de Oberland.

Antes de alcançar o lugarejo (do qual dou aqui um esboço desenhado por um jovem alemão de Ibicaba), atravessei um pequeno curso d'água sobre uma ponte de construção recente e barata, que por sua simplicidade recomendo a todo colono na Austrália ou na América Ocidental, onde os proprietários são muitos e os trabalhadores poucos.

Pode ser qualificada como uma ponte feita por si própria. Certa quantidade de toros de madeira são unidos longitudinalmente dentro d'água, deixando-se, certamente, espaços entre os mesmos. Sobre eles, colocam-se grandes ramos, e depois galhos mais delgados; e na superfície é colocada certa quantidade de argila e terra solta. Uma parte do curso d'água, acima da ponte, é desviada por uma vala que passa pelas terras ribeirinhas e leva as águas sobre os cepos e o montão de gravetos.

Em poucos dias este pequeno desvio lateral tem aterrado uma imensa quantidade de solo vermelho por cima da ponte, tornando a superestrutura tão firme como a da estrada, enquanto embaixo, através dos ramos e cepos, o "rio corre alegremente". Tendo a água terminado seu trabalho, a vala é fechada, obtendo-se assim uma sólida passagem [A50].


Colônia Vergueiro

Imagem: reprodução da página 121 do 2º volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional

No lugarejo, encontrei um inteligente administrador, que guardava os livros dos colonos, e fazia-lhes as encomendas de cada libra de toucinho, jarda de pano, etc. Sem sua assinatura, não podiam obter estes artigos dos armazéns da casa do proprietário.

A maior parte dos colonos eram católicos romanos; mas não deixei de aproveitar toda a oportunidade que me foi permitida para que obtivessem Escrituras, em português e alemão.

Alguns dos colonos prosperaram notavelmente, tendo num período de cinco anos, lucrado cinco e sete contos de réis ($2500 e $3500). A sua moralidade era certamente superior à que tinham nos países de onde vieram. De 1847 a 1855 (período da minha visita) entre várias centenas de trabalhadores das classes mais humildes de alemães e suíços, nenhum filho ilegítimo nasceu. Os Vergueiros encorajam a instituição do casamento, não apenas como essencial à pureza, mas também pelo interesse do proprietário e do colono. Há presentemente cerca de mil trabalhadores europeus, incluindo crianças.

Ibicaba é uma pequena plantação, contendo apenas cinco ou seis milhas quadradas; mas, nas suas proximidades, os Vergueiros possuem uma fazenda, não tão bem cultivada, porém três vezes maior. Em Angelica possuem uma outra plantação, bem adaptada à cultura de café, que mede doze léguas de circunferência. Até agora os pretos foram empregados nessa grande fazenda; mas é intenção do proprietário, introduzir logo que possível, trabalhadores brancos e livres.

Perguntei ao sr. Luiz Vergueiro se era mera filantropia que inspirava seus esforços para introduzir o trabalho livre; respondeu, muito pronta e decididamente: "Achamos o trabalho, do homem que tem sua própria vontade e interesses na empresa, muitíssimo mais aproveitável do que o trabalho do escravo".

Eu não podia deixar de contrastar a feliz e agradável condição destes colonos com os desanimados residentes da colônia Dona Francisca. Embora os alemães de Petrópolis tenham todas as vantagens de uma proximidade do mercado, e uma florescente cidade com muitas necessidades a serem supridas, ainda assim a condição dos colonos em Ibicaba é infinitamente superior, se considerarmos a prosperidade individual de cada colono.

A colonização em Leopoldina, no Rio Grande do Sul, tem sido a única colônia Imperial verdadeiramente bem-sucedida, estando a de Petrópolis sob a direção do governo provincial. Pelo relatório do ministro do Império de 1854-55, verifico que, além das dezessete colônias fundadas pelo governo Imperial ou pelas autoridades provinciais, apenas quatro podem ser consideradas prósperas; e apenas duas "muito prósperas". As restantes são classificadas como "não próspera", "confundida com a população", "em decadência", ou "falta informação sobre o seu estado".

De vinte e quatro tentativas privadas de colonização, vinte e uma são consideradas prósperas, quase todas tendo sido fundados depois de 1852, e mais ou menos pelo sistema Vergueiro. Estas colônias estão situadas em cinco províncias, e a excelência do "plano Vergueiro" consiste no seguinte: sua aplicabilidade em todo o Império, em grande ou pequena escala.

Nove dos vinte e um senhores têm menos de cento e vinte colonos, habilitando assim os pequenos proprietários a ter, até certo ponto, as vantagens dos proprietários de fazendas maiores. A escravidão (desde as vigorosas medidas de 1850, que foram adotadas contra o comércio de escravos) vem sendo condenada no Brasil. Oimperador e o seu governo são contra este desumano tráfico, e a opinião pública os apoia.

A relativa facilidade com que o escravo pode obter sua liberdade e, na posse dessa propriedade, os direitos de cidadania, provavelmente dentro de vinte anos, porão um fim à escravidão no Império Sul Americano. Deve haver então um abastecimento de trabalhadores em outra fonte diferente da África. A mãe pátria, as ilhas portuguesas, as populações alemãs e suíças fornecerão esse abastecimento.

A imigração individual, como existe da Europa para os Estados Unidos, nunca pode ser bem-sucedida no Brasil em grande escala, devido à estrutura peculiar do Governo; mas o sistema inaugurado pelo sr. Vergueiro e filhos é capaz de indefinida extensão, pois protege os interesses de ambos, empregador e empregado. Embora possam haver exemplos individuais de opressão de um poderoso e injusto proprietário, ainda assim, em conjunto, este plano trará por fim uma grande felicidade para o Brasil e para as classes mais pobres da Europa.

Já os suábios, friburguenses, vandenses, valesrenos, portugueses, e ilhéus podem se considerar homens dignos em suas novas casas: perderam há muito aquela aparência — por demais comum em suas terras de origem — de oprimidos e servis camponeses, que não pensam além das imediatas necessidades do dia. Quando olhamos suas faces alegres, podemos prontamente acreditar no que o sr. José Vergueiro disse-me em Santos: — "Eles respiram aqui o ar da liberdade, senhor, tal como nunca respiraram em sua terra natal".

Sob um tal sistema, não têm os imperiosos cuidados do pioneiro; não são vítimas de companhias especuladoras e, ao mesmo tempo, embora gozando de comparativa liberdade, seus próprios interesses evitam-lhes a indolência. No prazo de um ano, depois que aprenderam, sob a tutela e a proteção de um enérgico brasileiro, a cultura de produtos tropicais, podem deixar a colônia e "estabelecerem-se" por si próprios, se o preferem.

Podem naturalizar-se facilmente; seus filhos crescem como cidadãos ligados ao solo; e, se tudo correr bem, o Brasil, em meio século, terá uma falange de pequenos proprietários incutindo um novo sangue vital no seu organismo. Sob seu clemente governo, nascerá um povo mais intrépido, que será o conquistador das florestas virgens e o pioneiro das vastas, férteis, saudáveis, mas quase inexploradas regiões do Paraná, Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais, onde as cabeceiras do Amazonas, e do Prata se misturam ou apenas se separam por uma estreita serra divisória.

Para a pronta e segura execução desse desejado e nobre propósito, o Brasil modificará ainda mais as suas leis, para que possa haver toda facilidade relativa à introdução de colonos. Já o Império desfez algumas das mais censuráveis dificuldades; mas muito ainda está para ser feito.

Todo o obstáculo seria removido, se o Governo, por um ato geral, proclamasse a sua política em relação aos primeiros passos dos colonos recém-chegados, tão liberalmente quanto generosamente o tem feito em relação à aquisição de propriedades por estrangeiros.

Tais medidas promoveriam a imigração e, com o tempo, uma nova população cresceria neste belo país, digno de seus vastos recursos. Que um puro Evangelho possa estar nos corações de um tal povo, e o Brasil, no futuro, será uma terra a todos os respeitos não sobrepujada em toda a face da terra.

O sr. Vergueiro e seus filhos estão realizando constantes melhoramentos no sentido da agricultura e estão estudando a melhor maneira de aplicar o trabalho e a capacidade do homem do norte à agricultura tropical.

Mencionei em páginas anteriores as oficinas de mecânicos, onde os utensílios agrícolas em madeira e ferro são fabricados iguais em qualidade a quaisquer outros feitos na Europa ou na América do Norte. Entre as várias máquinas para facilitar a preparação do café para o mercado, estava uma — invenção do senador Vergueiro — que limpa nada menos de trinta e duas mil libras de café por dia.

Fomos gentilmente convidados para jantar, e é desnecessário que eu particularize os componentes desse ótimo jantar. Basta dizer que havia em profusão a comida da terra e que a "festa da razão", foi dignamente dirigida pelo sr. Luiz V., o dr. e um inteligente padre, que conversava fluentemente em francês e alemão.

O doutor e eu deixamos Ibicaba muito tarde e, depois de um agradável passeio a cavalo, ao luar, chegamos a Limeira
[A51].


Notas do Autor

[A48] Dentistas Americanos. Mr. Walsh, o correspondente em Paris do Jornal do Comércio, em uma carta recente, diz:

"
Há alguns dias passados, tive ocasião de solicitar ao principal livreiro de Paris, na secção de Medicina, algum recente trabalho sobre Dentistry. Ele escreveu-me a seguinte resposta: 'Sinto que não esteja em meu poder satisfazer os seus desejos: não há nada recente nem bom na França sobre a arte e a ciência da odontologia. Nossos cirurgiões são obrigados a pedir emprestado dos americanos sua proficiência e tratados sobre o assunto, reconhecendo que os vossos concidadãos estão muito mais avançados do que eles próprios neste importante ramo da arte médica. É desnecessário mencionar-lhe trabalhos publicados há quinze anos passados! Vossos dentistas merecem elogios por testemunho. O sucesso dos americanos da profissão que se têm estabelecido nesta capital, demonstra a justiça da apreciação'".

[A49] Empenho: esta palavra é usada no Brasil para exprimir a ideia, em política, comércio etc., etc., de ajuda solicitada, promoção e favores, não por aproximações diretas. Assim, A deseja um favor de D; A assegura que B é muito bem relacionado com C, que é um amigo muito influente de D, e a quem deve obrigações. B vai a C, dirigi-se a D, e assim o favor é obtido através de intermediários. O verbo empenhar significa to lay, to pawn, to pledge, to persuade. Dinheiro, Diabo e Empenho são muito frequentemente usados no Brasil.

[A50] Em alguns dos distritos mineiros, há um modo simples e filosófico de rachar as encostas das montanhas argilosas. Cavam-se poços e, durante as pesadas chuvas, estes, por meio de goteiras, ficam cheios d'água. A pressão hidrostática da coluna líquida força as massas de argila nos flancos das montanhas, que exigiriam centenas de homens, durante meses, para executar o mesmo trabalho a enxadão e à pá.

[A51] Nota de 1866 — O Senador Vergueiro morreu em 1860. Em razão de dificuldades financeiras e de outra espécie, dizem que Ibicaba, embora ainda conservada, não está em condição tão florescente como antigamente.

A conclusão de uma longa luta interna nos Estados Unidos obrigou a muitos plantadores do Sul a procurar o Brasil.

O Governo Imperial, como se tem dito, está determinado a recebê-los da forma a mais liberal; e a colonização que, deve ser confessado, não tem cumprido a expectativa de seus amigos, dará lugar a imigração, que tem feito tanto pelos Estados Unidos; se o Governo do Brasil fosse decididamente liberal e cumprisse suas promessas, a saber, vender a terra barata e cortar o burocratismo dos funcionários públicos e inferiores fiscais e subdelegados, nova gente será introduzida, a qual multiplicará o bem estar e a honra do Império.

Nota do tradutor:

[T*] No original: "iguash".