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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - CAMINHOS
Cubatão e os caminhos da Serra do Mar (4)

A difícil subida da montanha, a partir do porto de Piaçagüera
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Texto incluído na obra Antologia Cubatense, selecionada e organizada pela professora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade e publicada em 1975 pela Prefeitura Municipal de Cubatão, nas páginas 50 a 52:
 
A Calçada do Lorena - Caminho do Açúcar

Com o estabelecimento da lavoura da cana-de-açúcar e da fabricação do açúcar no planalto paulista, a partir da época de D. Luís Antonio Botelho de Souza Mourão, o Morgado de Mateus (1765-1775), tornou-se necessário melhorar o Caminho de São Paulo a Santos, que era tão ruim que por ele penosamente transitavam pedestres. O Morgado toma providências para que pelo Caminho do Mar pudessem passar tropas de muares que começam a descer a serra com mil dificuldades.

PETRONE, Maria Thereza S. A Lavoura Canavieira em São Paulo - Espansão e Declínio (1765-1851). São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968, p. 191 de seguintes.

"Isso provavelmente, desde o tempo do Morgado de Mateus, pois seu sucessor, Martim Lopes Lobo de Saldanha (1775-1782), ao que parece, apesar do aterrado que mandou fazer não se preocupou muito em adequá-lo à nova situação econômica que se ia desenvolvendo nos lugares de "serra-acima".

Um movimento mais regular de tropas de animais deve ter ocorrido a partir do governo de Francisco Cunha Menezes (1782-1786). Diogo de Toledo Lara (...) escreveu desse Governador: "promoveu a Agricultura, principiaram a carregar no dito Porto de Santos alguns navios que dali sairão em direitura para Lisboa". Mello Castro e Mendonça, igualmente, se refere ao fato de que, sob esse governo, "principiou a nascer o comércio, nesta capitania, ainda que a Serra do Mar era bastante incômoda".

Em 1785, ordenou Francisco Cunha Menezes, ao comandante de Cubatão, que não embarcasse "os condutores que da vila de Itú conduzirem em seus animais o açúcar de conta do cap. da Curveta". Isso prova que as tropas, carregando açúcar do planalto, não constituíam mais uma raridade. José Raimundo do Chichorro, que governou interinamente de 1786 a 1788, mandou fazer outro aterrado, entre a raiz da serra e o rio Cubatão.

Apesar de todas as tentativas dos governadores, o caminho continuou péssimo. Uma grande produção de açúcar não podia ser escoada nessas condições. Frei Gaspar assim descreve o caminho antes do calçamento, que Bernardo José de Lorena mandou fazer:

"Os perigos, em que me vi n'outro tempo, causaram-me tal horror, que ainda hoje se conservam vivas na minha memória imagens de passo tão medonho. Uma montanha escabrosa, sumamente alcantilada, que se supunha ter ao menos uma légua de alto, fazendo a conta pelo tempo que se gasta em subir com passos vagarosos, a que dava motivo a péssima qualidade da estrada: um caminho, ou para melhor dizer, uma caverna tortuosa, profunda, e tão apertada que nos barrancos colaterais se viam sempre reguinhos abertos pelos cavaleiros, os quais não podiam transitar, sem irem tocando com o estribo naqueles formidáveis paredões; caverna na qual permaneciam em todo o tempo degraus de terra escorregadiça, e alguns tão altos que às bestas era necessário vencê-las de salto, quando subiam, e arrastando-se quando desciam; uma viela lodosa, quase toda cheia de atoleiros, que sucediam uns aos outros com breves interpolações de terreno povoado de pedrinhas facilmente deslocáveis, que mortificavam os viajantes de pé e constituíam aos animais um perigo evidente de escorregarem, e caindo arrojarem os cavaleiros, e cargas, como sucedia muitas vezes; uma passagem rodeada de despenhadeiros, que obrigavam aos caminhantes a irem muito lento, para se não precipitarem; em fim um passo laborosíssimo, uma série contínua de perigos, foi a Serra n'outro tempo".

A CALÇADA DO LORENA

"O caminho que o Morgado de Mateus preferiu subir a pé, em vez de ser carregado na rede, se tinha agora transformado em caminho de tropas e de cavaleiros. Continuava, entretanto, cheio de perigos e problemas. Lorena vai transformá-lo inteiramente. Tais reformas nada mais são que uma conseqüência de sua política de exportação, implantada em 1789 e que visava fazer convergir para Santos toda a exportação da Capitania. Seus esforços para proteger o comércio de Santos e a agricultura de "serra acima" não dariam frutos se não conseguissem facilitar o escoamento dos produtos.

Foi uma obra realmente notável para a época, a que compreendeu [N.E.:...empreendeu...] promovendo o calçamento da descida da serra. A calçada do Lorena, como ficou conhecida, deve ter ficado pronta em fins de 1791 ou começo de 1792, pois a 15 de fevereiro assim escreve o Governador para Portugal: "Está finalmente concluído o Caminho desta Cidade até o Cubatão da Vila de Santos, de sorte que até de noite se segue viagem por ele, a serra é toda calçada, e com largura para poderem passar tropas de bestas encontradas sem pararem; o péssimo como o antigo, e os princípios da Serra bem conhecidos, erão o mais obstáculo contra o comércio, como agora se venceu...

Frei Gaspar, que descreveu o caminho com cores bastante sombrias, antes do calçamento, fala agora sobre os melhoramentos: "Uma ladeira espaçosa, calçada de pedras por onde se sobe com pouca fadiga, e se desce com segurança. Evitou-se as asperezas do caminho com engenhosos rodeios, e com muros fabricados junto aos despenhadeiros se desvanece a contingência de algum precipício. Por meio de canais se preveniu o estrago, que costumavam fazer as enxurradas; e foram abatidas as árvores que impediam o ingresso do sol"... "Numa palavra, desconheci a Serra"..."Sem dúvida, a calçada foi um grande estímulo para a cultura canavieira serra acima".

Mello Castro e Mendonça, embora não esteja inteiramente de acordo com a política de exportação de Lorena, elogia-lhe a obra nesse particular: "o Caminho da Serra, que ainda que em Zig-Zag, e que não pode servir por ora para carros, contudo é muito cômodo para as conduções em bestas, e por este modo se transportão todos os efeitos de serra acima para a borda do rio Cubatão, sendo o principal gênero o açúcar".

A calçada era um caminho de tropas; Lorena ainda mandou formar um pasto no porto de Cubatão para alimentar os animais. Já vimos que durante seu governo a cultura da cana se desenvolveu de maneira extraordinária. Os primeiros grandes carregamentos de açúcar desceram a serra e o comércio do porto, contando agora com um suprimento mais fácil de produtos exportáveis, progrediu muito.

Anteriormente, o açúcar já devia constituir o maior volume de mercadorias que iam a Santos, mas é a partir da calçada do Lorena que o caminho do mar se torna em caminho do açúcar. Se a calçada foi feita para facilitar a exportação, principalmente do açúcar, os melhoramentos imediatamente posteriores prendem-se, exclusivamente, à necessidade de fornecer condições mais favoráveis ao tráfico do produto. Frei Gaspar não exagera, na realidade, quando elogia a obra de Lorena, achando mesmo que se devia construir um monumento em homenagem àquele que teve a coragem de empreender o calçamento do velho caminho do mar".

Da mesma Antologia Cubatense (páginas 53/54) é transcrito este texto:

A Calçada do Lorena - Primeira e mais notável tentativa de viação terrestre no Brasil

TAUNAY, Affonso de E. Estudos de História Paulista, São Paulo, 1926, pág. 301.

A 5 de julho de 1788, era Bernardo José de Lorena empossado do governo da capitania, que veio encontrar sumamente depauperada. Fôra o esforço - da descoberta e da conquista de tão enorme área adquirida ao Brasil pelas bandeiras e a mineração - despropositado às energias do núcleo realizador de tão alta empresa.

Boas inspirações trazia o moço governador [1]; não tardou em dar mostras de sua capacidade administrativa, atacando energicamente um problema absolutamente essencial para o desenvolvimento do planalto, esse da melhoria das condições de ligação das terras de serra acima com as da marinha.

A tal respeito escrevendo, comenta Cardoso de Abreu [2]:

"Em nove annos que tem (Bernardo Lorena) governado esta capitania, podemos dizer que ele não veiu continuar e sim criar de novo estes povos. Viram vencido e concluído, finalmente, aquele trânsito inacessível da serra do Cubatão, aplainadas as profundíssimas cavidades e tomados os precipícios, onde muitos acabaram a vida sem remédio. Ficou a serra fácil e calçada de pedra, no comprimento de quase uma légua de sua altura; atalharam-se outros passos perigosos da mesma estrada, que continua da serra até a cidade. Ficou facílima a comunicação com a beira-mar, que já tinha a fortuna de ser breve na distância de nove léguas; com este benefício cresceu o tráfego, facilitaram-se os transportes dos gêneros que vão carregar ao porto de Santos".

E não se pense que um sentimento lisonjeiro inspirasse ao reparador; escreveu quando já era Bernardo de Lorena um sol no ocaso, substituído que acabara de ser por Antonio Manuel de Mello Castro e Mendonça, em junho de 1797. Assim são os seus conceitos os da sinceridade.

E não despendeu Bernardo José de Lorena largo tempo em construir a sua famosa calçada. Inaugurou-a em 1790, dois anos após a sua tomada de posse, assinalando esta empresa com os marcos que já em 1839 Kidder viu derribados e atolados na lama, os mesmos recém-descobertos por Washington Luiz.

Neles se inscreviam os seguintes dísticos: "Maria I Regina - Neste anno 1790 - Omnia vincit amor Subditorum - Fez-se este caminho no feliz governo do Ilmo. e Excellmo. Bernardo José de Lorena, general desta Capitania".

Reerguidos brevemente [3] serão os padrões relembradores da primeira e da mais notável tentativa de viação terrestre nacional em terras do Brasil".

NOTAS EXPLICATIVAS

[1] Calcula Taunay que Bernardo José de Lorena tenha nascido por volta de 1760.

[2] Autor de "Notícias sobre a vinda dos primeiros governos".

[3] Referência à obra restauradora de Washington Luiz no Caminho do Mar em 1922.

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