Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cubatao/ch069.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/03/04 19:42:51
Clique aqui para voltar à página inicial de Cubatão
HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
O irmão de leite de D. Pedro II

Em 1825, Maria do Couto amamentou o futuro imperador. E quase seu marido foi morto pelas tropas imperiais, pois D. Pedro a queria no Rio de Janeiro

Na edição comemorativa ao aniversário de Cubatão, em 9 de abril de 2000, o jornal santista A Tribuna publicou este relato:


Avelina Couto (à direita), em frente à casa de seu pai, em 1949
Foto publicada com a matéria

Joaquim Miguel Couto: o irmão de leite do imperador

Joaquim Miguel Couto (*)
Colaborador

I - Chegamos nas terras do Cubatão no início do século XIX. Existiam poucas casas situadas à margem esquerda do rio que cortava a pequena vila. Segundo o censo de 1822, Cubatão tinha 23 casas, num total de 94 moradores (41 homens, 40 mulheres e 13 escravos). Em uma delas morava Miguel Francisco do Couto (24 anos, comerciante, português da Ilha da Madeira) e sua esposa Maria Gertrudes Carmo do Couto (20 anos, descendente de índios tupi-guaranis).

Nesta primeira metade do século XIX, Cubatão viveu um período de prosperidade, pela euforia da exportação de açúcar, através do Porto de Santos. A vila, nesta época, não passava de um porto de sopé de serra, com seu posto alfandegário. Era o lugar da baldeação entre o porto marítimo e o planalto. Em 1833, em razão do grande fluxo de açúcar que passava pela vila, Cubatão obteve a sua primeira emancipação política.

II - D. Pedro, filho de D. João VI, costumava vir a Santos com certa freqüência, por motivos não muito nobres. A descida da Serra do Mar era ainda uma grande muralha e as tropas chegavam cansadas ao pé da serra de Cubatão.

O Brasil já havia sido elevado a Reino Unido de Portugal e Algarve, e D. Pedro se habituou a descansar e se alimentar na casa de Miguel Francisco do Couto, antes de embarcar em direção a Santos. Na volta, era a mesma coisa: uma descansada antes da subida da serra.

Em 1821, D. João VI retorna a Portugal e deixa seu filho, D. Pedro (23 anos), como príncipe regente do Brasil. Apesar do aumento de suas obrigações, D. Pedro continuava a visitar Santos para se divertir. Isto também ocorreu no dia 7 de setembro de 1822. D. Pedro chegou a Cubatão irritado com alguns problemas e com dor no estômago. Evitou comer e logo partiu em direção a São Paulo, dizendo a Miguel Francisco que o dia não estava bom para ele. O resto da história todos sabem: o Brasil se torna politicamente independente de Portugal.

III - Em 1825, já casado e pai de Pedrinho, D. Pedro I desce a serra com sua família. Abriga-se como de costume na casa de Miguel Francisco. A imperatriz Maria Leopoldina, que estava amamentando Pedrinho, percebe que seu leite havia secado. Maria do Couto, esposa de Miguel Francisco, que estava amamentando um dos seus primeiros filhos, acolhe Pedrinho e o amamenta. D. Pedro I, entusiasmado pela aceitação de Pedrinho ao novo leite, convida Maria do Couto para ser ama de leite de seu filho e, portanto, morar no Rio de Janeiro. O convite foi estendido a toda a família de Maria. Mas, tanto Maria como Miguel Francisco, recusam o convite, pois viviam felizes na pequena vila.

D. Pedro I, então, parte para Santos, deixando Pedrinho e a imperatriz em Cubatão (na casa de Miguel Francisco). Na volta de Santos, D. Pedro I refaz o convite e diante da recusa se retira com sua família para São Paulo. Passados alguns dias, D. Pedro I retorna a Cubatão, exigindo que Maria do Couto o acompanhasse. Os ânimos se exaltam e D. Pedro I vai para Santos. No dia seguinte, as tropas do imperador desembarcam em Cubatão com a missão de matar Miguel Francisco e capturar Maria do Couto. Avisados por terceiros, os Couto se refugiam na serra do mar. As tropas ocupam sua casa e passam a vasculhar a região. Depois de alguns dias, D. Pedro I reúne seus soldados e retorna ao Rio de Janeiro. Segundo outras fontes, D. Pedro I estava era encantado com a beleza exótica de Maria do Couto.

IV - Com a volta de D. Pedro I a Portugal, em 1831, os Coutos voltam a viver normalmente em suas terras. Mas, para a tristeza da comunidade, em 1841 Cubatão perde o seu status de cidade e é incorporada a Santos.

Em 1840, a Assembléia Geral declara a maioridade de D. Pedro II e o confirma como imperador do Brasil. D. Pedro II visita Cubatão, pela primeira vez, em 1846. Conhece, então, sua mãe de leite Maria do Couto, que amamentava, na época, um de seus últimos filhos, Joaquim Miguel do Couto. D. Pedro pede para segurar seu irmão de leite e se desculpa pelos arroubos de seu pai, colocando-se à disposição para indenizar qualquer prejuízo daquele acontecimento. Miguel Francisco só lhe pediu sossego. Maria do Couto teve dezessete filhos.

D. Pedro II voltaria a Cubatão trinta anos mais tarde, em 1876, junto com sua esposa, a imperatriz Tereza Cristina. Encontra seu irmão de leite, Joaquim Miguel, já homem feito. Se surpreende pela erudição de Joaquim Miguel, letrado e curioso das ciências, embora trabalhasse a terra com as próprias mãos.

Juntos, vão visitar as sepulturas fósseis que existiam no sítio do Casqueirinho. Conversam sozinhos por meia hora e se despedem. Nunca mais se viram. O que conversaram ninguém sabe. Comentou-se que D. Pedro II ofereceu algum cargo público a Joaquim Miguel.

Nesta época, Joaquim Miguel já era o maior proprietário de terras da região. Terras do Império, doadas a Joaquim Miguel para serem cultivadas, situavam-se na margem direita do Rio Cubatão, se estendendo da ponte do mesmo rio até a estação de trem. Como a vila não tinha grande concentração de capital, as terras praticamente não tinham valor econômico. Como afirma Afonso Schmidt, "pelas décadas de 1880 a 1920, o povoado de Cubatão se confundia com a figura desse homem. Com mais de dois metros de altura, Joaquim Miguel era uma mistura de agricultor, curandeiro e estudioso das ciências". Sua modesta casa foi a primeira a ser construída no caminho que mais tarde recebeu o nome de Avenida dos Bandeirantes (atualmente Avenida 9 de Abril).


Avelina Couto (com a mão no queixo), aos dezoito anos,
na janela da antiga estação de Cubatão (1910)
Foto publicada com a matéria

Algumas histórias de Cubatão

V - Homem humilde e simples, Joaquim Miguel nunca utilizou as suas terras para auferir riqueza para si próprio, ao contrário de algumas outras famílias da região. Pobre economicamente, distribuía o fruto de seu trabalho entre os mais necessitados do povoado e ajudava os viajantes famintos. Aprendeu com sua mãe a curar os doentes, através do que se convencionou chamar de medicina homeopática, bem como aliando novas conquistas da ciência. A maior parte dos habitantes lhe recorriam em tempos de enfermidades. Nunca cobrou nada pelo seu serviço.

Nas épocas de epidemias, comprava remédios com os recursos oriundos da venda de bananas e doava aos doentes. Em certa época, na impossibilidade de tratar a todos, solicita a ajuda de Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, que lhe envia vacinas e outros medicamentos.

VI - A expansão do Porto de Santos e a exportação de café fazem com que Cubatão se torne rota de passagem obrigatória do ouro negro. Novos imigrantes chegavam à cidade, e Joaquim Miguel começou a distribuir suas terras entre os novos moradores e parentes. Nunca vendeu nenhum de seus terrenos: deu a quem precisava.

Mesmo sendo um homem justo, Joaquim Miguel não podia contentar a todos. No início do século XX, Manoel Jorge recebe algumas terras de Joaquim Miguel.

Passado algum tempo, Manoel solicita mais terras, que iriam até o quintal da casa de Joaquim. Negado o pedido, Manoel contrata um pistoleiro para matar Joaquim. Quando o pistoleiro chega em Cubatão, pede água e comida na primeira casa que encontra: era a casa de Joaquim Miguel. Foi convidado a almoçar com toda a família: Joaquim, sua esposa Alexandrina Siqueira do Couto e seus dez filhos (oito mulheres e dois homens). Após o almoço, o pistoleiro se despede e pergunta onde ficava a casa de Manoel Jorge. Passados alguns minutos, o pistoleiro retorna e diz que Manoel o havia contratado para matá-lo, mas que ele iria embora, pois reconhecia nele um bom homem.

Em novembro de 1889, Joaquim Miguel assiste com desilusão à queda de D. Pedro II e a proclamação da República: "Deve ser muito triste ser obrigado a abandonar o País onde se nasceu e cresceu". Neste novo regime, nascia em 9 de outubro de 1892 a filha caçula de Joaquim Miguel: Avelina Couto. Pequena e frágil (comparada aos outros filhos), Avelina logo toma o gosto pelas letras.

Em 9 de agosto de 1919, através da portaria nº 191, Avelina Couto é nomeada pelo prefeito de Santos para exercer o cargo de professora da Escola Mista de Cubatão, em substituição a Anna Dias Pinto e Silva. Mais tarde, Avelina se tornaria a primeira funcionária pública federal da região, ao exercer o cargo de Agente dos Correios.

VII - Em outubro de 1922, Joaquim Miguel tem sua última alegria: vê sua vila ser elevada à categoria de Distrito de Paz pela lei nº 1871. Pouco tempo depois, em 1924, velho e doente, Joaquim Miguel morre em sua casa, nos braços de Avelina. Não pôde presenciar o relativo sucesso de seus dois filhos: Joaquim alcança o posto de capitão do Corpo de Bombeiros de Santos, e Abelardo o cargo de chefe da Estação da Luz de São Paulo. Pelo costume da população, o estreito caminho que cortava as terras de Joaquim Miguel passou a ser conhecido pelo seu nome, e parte do local onde morava recebeu o nome de Vila Couto.

Casada com seu primo Manoel Antônio do Couto, em 1918, Avelina herdou de seu pai a humildade e a simplicidade, bem como o amor pela sua terra. Além disso, coube a ela, como herança, a modesta casa de seu pai, situada na antiga Av. dos Bandeirantes nº 165 (atual Av. 9 de Abril, 2.190). A antiga casa viria a ser demolida para construção da segunda pista da Av. 9 de Abril (nos anos 60).

Abandonada pelo marido, em 1929, Avelina continuou morando na casa de seu pai, onde também funcionava os Correios. Tinha três filhos: Maria, Tabajara e Joaquim.

VIII - Pouco depois, é demitida dos Correios, sendo obrigada a alugar sua casa e morar no porão da casa de um velho amigo. Passou a sustentar a família com a venda de seus bordados e crochês, que alcançou sucesso até em Santos.

Mesmo assim, vai aos poucos perdendo todas as suas coisas na luta pela sobrevivência. Seu filho Joaquim era obrigado a caçar e pescar todos os dias para terem o que comer.

Em 1948, comprovada a sua injusta demissão, Avelina é readmitida como agente dos Correios de Cubatão. Retorna à sua velha casa, trabalhando ativamente na coleta de assinaturas para o requerimento que solicitava a emancipação política de Cubatão.

Joaquim Couto, filho de Avelina, que participava das reuniões noturnas que antecederam a ida da comissão emancipadora ao Rio de Janeiro, relata as discussões: "As reuniões se alternavam nas casas de vários moradores. Eram homens sérios, principalmente Domingos Rodrigues dos Santos. No fim, a futura prefeitura caiu em mãos estranhas aos moradores de Cubatão, pois a cidade passou a ser área de segurança nacional, sendo seu prefeito nomeado pelo Presidente da República".

Em 9 de abril de 1949, Armando Cunha assume como o primeiro prefeito eleito de Cubatão.

IX - No início dos anos 60, Avelina recebe a visita de um antigo amigo de infância: o poeta Afonso Schmidt. Lembrando da antiga Cubatão do início do século, diz Schmidt: "Ninguém foi mais querido e respeitado em nossa cidade do que seu pai. Sem dúvida, Joaquim Miguel Couto foi o grande homem de seu tempo, legítimo filho de Cubatão". E acrescenta: "Quando mencionei seu nome na Câmara Municipal, ninguém sabia quem foi ele. Acredito que esta seja a lógica: todo homem simples logo é esquecido pela história de sua comunidade".

Em 1981, aos 89 anos de idade, Avelina morre na Santa Casa de Santos. Na missa de corpo presente, na capela do cemitério de Cubatão, seu neto, Frei Márcio Alexandre Couto, assim começou sua oração: "Minha avó foi uma pessoa simples, morreu como viveu". Avelina foi sepultada ao lado de seu pai. Por sua vontade, recebi o nome de Joaquim Miguel Couto, e estas foram algumas das histórias transmitidas pelos meus antepassados.

X - Parabéns Cubatão pelo seu 51º aniversário de emancipação política, e por abrigar "a gente dos Couto" por quase 200 anos. Somos seus grandes devedores.

(*) Joaquim Miguel Couto, bisneto de Joaquim Miguel Couto (hoje nome de avenida em Cubatão) é doutorando do Instituto de Economia da Unicamp e professor universitário.

QR Code - Clique na imagem para ampliá-la.

QR Code. Use.

Saiba mais