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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - VILA SOCÓ - (16)
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Uma das maiores tragédias de Cubatão, senão a maior, foi o incêndio de um oleoduto da Petrobrás que passava sob uma favela, Vila Socó, destruída pelas chamas com a morte de cerca de uma centena de pessoas, em 24/2/1984. Em 12 de julho de 2002, o jornal paulistano Gazeta Mercantil publicou, em sua página 5 (arquivo preservado na Hemeroteca do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo sob número 62964 - acesso em 22/2/2014 - ortografia atualizada nesta transcrição):
 
Gazeta Mercantil
Data: 12/07/2002

E a vida segue tranquila sobre dutos da Petrobras

Cubatão, 12 de Julho de 2002 - Tragédia de 1984, em Cubatão, não provocou remoção das famílias. Mais de 18 anos depois da tragédia de Vila Socó, que matou 93 pessoas e feriu cerca de 4 mil, existem pelo menos 80 famílias com moradias em cima ou a menos de 15 metros dos dutos da Petrobras, causadores do acidente de 1984, em Cubatão, na Baixada Santista, em São Paulo. As prefeituras de cidades-sede de terminais petrolíferos e municípios por onde passam os dutos da Transpetro, sucessora da Petrobras na movimentação de petróleo e derivados, estão sendo notificados sobre construções irregulares na faixa de proteção dos dutos. A empresa quer retirar os moradores e pede ajuda do poder público.

O recuo mínimo determinado pela lei 6.766/79 é de 15 metros de cada um dos lados dos dutos. As áreas de risco, já identificadas por uma comissão de vereadores de Cubatão, criada para analisar o pedido da Transpetro, são a Cota 95, Pinheiro do Miranda, vilas Noé e dos Pescadores e Curtume. As áreas foram ocupadas irregularmente há mais de 20 anos e estão próximas a dutos e ao Terminal Marítimo da Petrobras. "A empresa chamou as famílias para conversar em outubro de 2001", diz o presidente da comissão, vereador Amauri José Leme (PL).

O prefeito de Cubatão, Clermont Silveira Castor (PL), diz que as famílias não podem continuar em áreas de risco. "O temor é grande", afirma. Entretanto, ele considera que a Petrobras terá de indenizar as famílias. Na opinião do prefeito, cabe à empresa a responsabilidade pela fiscalização das áreas, indenização das famílias ou construção de novas casas para as pessoas morarem.

Risco diário - Segundo a presidente da Defesa Civil de Cubatão, Lusimar da Costa Lira, mais de 18 mil pessoas moram em áreas perigosas na cidade, incluindo encostas com risco de desabamento de barracos e próximas a tubulações da Petrobras. Segundo ela, a fiscalização, manutenção e preservação das áreas dos dutos são de responsabilidade da empresa e não do município.

Já o gerente de controle de terminais terrestres e oleodutos da Transpetro, em São Paulo, Alberto Mitsuya Shinzato, lembra a existência da lei federal 6766/79 que delega aos municípios autonomia para evitar a ocupação das áreas de risco. Diz, contudo, que não pretende polemizar com os prefeitos e considera que a negociação para remoção das famílias vai ser "longa e complexa". Sugere que as partes envolvidas encontrem mecanismos para resolver o problema. Em nenhum momento falou em indenização das famílias.

Só na área Cota 95, mais de 30 casas estão dispostas ao longo de dois quilômetros em cima ou a menos de 15 metros dos dutos.

Estima-se que na Cota 95 vivam cerca de 800 pessoas. A rua por onde passam os dutos não tem nome: é chamada pelos moradores como "Faixa de Oleoduto". O comerciante Fernando Heliodoro de Lima, de 38 anos, é um dos moradores. Ele tem uma pequena loja de materiais de construção no número 45. "Estou aqui há mais de 24 anos", conta.

Lima não teme explosões como a de Vila Socó. "Se a gente for pelos ares metade de Cubatão explode também", diz. A exemplo de outros moradores Lima e a família vieram do Nordeste em busca de emprego na região Sudoeste. Sem local para morar se instalaram próximos aos dutos da Petrobras. Hoje ele mora na Vila Socó.

Lembranças da tragédia - Há 10 anos, Leonilde dos Santos, de 29 anos, presenciou a menos de 200 metros de sua casa, na Cota 95, um vazamento de combustível. "Jorrava petróleo na altura de dois postes de energia elétrica", conta.

Desde que mora no local, ele afirma que foi o único acidente ocorrido e comemora o fato de o incidente não haver deixado mortos e feridos. "Lembro também de ver daqui o fogo da Vila Socó", diz. Na área Cota 95 crianças brincavam com fogo, ontem pela manhã, perto das tubulações bem embaixo das placas que alertam para a proibição de construções.

O presidente da Associação Comunitária Esporte, Lazer e Cultura da área Cota 95, Agenor José de Almeida, diz que não é contra e nem a favor da saída dos moradores da área de risco. "Também não posso dizer que não correm perigo", afirma. Ele mora no local há 44 anos e sua casa está do lado oposto do duto e a mais de 20 metros da tubulação, distância que pela lei não é considerada como mínima. "Acho que a saída das pessoas vai depender das condições que a Petrobras oferecer".

Na Vila Socó, as famílias dos 93 mortos foram indenizadas, embora ninguém do lugar, nem mesmo o prefeito Clermont Silveira, acredite que o número de mortos foi o oficial. "Estive lá durante o incêndio como médico e vi muitos mortos", diz o prefeito.

Indenização e retorno - Geraldo de Jesus Guedes, de 41 anos, viu o incêndio de perto. "Corri mais de três quilômetros para fugir do fogo", diz. Para Guedes, morreram pelo menos mil pessoas. "Muitos não tinham documentos. O fogo queimou tudo e não foi possível provar nada", diz.

Segundo Maria Joselina de Brito, de 68 anos, muitas das famílias que perderam parentes no incêndio foram morar em outras áreas de risco, como a Vila dos Pescadores. As casas da Vila Socó, antes de palafitas, agora são de alvenaria, as ruas asfaltadas, o duto da Petrobras foi urbanizado e a prefeitura construiu playgrounds para crianças. Os dutos ficam a mais de 15 metros das casas.

(Gazeta Mercantil/Página C5)(Adriana Miranda)

Capa da revista Manchete, do Rio de Janeiro/RJ, na edição nº 1.664, de 10 de março de 1984, com destaque para a tragédia da Vila Socó

Imagem: site Sebo do Messias (acesso: 22/2/2014)

 

A tragédia de Cubatão

 

Texto de Eduardo Francisco Alves * Reportagem de Durval Ferreira * Fotos de José Castro, Ruy de Campos, José Bosco e Oripedes A. Ribeiro

Em São Paulo, fevereiro é o mês mais cruel, arrancando gemidos da terra ardente. O mês da folia foi um mês de loucura naquele estado em 1972, quanto 16 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas no incêndio do edifício Andraus. Em 1974, o drama do edifício Joelma: 183 mortos e também mais de 300 feridos. Em 1981, o edifício Grande Avenida ardeu, matando 17 pessoas e ferindo mais de 50. Agora, na virada de sexta-feira para sábado, 15 minutos antes da meia-noite, a tragédia maior.

Em Cubatão, a favela da Vila São José, um imenso e desordenado agrupamento de barracos, entre a Via Anchieta e a refinaria da Petrobrás, plantada sobre os dutos de combustível desta empresa, foi consumida completamente pelas chamas, em menos de uma hora.

Técnicos que examinaram alguns dos cadáveres carbonizados constataram que até o esmalte dos dentes foi derretido, o que permite calcular a temperatura atingida no local em cerca de 600 a 700 graus centígrados. No domingo o cálculo dos mortos já chegava a 80.

As proporções do incêndio foram tão violentas que o número de crianças calcinadas é grande, e nesses casos os corpos ficam reduzidos a blocos tão pequenos e disformes que se misturam com os escombros de móveis e colchões, passando despercebidos mesmo em buscas mais minuciosas e sendo finalmente atirados fora como dejetos, sem que ninguém se dê conta.

Um cadastramento dos sobreviventes e a checagem de suas reclamações por parentes desaparecidos tampouco ajuda a precisar o número de mortos, pois foi grande o número de famílias inteiras que pereceram carbonizadas, sem que restasse ninguém para reclamar os corpos.

A Vila São José, também conhecida como Vila Socó, era um bairro operário extremamente miserável. Sobre uma faixa de mangue de mais de um quilômetro e meio de extensão por menos de 100 metros de largura, os barracos se amontoavam em forma de palafitas, ou seja, equilibrados em estacas sobre o mangue. Por baixo, a lama fétida fluía incessantemente, caracterizando aquele tipo de subvida dos mangues do Beberibe e do Capibaribe, que o poeta João Cabral descreveu de forma pungente em O Cão Sem Plumas e Morte e Vida Severina.

As autoridades locais que, no decorrer dos tempos e das administrações, chegaram a se preocupar com o perigo potencial daquela favela, nunca hesitaram em chamá-la de "um barril de pólvora". Qualquer vazamento nos dutos faria com que o combustível logo se alastrasse pelas águas lodosas, e as casas passariam a estar se equilibrando sobre um mangue de gasolina. Uma única chama de um único fósforo, e seria o fim.

Pois apesar de todas essas previsões - em nada fantasiosas -, o fim foi exatamente o que sobreveio. Horas antes do fogo eclodir (foram duas explosões, com um segundo de intervalo), várias pessoas já haviam detectado o vazamento, avisando a guarnição da Polícia Militar. Um funcionário da equipe de segurança do sistema foi avisado, e lhe pediram que chamasse oficialmente os bombeiros para o local. Mas o pedido esbarrou na mentalidade emperrada de burocracia do funcionário. "Só depois que chegar o engenheiro para examinar a situação".

Pouca diferença fez. A PM, com ou sem bombeiros, resolveu dar o alarma entre os moradores, clamando para que deixassem suas casas. Essa simples providência salvou um número incalculável de vidas. Mesmo assim, muitos não ouviram os apelos, ou se recusaram a atender, ou pensaram que era apenas uma batida policial em busca de criminosos.

O fogo correu como um raio sob os barracos

Desses, a maioria morreu. Outro fator providencial foi o forró que rolava numa espécie de clube local. Exatamente junto ao barzinho onde os dançarinos molhavam a garganta ocorreu o vazamento, que foi visto por todos que bebiam, possibilitando o alarma. Quem estava no baile se salvou - e eram muitos. Isso amenizou, mas não evitou, a terrível dor que se seguiria.

Quando uma qualquer chama desavisada acendeu o fogo, este se estendeu por sob a favela como um raio. Tudo ardeu quase que simultaneamente. A maré estava alta, deixando as casas a poucos centímetros do mangue em chamas. O que também não fez muita diferença. As labaredas se elevaram a 50 metros de altura quando se instaurou o inferno.

Agora, já se instaurou o inquérito. Ou melhor, os inquéritos. Um administrativo, de iniciativa da própria Petrobrás. Outro, policial, que o estado não se apressou em exigir, e que o próprio presidente da Petrobrás, sr. Shigeaki Ueki, solicitou ao governador Franco Montoro que fosse instaurado.

Desde que surgiram os barracos, a empresa, através de seu departamento jurídico, deu entrada em processos judiciais para a evacuação do lugar, salientando o perigo permanente de um acidente lamentável. Uma das primeiras preocupações de Ueki - que logo voou para São Paulo, indo visitar o local da tragédia - foi determinar a imediata liberação de verba para todo o socorro possível às vítimas, do abrigo aos sobreviventes e possível cooperação com o BNH para o reerguimento de moradias em local seguro, até o enterro das vítimas e a indenização das famílias, motivado pela conscientização do papel social inerente à mais importante empresa do País.

A riqueza da Petrobrás é uma riqueza do povo brasileiro, e foi imediatamente colocada à disposição do socorro a um grupo que hoje se alinha, sem dúvida, entre os mais infelizes de todo esse povo.

Quem é o grande responsável? Não é um, são muitos. Em contraposição às medidas da Petrobrás para o deslocamento da favela da Vila São José, políticos dos mais diversos matizes conseguiam, com o passar do tempo, extra-oficializá-la no âmbito municipal de Cubatão. Em meio aos escombros de Socó, ainda se encontram postes com medidores de luz servindo aos barracos, muitos dos quais também contavam com água encanada e relógios hidrantes a cada porta.

Se a maior parte das moradias eram palafitas, havia diversas casas em alvenaria sobre pedaços de terreno aterrados (essas até sofreram menos com o incêndio), demonstrando que seus moradores não pretendiam deixar tão cedo o lugar, apesar da gravidade dos riscos que corriam. Se houver registro de cada pedido de "uma biquinha d'água' para a Vila São José, com as assinaturas dos políticos que disso se valiam para angariar votos, haverá então uma relação dos principais culpados.

A reportagem de MANCHETE em São Paulo apurou que correm com frequência cada vez maior os boatos de que haveria um fundo criminoso por trás da tragédia. Dias antes falava-se na favela de pessoas carregando latões de gasolina para casa. Um médico da Santa Casa de Santos, dr. Walter Diniz, recorda que um morador de lá, dois dias antes, comentara, durante um atendimento médico, que na Socó a gasolina saía de graça para quem tinha carro. A hipótese é de que um vazamento já existia - ou até foi provocado - e os moradores recolhiam gasolina, que estocavam em seus barracos. Alguns bombeiros estranharam o fato de espocarem pequenas explosões, seguidas de fogo alto, durante o incêndio.

Vai ser difícil encontrar esse paciente que fez a denúncia. Quando o dr. Diniz tentou fazê-lo, o número de mortos já passava dos sessenta. Poluição industrial, irresponsabilidade política e miséria social os males de Cubatão são, como diria o velho slogan da saúva.

A registrar que a tragédia de Cubatão quase teve uma suíte que iria abalar profundamente o Brasil, em especial no momento político que estamos vivendo: ao retornar do local do incêndio para o Palácio Bandeirantes, o helicóptero que transportava o governador Franco Montoro sofreu uma pequena pane que o forçou a uma aterrissagem de emergência num terreno baldio do Morumbi, obrigando o governador a terminar o percurso a pé.

A tragédia de Cubatão já abalou muito o país. Se tivesse sido coroada com acontecimento tão infausto, ia se tornar um fato marcante entre os mais deprimentes da história brasileira.

O Brasil teve uma visão do inferno com a tragédia de Cubatão, uma das piores que já houve no país

Foto publicada na página 3

 

Depois de uma madrugada de fogo, uma manhã de cinzas. A Vila São José parecia uma imagem de cinema-catástrofe. Agora, é enterrar os mortos

Fotos publicadas nas página 110 e 111

 

Tanto o governador Franco Montoro quanto o presidente da Petrobrás, Shigeaki Ueki, acorreram ao local da tragédia, ordenando a abertura de inquéritos

Fotos publicadas na página 112

 

A TRAGÉDIA DE CUBATÃO FOI UMA DAS  MAIORES QUE O BRASIL JÁ VIU - Mal havia local suficiente para se empilharem os cadáveres. Muita gente foi se refugiar em barracos de zonas inatingidas próximas. Mas na vila dizimada o que ficou de pé era inabitável.

Fotos publicadas nas páginas 112 e 113

  
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