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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 56

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 413 a 422:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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QUARTA PARTE (1911-1915)

Capítulo LVI

Monopólio ou regime livre?

Não tendo vingado em 1912 o projeto de novo cais, renasceria ele, com vigor crescente, em 1913, 1914 e 1915. Iam aparecer algumas das velhas increpações dos anos anteriores, a começar de 1984. A elas se faz abaixo referência para fins meramente expositivos, pois que de cada qual já ficou, mais de uma vez, refutação atrás. Há, entretanto, um tom geral menos áspero, que reconhece à empresa serviços assinalados e confessa pretender construir o novo cais sem violação de seus direitos. E isto apesar de exclamações como estas, logo ao abrir do ano (Tribuna, Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 1913):

As queixas do comércio paulista contra o modo de proceder da Companhia das Docas são antigas e bem conhecidas; o serviço é mal feito e o comércio é esfolado.

O sr. conselheiro Rodrigues Alves, ilustre presidente do Estado de São Paulo, conhecendo de ciência própria essa intolerável situação, solicitou do Governo Federal uma concessão para a construção e exploração de um novo cais, melhor situado, onde se pudesse fazer um serviço bom e barato, aliviando assim das garras das Docas o comércio e a indústria daquele grande Estado.

Ou ainda estas, do mesmo jornal, pouco depois (23 de maio):

Não há quem não conheça neste país os abusos e as audácias da antipática empresa, verberados há tantos anos pela imprensa e analisados de modo esmagador na tribuna do Senado, pelo honrado sr. Alfredo Ellis.
Movendo-se aos impulsos da sua ganância, e sem se voltar jamais para o interesse público, ela agora, habituada a levar tudo de vencida com o apoio de altos protetores que sempre encontra, desorientada com a intervenção segura do presidente de São Paulo em benefício do Estado, está já a procurar mover céus e terras para que o alvitre benéfico de s. excia. não tenha por parte do Governo da União o acolhimento que todos desejam.

De regresso de uma viagem ao Velho Mundo, achava-se de novo a postos Alfredo Ellis. Era a empresa tão feliz que, crescendo sempre a tonelagem do cais, tinha a sua remuneração aumentada em proporção, sendo o serviço o mesmo [40]. O cais era o que de mais rudimentar havia, e menos do que aquilo não se poderia fazer [41]. Além disso, bastando ao custeio 21%, deu-lhe o Governo 40%, abrindo mão da fiscalização da renda, em troca de um balancete anual [42].

Como aquele legionário romano, "que montando guarda às portas de Pompeia, preferiu ser sepultado sob a chuva de cinzas e lava do Vesúvio a abandonar o posto confiado à sua honra", desertaria tanto menos quanto a concorrência para o novo cais seria moralizadora. Em 1912 a iniciativa fora mesmo sua (Senado, 28 de maio de 1913):

O SR. ALFREDO ELLIS – O Governo da União ouvindo sabiamente a representação e o Governo de São Paulo, concedeu a outras companhias a faculdade de levarem seus trilhos a Santos. Por que não faz o mesmo em relação ao porto? A lei de 1869 não deu à Companhia o monopólio.

O Governo de São Paulo, interessado no assunto e, previdente, se propõe a fazer construir um novo porto; neste sentido, foi que eu e o meu ilustre colega de bancada formulamos, nos últimos dias da sessão do ano passado, uma emenda autorizando o digno gestor da pasta da Viação a por em concorrência as novas obras.

Não é justo, sr. presidente, que o Governo proteja os interesses de um contra os de três ou quatro milhões. O escopo, a missão do Governo deve ser de zelar pelos magnos interesses da coletividade, sem ferir, sou o primeiro a reconhecer, direitos adquiridos e interesses já radicados. Mas, sr. presidente, a bancada de São Paulo, o Governo e o povo paulista não ambicionam absolutamente, nem desejam a ruína da empresa; pelo contrário, desejamos a prosperidade dela porque somos os primeiros a reconhecer que ela tem sido um dos aparelhos do grande progresso do nosso Estado.

A iniciativa fora tomada, de fato, nesse ano de 1913, pelo próprio presidente de São Paulo, em mensagem dirigida ao Congresso do Estado. Era Rodrigues Alves, isto é, o ministro da Fazenda que em 1896 dirigira a questão da Alfândega de São Paulo contra a empresa, mas que já dez anos depois ia, como presidente, dar-lhe prorrogação simples, sem intervenção legislativa nem ônus maiores, do que havia resultado a primeira campanha Alfredo Ellis.

Abstraindo de qualquer preconceito imaginário ou fundado contra a Companhia, parecia indubitável o direito do Estado de pretender taxas menores do que as cobradas em Santos, mesmo que para isso tivesse que construir novo cais. Mas a questão não era essa, senão outra e dupla: tendo a empresa privilégio exclusivo dos serviços de porto, não se sacrificavam assim seus direitos?

Além disso, seria prática essa construção, quando se havia empatado tanto capital e tanto esforço no cais já em tráfego, todo ele, aliás, regulado por leis, decretos e contratos de longa duração? Não existia no propósito de novo cais uma dessas soluções simplistas, mais do sentimento que da realidade, se é que não significava, e não parecia, simples recurso de tática para obrigar a empresa existente à redução das taxas? Foram estas as palavras da Mensagem (14 de julho de 1913):

O extraordinário movimento de importação e exportação, verificado no decurso do ano findo, veio demonstrar a insuficiência dos grandes aparelhos de que está dotado o porto de Santos, para o funcionamento normal dos serviços de entrada e saída das mercadorias.

A Alfândega, as Docas, a Estrada de Ferro Ingleza, que pareciam ter proporções para, durante largo período, servir com amplitude àqueles interesses, revelaram-se acanhadas e incapazes de corresponder às exigências do futuro se o movimento de carga e descarga por aquele porto continuar em aumento.

Já prevíamos em parte essa situação. Tomando conta do Governo do Estado renovamos por intermédio da Secretaria da Agricultura, junto ao Governo Federal, o pedido que havíamos feito, em período anterior, para o prolongamento do cais de Santos.

Efetivamente, a 3 de agosto do ano findo, em petição longamente fundamentada e alegando o desenvolvimento do porto e da cidade de Santos, os encargos que nos têm advindo do serviço de saneamento, as reclamações das companhias de navegação como as do comércio e lavoura do Estado, requeremos concessão para melhoramento do porto de Santos, de Outeirinhos até à Barra, nos termos das leis n. 1.746, de 13 de outubro de 1869 e número 3.314, de 16 de outubro de 1886, e mais disposições correlativas.

Essas condições assim se enumeravam:

1ª. Caberão ao Estado de São Paulo todos os direitos, favores e ônus que cabem à Companhia Docas de Santos, em virtude de leis, decretos, avisos e contratos que regulam suas relações com o Governo da União.

2ª. O Estado de São Paulo reconhece expressamente que é do espírito e da letra da lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1896, que:
a) – o capital, para os efeitos do contrato que for lavrado com o Governo da União, não é o que consta de orçamentos, embora aprovados pelo mesmo Governo, mas sim o que se verificar ter sido efetivamente gasto nas obras;
b) - a revisão da tarifa, e a redução geral das taxas, não dependem da conclusão final de todas as obras, mas, sim, da aceitação definitiva delas pelo Governo da União, sendo a primeira de 5 em 5 anos contatos da aprovação ou da última revisão; e a segunda, quando, sem atenção a qualquer prazo, se verificar que os lucros líquidos tenham excedido de 12% ao ano;
c) – a taxa de armazenagem só é devida sobre mercadorias que forem efetivamente armazenadas nos armazéns;
d) – a taxa de capatazias não é devida sobre a exportação do Estado.

3ª. As obras a executar constarão do cais, docas de importação e exportação, para navios de 8 até 11 metros de calado, molhes de atracação, guindastes ou outros aparelhos de tipo mais moderno e mais prático, telheiros, casas de máquinas, armazéns à prova de fogo, aterros, depósitos de carvão, dique, dragagem e desobstrução do porto, edifício com todas as comodidades para Recebedoria de Rendas do Estado, Alfândega Federal, Serviços Federais de Desinfecção e Observação Sanitária, posto de socorros marítimos, estações ou abrigos para conforto dos passageiros, linhas duplas de railways e desvios das bitolas das estradas de ferro que sirvam a Santos, armazéns gerais para warrantagem de mercadorias com dependências adequadas às rendas públicas voluntárias e quaisquer outros melhoramentos de necessidade pública e em serviços desta natureza.

4ª. O Governo do Estado submeterá à aprovação do Governo Federal, dentro de 18 meses a contar da data da assinatura do contrato, os estudos das obras a executar, constando de plantas e orçamentos; iniciará as mesmas obras dentro do prazo de seis meses contados da data da aprovação das plantas e do orçamento e as concluirá dentro do período de vinte anos, devendo ser feita a respectiva entrega ao tráfego por seções, das quais a primeira corresponderá no mínimo a 300 metros de cais e ficará pronta dentro de 3 anos, contados também este prazo e o precedente da data da aprovação dos estudos.

Na iniciativa do Governo do Estado, esclareceu Rodrigues Alves, não havia o menor intuito de embaraçar a ação da empresa ou de correr atrás de vantagens materiais:

Propondo-nos a essa construção, atendíamos a velhas queixas e reclamações da lavoura e comércio do Estado.

Estávamos convencidos e tínhamos razões para assim pensar, que sugerindo aquela ideia, íamos auxiliar o Governo da República a resolver um problema de interesse capital para a União e para o estado. O nosso pedido não teve solução até agora, querendo alguns enxergar na atitude deste Estado ou o desejo de embaraçarmos a ação da grande empresa das Docas de Santos ou o propósito de irmos atrás de vantagens com a construção do prolongamento do cais.

É injusta esta suspeita. O Estado acha necessário esse prolongamento e a redução das taxas para poder atender às grandes conveniências do seu comércio e lavoura. Declarou claramente as condições mediante as quais se propunha realizar a construção. É indiferente ao Estado que seja ela feita por nós ou por outros: o que queremos é que seja feita e as taxas reduzidas.

Não é justo que este Estado continue a esgotar as suas rendas fazendo estradas de ferro, que concorrem anualmente para aumentar a sua produção, que vai quase toda diretamente a Santos, fazer crescer as rendas das Docas; que concorra para os trabalhos de saneamento despendendo milhares de contos e que a poderosa empresa permaneça inflexível na manutenção de suas taxas elevadas.

Perfeito em tese, o direito do Estado não se assentava, de fato, em princípios líquidos. Em primeiro lugar,não procedia o paralelo com outros portos, gravados com 2% sobre a importação e construídos de modo inteiramente diverso. Assinalou-o o Jornal do Commercio, quatro dias depois, ao escrever (18 de julho, edição vespertina):

São Paulo não reclama apenas esse prolongamento: quer também a redução das taxas ora em vigor, por não achar justo que a empresa que explora o cais permaneça inflexível na sua manutenção.

Não há dúvida que o grande Estado está no seu direito, batendo-se pela realização dessas duas providências. Mas não é menos verdade que também no seu direito se encontra a Companhia das Docas, que tem dado tão fiel desempenho ao seu contrato. Em meio dos diversos portos melhorados, Santos, cumpre ter sempre em vista, ocupa uma situação excepcional. Não se pode, juridicamente, tornar extensivas ao regime adotado considerações mais ou menos cabíveis aos outros.

A experiência de Santos, em si valiosa, servira de ensinamento, apesar disso, aos demais portos – trabalho de adaptação contínuo, em que nunca seria demais o louvor a Gaffrée & Guinle:

Empatando desde o início considerável massa de fundos, que, retirados da circulação, ficaram por assim dizer durante apreciável espaço de tempo imobilizados, esses concessionários meteram ombros à construção das obras e transformaram o porto de Santos numa estação de transbordo realmente modelar, num vigoroso traço de união entre os meios de transportes marítimo e terrestre, comunicando àquela praça do comércio uma importância que ultrapassou todas as expectativas e que a mudou numa zona de expansão e atração de comércio verdadeiramente privilegiada.

Santos não tardou a constituir-se o natural respiradouro das legítimas aspirações de engrandecimento econômico alimentadas por São Paulo e o ativo escoadouro de sua riquíssima e variada produção. Os melhoramentos do porto, todos o sabem, foram, primordialmente, a mola desse acelerado e magnífico progresso industrial.

Adiante:

O exemplo frutificou. Os demais Estados, dispondo de portos melhoráveis, pugnaram por seu aparelhamento. O Governo Federal foi-lhes em auxílio e os velhos e rotineiros processos de carga e descarga, que importam em tanto atraso para o movimento normal dos navios e em tantas despesas intermediárias para os importadores, entraram a ser substituídos por outros, mais expeditos, rápidos e modernos. Evidentemente, nas taxas estabelecidas para a exploração industrial dos nossos portos o critério teve de ser diverso do seguido no caso de Santos.

Já não se tratava de uma experiência, de uma tentativa.

Além disso, era a própria União quem levantava empréstimos para ocorrer ao custeio das obras.

Mas, construtores ou simples arrendatários, os interessados já não tinha, que pisar terreno desconhecido. Era, portanto, precisamente o inverso do que se deu em Santos, onde a empresa, simultaneamente construtora das obras e concessionária da sua exploração, houve de levantar grandes capitais sob a garantia de taxas que não somente fossem remuneradoras para os referidos capitais, quanto ao serviço de juros e amortização, como ainda suficientes para o custeio dos diferentes serviços.

Em segundo lugar, era fora de tema invocar o espírito da lei de 1869, porque já vimos que visava a construção de docas e não de melhoramentos de todo um porto, como, afinal, prevaleceu em Santos. Sem ter tido realização prática o princípio, que a dominava -, docas rivais para barateamento das taxas -, este só poderia advir da vigilância oficial, num jogo de algarismos em que tinham que combinar-se a modicidade do serviço e a recompensa do capital empregado.

Por isso foi que, ampliando-se a concessão sob o Governo Provisório, impôs-se, desde logo, a noção do direito exclusivo, que se desenvolveu depois. O próprio ministro referendário do decreto ia negar que houvesse concedido tal privilégio: jogo de palavras contra o qual prevalecia o sentido das coisas, na sua significação real, tais os fatos as encadeavam. Este diálogo, por exemplo, nem tinha o sabor de interpretação autêntica (Senado, 28 de maio de 1913):

O SR. ALFREDO ELLIS – Ora, sr. presidente, ela não tem privilégio. A lei não lho conferiu e desde que a lei não confere, contrato algum nem decreto do Poder Executivo poderá dar. Aproveito o ensejo de estar na tribuna e de me referir a este ponto para invocar o testemunho do ministro que referendou o decreto, se passou, porventura, pelo espírito de s. excia. dar à empresa o privilégio por 90 anos.

O SR. FRANCISCO GLICÉRIO – Não; tanto mais quanto o decreto, que é o que contém a natureza legislativa e a assinatura do chefe do Governo Provisório, não se referiu a privilégios; apenas as cláusulas, que são ato ministerial, a isso se referiram. Demais, privilégio em relação a quê? Nenhuma referência faz.

O SR. ALFREDO ELLIS – É exato. Tanto que eu vou ler justamente a cláusula do decreto n. 966, de 7 de novembro de 1890. Eis a cláusula a que estou me referindo: "Gozarão os concessionários, durante todo o prazo do seu privilégio, elevado a 90 anos, contados da data do decreto, isenção de direitos para todo os materiais necessários à construção e conservação das obras".

Ora, sr. presidente, é claro, é evidente que a frase "durante todo o prazo do seu privilégio" está subordinada ao pensamento que ditou a cláusula integral que se refere, exclusivamente, à isenção de direitos.

Já vimos que uma das razões pelas quais obtiveram os concessionários a construção do porto estava em que não pretendiam o direito exclusivo. Mas uma vez que se modificou o projeto da construção de uma doca para o de melhoramentos do porto – 866 metros de cais que passaram a cerca de 5.000 – o monopólio havia de se impor de direito, como se impôs de fato.

Decreto com força de lei, por emanar do Governo Provisório, o de n. 966, de 7 de novembro de 1890, ao servir-se da palavra "privilégio", quis sem dúvida acentuar o espírito que dali por diante dominaria a concessão, isto é, o direito exclusivo, como nas zonas de estrada de ferro, para a construção e exploração dos melhoramentos do porto e não mais, como no contrato primitivo, o direito de preferência em igualdade de condições.

A prova era que os três prolongamentos do cais, concedidos depois, não se consideraram "obra nova", mas apenas "dependência, complemento das existentes", não se tratando de "obras semelhantes", tudo confirmado pelo serviço de dragagem completa e desobstrução do porto desde a fortaleza da Barra: nenhuma embarcação podia entrar em Santos, para descarregar, sem que, desde logo, se utilizasse dos serviços da Companhia, remunerando-os com o pagamento dessa taxa contratual [43].

Entretanto, por mais simpática, a noção oposta era a que seduzia a opinião, mesmo que não estivesse esta trabalhada, como estava e já vimos largamente, por outros motivos, contra a empresa. Assim no ano seguinte, 1914, por ela se bateram ainda no Senado, além de Alfredo Ellis, Francisco Glycerio e Adolpho Gordo. A argumentação seria a mesma, o espírito da lei de 1869, a letra do contrato inicial, embora a apresentação fosse outra. Assim Adolpho Gordo, renovando o refrão das taxas "ilegais e pesadíssimas" (Senado, 27 de outubro de 1914):

A Companhia Docas de Santos não pôde obter privilégio sobre esse porto. E assim sendo, a Administração Pública Paulista, requerendo a concorrência pública, não ofende quaisquer direitos ou prerrogativas da Companhia. Ela só tem um direito – o de obter a concessão das novas obras em concorrência pública, se as condições de sua proposta forem melhores ou pelo menos iguais às de qualquer outro concorrente. São Paulo não desconhece tal direito.

A Companhia está em condições de poder oferecer melhores vantagens do que qualquer outro concorrente: está, pois, em uma situação excepcional, pois que poderá obter, se quiser, a concessão. Apresente uma proposta melhor ou idêntica à de São Paulo, e a concessão será sua. Este é o seu direito resultante do contrato, e esse direito ninguém contesta.

Se quiser, porém, continuar no regime de taxas ilegais e pesadíssimas, e se oferecer uma proposta absolutamente inaceitável, haverá em Santos duas empresas explorando o serviço de docas: a Companhia, explorando o cais que já construiu, e outro concessionário, explorando o cais que vai construir.

Ainda (31 de outubro de 1914):

O SR. ALFREDO ELLIS – Sr. presidente, o ponto principal, porém, não é este. Arroga-se a diretoria das Docas o direito de monopólio sobre o porto de Santos. Esta é que é a questão, este é o ponto principal.

Pergunto: assiste a menor sombra de direito a essa pretensão? Em que se funda: Na lei? Não. A lei de 13 de outubro de 1869 não dá absolutamente, não podia dar, o monopólio de um porto a qualquer empresa. A lei é clara e terminante. Em lugar de firmar monopólio ela firma a concorrência. A empresa só tem, pelo contrato que foi lavrado em 1888, a preferência, que nós não negamos, mas que a lei não lhe dá. Não contestamos essa preferência absolutamente…

O SR. FRANCISCO GLYCERIO – Em igualdade de condições.

O SR. ALFREDO ELLIS - … em igualdade de condições.

E, por último, o próprio Francisco Glycerio (3 de outubro de 1914):

Sr. presidente, nesse decreto há a seguinte cláusula:

"Gozarão os concessionários, durante o prazo do seu privilégio, que fica elevado a 90 anos etc.". E adiante: "Findo o prazo do privilégio reverterão para o Estado Federal todas as obras".

Ora, sr. presidente, o decreto que o Governo Provisório expediu para remodelar os contratos das Docas de Santos, no seu texto, nada diz em relação a privilégio. Nas cláusulas, porém, que o acompanham vêm efetivamente as palavras transcritas pela diretoria da Companhia Docas de Santos, em sua publicação de hoje.

Mas, sr. presidente, a cláusula diz "gozarão durante o prazo de seu privilégio etc.". E adiante: "findo o prazo do seu privilégio etc.".

Ora, essa preferência foi necessariamente feita para ressalvar quaisquer privilégios que a Companhia tivesse tido, em virtude não somente da lei de 1869, que estabeleceu as regras gerais para a construção de portos no Brasil, assim como do decreto de 1888, promulgado pelo então ministro da Agricultura, sr. Antonio Prado.

No último desses atos, o Governo Imperial não concedeu privilégio algum, deduzindo-se dele, apenas, que a companhia construtora e concessionária das obras do porto de Santos era exclusiva exploradora desses melhoramentos.

Adiante:

O cais do porto de Santos, de que a Companhia é concessionária, é uma obra perfeitamente acabada, obedeceu a um plano, a um projeto aprovado, com limitação de área, tudo de acordo com as previsões do momento.

As obras que porventura foram projetadas ou determinadas por um desenvolvimento material remoto, com novos estudos e condições, ainda mesmo que seja complemento de obras anteriores, é uma obra nova, é um serviço novo.

Admitindo o argumento da Companhia, chegaríamos a um absurdo; seria vir ela a ter o privilégio de todo o litoral da República, desde que o nosso desdobramento material exigisse o desenvolvimento colossal de um cais sem solução de continuidade.

A Companhia das Docas pode indiscutivelmente sofrer a concorrência de um outro cais corrido, com a mesma complicação e até com os mesmos detalhes de construção.

A uma outra empresa pode ser concedida ainda a faculdade de construir um outro cais de forma inteiramente diferente de acordo com o progresso das construções modernas.

O cais da Companhia Docas de Santos é um cais de acostamento. Os navios se encostam e as descargas se fazem por um bordo, para o lado da praça; adiante pode existir um outro cais de outra empresa, que melhor sirva os seus comitentes, os cais de molhes, com descarga mais rápida, simultânea por ambos os bordos.

Respondendo a essas e outras arguições, escreveu a diretoria da Companhia (Jornal do Commercio, 4 de novembro de 1914):

Os prolongamentos do cais de Santos não são obras semelhantes às concedidas à Companhia Docas de Santos, não são obras novas, como pensa o ilustre senador.

A Companhia não é concessionária de um trecho ou de trechos de cais; é, sim, concessionária das obras de melhoramentos do porto de Santos; é, também, concessionária do serviço de carga e descarga de mercadorias no porto de Santos; é, finalmente, concessionária do serviço de dragagem do porto de Santos.

É o que está dito e redito em todos os seus contratos e no próprio decreto n. 966, de 1890.

Iniciaram-se as obras de melhoramento do porto de Santos com a construção de um cais na extensão de 866 metros (1888). Logo depois, prolongou-se este cais até o enrocamento que precedia a ponte da São Paulo Railway (1889).

Mais tarde, prolongou-se o cais em construção até o lugar denominado Paquetá (1890). Finalmente, foi o cais prolongado até Outeirinhos (1892).

Temos aí três atos solenes do Governo Federal reconhecendo o direito da Companhia Docas de Santos construir e explorar, dentro do regime da sua concessão de 1888, os prolongamentos do cais reclamados pelas exigências do comércio e da navegação.

Concluindo:

O cais de Santos foi prolongado por três vezes, e, sendo inicialmente de 866 metros, conta hoje 4.726 metros.

Autorizando as obras do primeiro prolongamento, o decreto de 1889 acentuou, para evitar dúvidas futuras, que elas "constituíam dependências das obras de melhoramento do porto de Santos".

O decreto n. 966, de 1890, autorizando o segundo prolongamento, frisou que este ato era "de acordo com os decretos de 1888 e de 1889".

Se cada prolongamento importasse concessão diferente, teríamos atualmente no porto de Santos não um cais, mas três cais, sujeitos a regimes diversos. Não foi isso o que se contratou para o porto de Santos.

O cais é um só; o capital da empresa concessionária para os três efeitos contratuais, redução de tarifas, amortização e resgate, é também um só; o prazo do usufruto de todas as obras termina no mesmo dia. Nas contas de tráfego, não se distinguem trechos do cais.

Mas foi o próprio Governo Federal, pelo órgão do consultor geral da República, a sustentar a tese do direito exclusivo. Deu-se isso no ano seguinte (1914) quando S. Paulo instou pela construção de seu cais e a empresa defendeu de novo seu direito. Ouvido a respeito, pelo ministro da Viação e Obras Públicas, opinou Rodrigo Octavio (25 de setembro de 1914):

Com o aviso n. 170, de 22 de setembro corrente, me remeteu v. excia. o requerimento em que a Companhia Docas de Santos pede seja autorizada a construção do prolongamento do cais de que é concessionária, solicitando meu parecer na parte relativa ao direito de preferência que cabe à mesma Companhia pela cláusula VII do decreto n. 9.979, de 12 de julho de 1888.

Por esse referido decreto foi feita a diversas pessoas, que posteriormente se constituíram em firma social, hoje convertida na Companhia Docas de Santos, autorização para construção das obras de melhoramentos do porto de Santos.

Na cláusula VII das que baixaram com o mencionado decreto se dispõe que "os concessionários terão preferência, em igualdade de condições, para a execução de obras semelhantes que durante o prazo da concessão se tornem necessárias no porto de Santos".

Pode parecer, em vista dos termos gramaticais da cláusula transcrita, que por obras semelhantes se devem entender outras quaisquer obras de melhoramento do porto, além das mencionadas na cláusula 1ª do decreto de concessão e que assim só deveriam ser autorizadas mediante concorrência na qual a concessionária teria preferência em igualdade de condições.

Se essa interpretação fosse dada, entretanto, ao texto da cláusula, ela legitimaria a concorrência em relação a obras que por seu vulto, pela soma de capitais que representam, por sua natureza, intimamente ligada à ação fiscalizadora das rendas do Estado, por serviços outros que é obrigada a prestar no porto, que a todos aproveitam, como o de dragagem, não podem deixar de constituir um privilégio exclusivo.

O "privilégio exclusivo", como o demonstrou de modo irrefutável o sr. Ruy Barbosa no parecer sobre "Privilégios exclusivos na jurisprudência americana" (Rio de Janeiro, 1908) e o confirmou o Supremo Tribunal Federal entre outros em seus acórdãos de 6 de maio de 1908 (Revista de Direito, vol. XXI, pág. 136), o "privilégio exclusivo" não se confunde com monopólio "na significação má e funesta da palavra e contra o qual milita a objeção constitucional".

No "privilégio exclusivo" para construção de obras e exploração de serviços que por sua natureza cabem ao Estado, sob qualquer de seus aspectos, e que este, no interesse geral e por conveniência própria, confia a empresas particulares mediante o processo de concorrência pública, não há, como nos "monopólios", um obstáculo a que terceiros façam a mesma coisa, exerçam no mesmo sentido sua atividade profissional ou industrial.

Trata-se, no caso de privilégio exclusivo, de trabalhos públicos e de serviços gerais que não são a todos facultados e que se fossem diretamente feitos pelo Estado era evidente que não admitiam concorrência; não se pode conceber que tal concorrência seja possível só pelo fato de tais obras e serviços serem feitos não diretamente pelo Estado mas pela empresa a quem ele delegou a execução das obras e exploração de serviços.

Tais delegações, em que as concessões se traduzem, tem um certo prazo de duração. As condições econômicas do negócio são feitas sobre a base das circunstâncias do tempo em que o contrato se celebra. Essas circunstâncias podem mudar; a concessão posterior a terceiros pode assim ser feita em condições econômicas de tal ordem que tornem impossível a concorrência dos primeiros concessionários; e um tal modo de agir se traduziria evidentemente em uma violação flagrante à fé do compromisso sob cuja garantia as primeiras obras foram executadas.

Para corrigir os efeitos de uma sensível modificação nas condições gerais que pudesse determinar uma sensível diminuição nas taxas e condições econômicas da exploração, deve o Estado se armar dos meios convenientes nas cláusulas dos contratos, onde geralmente se incorpora a faculdade da encampação ou os termos em  que a desapropriação pode ser feita.

Não me parece, pois, que deva assim ser entendida a cláusula VII que certamente teve em vista assegurar aos concessionários do serviço do cais comercial de Santos, além desse serviço, a preferência para as demais obras de melhoramentos do porto que se tornassem necessárias.

É essa, sem dúvida, a interpretação que têm dado ao contrato os poderes públicos.

Concluindo:

Pelo estudo a que procedi em relação aos atos administrativos referentes à questão, verifica-se que, independente de novas concorrências, o primeiro núcleo de concessão foi sendo ampliado, dando-se aos concessionários dos melhoramentos do porto de Santos, mediante requerimento deles, pelo decreto n. 10.277, de 30 de junho de 1889, autorização para prolongar o cais até o enrocamento que precede a ponte nova da estrada de ferro; pelo decreto n. 966, de 7 de novembro de 1890, autorização para prolongar o cais até o lugar denominado Paquetá; pelo decreto n. 942, de 15 de julho de 1892, autorização para prolongamento do cais até Outeirinhos, e finalmente, pelo decreto n. 4.056, de 24 de junho de 1901, autorização para prolongamento da linha férrea do serviço do cais além de Outeirinhos até o Forte Augusto.

Depreende-se por essa série de atos, implicitamente ratificados, os referentes ao prolongamento do cais, pelo art. 6º, n. 11, § 10, da lei n. 429, de 10 de dezembro de 1896, que o Governo tem entendido que, no que diz respeito propriamente a cais comercial e obras correspondentes, o direito da Companhia concessionária dos melhoramentos do porto de Santos compreende toda a porção do litoral que for sendo necessária ao serviço do porto, constitui um privilégio exclusivo.

Na conformidade desse modo de entender não vejo embaraço a que o presente requerimento, que me veio desacompanhado de qualquer outro papel ou informação, seja deferido, tanto mais quanto, como acima ficou dito, na zona desse prolongamento, isto é, além de Outeirinhos, já a Companhia tem a concessão de prolongamento dos serviços de cais, como no próprio decreto de autorização se menciona.

Guilherme B. Weinschenck

Foto: reprodução da página 414-a


[40] "Sr. presidente, a empresa é tão feliz, tão protegida, que obteve pela dragagem do canal, isto é, para fazer um serviço que lhe é necessário, remuneração cada vez maior, cada vez mais alta, e que cresce automaticamente à medida que os tempos correm, sem o menor esforço de sua parte.

"A obrigação da empresa é de dragar um milhão de metros cúbicos por ano; mas como a tonelagem do porto e o tráfego aumentam de ano para ano, segue-se que a remuneração aumenta, ao passo que o serviço é o mesmo". Alfredo Ellis, Senado, 28 de maio de 1913.

[41] "Sr. presidente, a empresa atual, que tem pedido frequentes prorrogações para a conclusão das obras, não cumpre seu contrato. Em primeiro lugar, os armazéns são de ferro, quando deviam ser de alvenaria, porque com o nosso clima é quase impossível o serviço dentro desses armazéns. Quem vem da Europa e verifica à outillage, o aparelhamento do porto de Santos, fica assombrado; entretanto, vivemos a proclamar que as referidas obras são modelares. Mas o que existe no porto de Santos é o menos que se poderia fazer:um cais corrido com linhas férreas ao longo da faixa, com uma bateria de guindastes e armazéns de ferro cobertos de zinco. Menos do que aquilo não é possível". Alfredo Ellis, Senado, 24 de abril de 1913.

[42] Como é de lembrar, foi proposta a taxa de 40%, já de outros portos. Este foi o trecho: "Quando este decreto foi lavrado, já o Governo conhecia perfeitamente a percentagem que devia dar ao porto de Santos para o seu custeio; mas apesar de se declarar nesse trabalho, declaração de um competente e especialista, que o porto de Santos não absorvia mais de 21% da renda bruta, o Governo concedeu-lhe 40%.

"E não ficou só nisto, sr. presidente; abriu mão do direito que lhe dava a sentença do Supremo Tribunal Federal de examinar os livros e consequente verificação do capital efetivamente gasto com as obras do porto.

"Assim procedendo, o Governo prejudicou o Tesouro, lesou o Fisco em milhares de contos, porque daqui a alguns anos, de acordo com a lei de 13 de outubro de 1869, o Governo poderá encampar aquelas obras, e ao ter de fazê-lo, pagará não o preço que a lei instituiu, isto é, o valor do capital efetivamente empregado nas obras, mas a soma dos orçamentos, que foram aliás duplicados em 1892, e acrescidos de mais 50%, por ordem do dr. Serzedello Corrêa.

"É tão fácil dispor-se do dinheiro alheio! Abriu mão da fiscalização da renda, por quanto por uma das cláusulas do decreto, o Governo contenta-se com um balancete que a Companhia lhe mandará no fim… do mês de março do ano seguinte ao fechamento das contas". Alfredo Ellis, Senado, 28 de maio de 1913.

[43] "O Jornal do Commercio, na Varia", de 28 do corrente, em poucas palavras, colocou a questão: "Obras semelhantes não são a continuação e prolongamento da mesma obra. Semelhante, diz o dicionário de Sèguier, por nós publicado, é coisa parecida com o modelo, da mesma natureza, da mesma qualidade, comparável a outra, mas não a mesma coisa".

"Prolongamento do cais, construção de armazéns, instalação, de aparelhos para o serviço de carga e descarga do porto de Santos não são obras semelhantes às contratadas pelo Governo com a Companhia Docas de Santos, porém, as mesmas obras, por outra, as próprias obras contratadas"!. Diretoria da empresa, Jornal do Commercio, 31 de outubro de 1914.