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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 51

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 385 a 389:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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QUARTA PARTE (1911-1915)

Capítulo LI

Lembrando 1892?

Em cada uma das lutas anteriores, defendia-se a Companhia, por assim dizer, numa só frente. Em 1894, a jornalística de Adolpho Pinto; em 1896, a administrativa, da Alfândega de São Paulo; em 1906-07, a parlamentar, de Alfredo Ellis; em 1908, a judiciária, de exibição de livros. Ataques de outras fontes, que houvesse, eram secundários.

Em 1912-15, entretanto, a investida repartiu-se por setores, isolada ou simultaneamente: a propósito da parede dos estivadores, do abarrotamento do cais, das empresas Farquhar, das taxas de capatazias, do monopólio do porto, numa irrupção variada, com a violência, às vezes, dos tempos passados. De cada qual desses aspectos daremos resumo adiante.

Já se viu que, levando o cais de Paquetá aos Outeirinhos, a Companhia, em certas vozes acusadoras, não buscava adaptar o porto às necessidades de seu crescente comércio, mas queria apenas precaver-se impedindo, com a concessão obtida, que outros lhe tomassem a dianteira do privilégio. Mais cedo, porém, do que se pensava, o cais se abarrotou. Seria ocasional. Mas nem por isto deixou de constituir boa lenha para a fogueira onde devia o monstro perecer.

Devido ao aumento das importações, às paredes recentes nos portos europeus e, mais ainda, à que acabava de paralisar o serviço em Santos, acumularam-se ali mercadorias de todas as procedências. Fazia-se a carga e descarga até os Outeirinhos, estando ainda em construção os armazéns e acessórios do trecho entre esse ponto e Paquetá, já fechado pela muralha do cais. De moto que gritaram os interessados, lembrando os dias de crise de 1892, a antiga rivalidade entre a S. Paulo Railway e a Companhia Docas de Santos e o mau serviço aduaneiro
[11].

Fizeram as duas companhias um entendimento, para a entrega, pela empresa ferroviária, de certo número de vagões diários, que a do porto carregaria
[12]. A execução desse acordo constituiu motivo de arguições e polêmicas, estando pela interpretação da Companhia a Tribuna de Santos; e contra, a Plateia da Capital, para não citar senão dois.

Dias a fio correu a pena sobre o papel, comentado ao modo de cada qual o boletim diário feito pelas duas empresas para demonstração das respectivas teses (dezembro de 1912 – janeiro de 1913), com o inevitável rosário de apreciações que, extravazando do assunto em foco, atacavam a Companhia nos seus fins e realizações. O abarrotamento não podia servir de arma contra nenhuma das duas companhias, pelas condições em que se deu; mas era oportuno versá-lo como argumento contra o cais, pois que o Estado de São Paulo ia, afinal, pleitear a construção de um privativo seu. Este tópico a favor da Tribuna era expressivo (7 de junho de 1913):

Há, positivamente, uma grande vida, uma vida nova, criada pelo desenvolvimento natural e progressivo das energias do Estado; pela amplitude da sua capacidade econômica; pela expansão irresistível das suas indústrias; pelo imenso crédito de que goza, resultante da sua situação financeira; pelo alargamento da sua atividade comercial; pelo crescimento da sua corrente imigratória; pela paz que o cerca, pela população que o enche, pela tolerância política que o salienta, pela instrução progressiva que o fecunda e pela riqueza pública e particular que o engrandece.

Não é uma vida de empréstimo ocasional, perecível, criada por motivos excepcionais, por circunstâncias de momento; é uma vida real, constante, ascensional, haurida em elementos de estabilidade e grandeza, que não decrescerá, portanto, e, ao contrário, aumentará sempre.

Está a São Paulo Railway aparelhada para acompanhar, pari passu, esta vitalidade estuante, esta expansão vivificadora que enche todo o Estado e o prepara para um futuro dos mais invejáveis nos destinos da Federação? Não está. Em poucos anos, a situação no Estado, a começar de Santos, modificou-se de um modo quase radical; o que era suficiente, porventura supérfluo, há apenas três anos, é hoje escasso, mesquinho, ridículo. São forças que irrompem com energia indomável e que levam diante de si estacionários e retrógrados.

Para voltar à carga, em plena crise (17 de janeiro de 1913):

Como prometemos, vamos dar hoje início às considerações com que propomos provar que, não à Companhia Docas de Santos, mas à São Paulo Railway, cabe toda a culpa da demora no carregamento e transporte das mercadorias, que do cais devem seguir diretamente para o interior.

Há infelizmente, entre nós, o mau vezo de achincalhar e menosprezar tudo quanto é genuinamente nosso, tudo quanto é produto exclusivo do nosso esforço e inteligência.

Assim é que, sem exame, sem a mínima prova, a Companhia Docas de Santos, que devia ser, pelo seu valor, motivo de orgulho para o Brasil e para os brasileiros, porque é uma empresa genuinamente nacional e levou a cabo, sem a intervenção nem do capital e nem da inteligência estrangeira, uma obra verdadeiramente gigantesca, é alvo de uma guerra encarniçada e injusta, que lhe faz grande parte de nossa imprensa.

Não nos queremos arvorar em defensores da poderosa empresa nacional, e nem desconhecemos os seus defeitos, mas, como obra de justiça, torna-se indispensável pôr embargos às afirmações que vão passando em julgado, de ser a Companhia Docas de Santos a única culpada da demora na expedição das mercadorias que passam pelo cais.

Desse fato é a S. Paulo Railway a única responsável, como vamos provar com os documentos até por ela mesmo fornecidos [13].

Ou este outro, no sentido contrário, da Plateia (17 de janeiro de 1913):

O cais de Santos, desde o começo até o fim, está cheio de mercadorias a serem expedidas e que se vêm acumulando em virtude das últimas greves europeias e da que houve nas próprias Docas, em agosto último, e devido também às grandes encomendas de materiais que chegam para atender à enorme expansão que está tendo o Estado de São Pulo, vendo-se a Companhia Docas de Santos em apuros diante de tanta carga a expedir, uma despachada e outra aguardando desembaraço da Alfândega.

Diante dessa volumosa massa de mercadorias, o público não pode deixar de julgar insuficiente a extensão do atual cais e dos armazéns da Docas. Esta quer, então, a todo o custo, mesmo com injustas incriminações, mesmo fantasiando algarismos, justificar a situação e convencer o público e o Governo do Estado que o cais existente é mais do que suficiente, que não há necessidade de outro cais; que é a Estrada Ingleza que lhe não fornece os meios de dar vazão à saída das mercadorias, a ponto de dizer, entre seus algarismos, que a São Paulo Railway não pode receber tal e tal número de vagões carregados pela Docas
[14].

Quando se iniciou, logo após a parede, o abarrotamento, enviou o Estado de S. Paulo representante seu, que verificou a realidade da situação, encontrando remédio, entre outras coisas, na construção acelerada dos armazéns até os Outeirinhos (6 de agosto de 1912). Já em outubro, achava o Diario Popular espantoso o que acontecia, situação que, na frase da Gazeta (28 de outubro), já era de anarquia.

Mas foi no último trimestre do ano que as queixas mais se acentuaram. Apresentou o Centro de Navegação Transatlântica ao Juízo Federal de São Paulo um protesto, no qual as companhias faziam sentir a insuficiência do cais até então em serviço, bem como dos armazéns existentes e do escoamento para São Paulo, ressalvando sua responsabilidade pelos prejuízos acaso ocorrentes
[15].

Além disto, a Sociedade Paulista de Agricultura, em representação ao ministro federal da Agricultura, Pedro de Toledo, que a transmitiu ao da Viação, Barbosa Gonçalves, chamou a atenção daquele "paulista acatado e amante do seu berço natal" para a "intolerável e precaríssima situação do porto de Santos, a qual ameaça uma crise tremenda e gravíssima contra esta importante região do Brasil, afetando os próprios interesses nacionais".

Os dados desse documento eram prova de que se tratava de um surto inesperado de exportação e importação; mas não diminuíam a carga contra as duas companhias, que faziam o que podiam e iam ter seus serviços normalizados logo depois
[16].

Segundo o mesmo documento, as três vias férreas principais de São Paulo, servindo a zonas diferentes, haviam transportado em 1912 um total de 3.210.514 toneladas de carga, sendo a diferença da importação, para mais, desse ano sobre o anterior, de 112%; e as entradas de navios registraram, ainda no mesmo intervalo de tempo, um aumento acima de 174%. Aludindo a essas cifras, escreveu a representação (novembro de 1912):

Estes dois quadros, por si sós, bastam para atestar o formidável crescimento da importação e da exportação de Santos, demonstrando os elementos de riqueza e de expansão econômica do Estado.

Em verdade, os dados estatísticos revelam que em 1911 a exportação total do Brasil ascendeu a 68.838.892 libras esterlinas, cabendo no balanço ao Estado de São Paulo, 32.140.966 libras esterlinas, cifra que corresponde a 48% da exportação brasileira total. No mesmo período, a importação da República foi de 52.796.016 libras esterlinas, cabendo ao porto de Santos 12.834.956 e apurando-se um saldo de 286.532:958$000, em favor da balança comercial do Estado.

O maior auxílio para esse impulso extraordinário estava no saneamento do porto, acabado agora de se completar de modo definitivo. Não era demais que se pusesse isto de manifesto, quando só hostilidade deparava a Companhia. Haviam os trabalhos sido inaugurados em 1912, e ninguém menos que o órgão do Partido Republicano Paulista havia reconhecido à empresa seu papel nesse extraordinário acontecimento (Correio Paulistano, 4 de janeiro de 1911):

Dois elementos, com especialidade, têm concorrido, e poderosamente, para isso, as Docas e as obras de saneamento, por meio de drenagem. Não há muito tempo, o nosso principal porto ainda se nos apresentava em condições bem precárias… Santos era um foco de febre amarela e de bexigas, que todos temiam. Só residiam lá as pessoas a isso obrigadas pelos seus próprios interesses.

Foram de Saturnino de Brito - na frase de Baeta Neves "o grande disciplinador da engenharia sanitária do país", "príncipe, na expressão da Revista de Engenharia, da engenharia sanitária brasileira" -, no seu discurso de inauguração, estas palavras, entre outras, sobre a obra que se acabava de executar (23 de abril de 1912):

A engenharia brasileira se vem engrandecendo nesta orientação que tanto elevou a grande República do Norte da América. Melhor que ninguém, os nossos engenheiros fazem a exploração ferroviária das nossas matas cerradas, de topografia ignorada, algo misteriosa; do que valem na construção dos portos temos um exemplo nas Docas de Santos; os mais eminentes estrangeiros admiram a remodelação heroica de uma parte do Rio de Janeiro e a criteriosa evolução de São Paulo; finalmente, a nossa engenharia já vem resolvendo os mais importantes problemas da higiotécnica, saneando as nossas cidades, garantindo a vida, poupando dores, estabelecendo o bem estar, criando, em suma, a atmosfera hígida da felicidade [17].

Imagem: reprodução parcial da página 385


[11] "Em conclusão, a situação atual do nosso porto, com a Alfândega de mistura, é quase anárquica: tudo é confuso, desordenado, atabalhoado, como se realmente a praça de Santos estivesse sob a pressão arrochante de uma violenta anormalidade. Os serviços são morosos, os meios de transporte terrestre são escassos, o desembaraço definitivo é desesperadoramente lento". Tribuna, Santos, 28 de outubro de 1912.

[12] Recordando expressões da campanha de 1894, intermitentemente repetidas, escreveu-se na Capital: "Os Vanderbilts do cais santista, no auge do tripúdio e da vanglória, cada vez mais se convencem de que estenderam sobre esta vasta Tripolitania do solo paulista as tiras mágicas da pele taurina que deram à lendária Dido a posse incontrastável de Cartago. E para compartir os júbilos da conquista, requestam agora festivamente a aliança de São Paulo Railway que, felizmente ressabiada, hesita em aquinhoar-se no festim sardanapalesco". Gazeta, 17 de outubro de 1912.

[13] Logo no início, escreveu-se em São Paulo: "É a São Paulo Railway Co. que, por escassez de material, não fornece vagões em número suficiente para vazão das mercadorias que se acumulam no porto vizinho. Auferindo rendas colossais, a empresa progride vertiginosamente e distribui dividendos que assombram os seus acionistas, sem falar nas frequentes bonificações que, uns e outros, atestam sua notável prosperidade". Commercio, São Paulo, 8 de julho de 1912.

[14] Noticiando achar-se Rodrigues Alves, presidente do Estado, no Guarujá, escreveu-se em Santos, nessa época: "Vai s. excia. ter oportunidade de observar quanto verdadeiras foram as sucessivas notas que a Cidade publicou sobre o estado do cais, cujo entulho aumentava dia a dia e ainda hoje é considerável, causando sérios prejuízos ao comércio do Estado. A última greve na Companhia Docas levou os trabalhos a tal ponto de desorganização que será difícil àquela Companhia reorganizá-los por estes tempos mais próximos. Ora, a greve terminou em meados de setembro e até agora ainda se observa o reflexo na irregularidade do serviço". Cidade de Santos, 25 de janeiro de 1913.

[15] "Com o desenvolvimento do Estado de São Paulo, e, portanto, com o aumento cada vez mais crescente na importação, se mostrou insuficiente a faixa de cais em tráfego para o movimento, insuficiências reveladas pela falta de espaço tanto para as atracações como para as descargas, cargas, manobras, como para a guarda e movimentação das mercadorias nos armazéns e pátios da Companhia Docas, insuficiência ainda agravada pela deficiência manifesta de meios de transporte da São Paulo Railway. Em virtude disso, vapores, quando chegam ao porto de Santos, não podem atracar imediatamente e ficam à espera de lugar, oito e mesmo dez e mais dias, fato que lhes acarreta extraordinários prejuízos e lhes altera por completo a economia calculada no tempo da viagem, em Santos tão retardada por motivos de insuperáveis dificuldades de atracação". Protesto das Companhias de Navegação, 25 de outubro de 1912.

[16] Apoiando-se literalmente no protesto das companhias de navegação, assim concluiu a representação: "Cogitando no presidente e divisando o futuro tão cheio de maus presságios para o incremento da vida agrícola de São Paulo e para o progresso de todas as suas atividades, é que a Sociedade Paulista de Agricultura resolveu apelar para o Governo Federal, pela conspícua mediação de v. excia., pedindo instantemente que sejam volvidas as vistas da suprema administração pública do país para o porto de Santos e para o serviço de transporte entregue à São Paulo Railway, a uma empresa ferroviária que faz a ligação de Santos com todo o interior do Estado, a fim de que se normalizem as relações econômicas e se resguardem os interesses coletivos avultados que dependem do transporte marítimo regular naquele porto de recebimento e entrega das mercadorias, com a mais solícita pontualidade, ao comércio, às indústrias e aos particulares e que a privilegiada empresa ferroviária se aparelhe e se disponha a exercitar com prontidão e acerto a grande missão que vem desempenhando há dezenas de anos". Representação da Sociedade Paulista de Agricultura ao ministro da Agricultura Federal, novembro de 1912.

[17] Inauguração dos trabalhos de saneamento do cais de Santos, São Paulo, Tip. Brasil de Rothschild & Co., 1912.