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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 49

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 373 a 380:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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QUARTA PARTE (1911-1915)

Capítulo XLIX

A quarta parede no porto

O quinquênio não é de pequena agitação na vida da Companhia. Ela começa com a quarta parede no porto, continua com uma ação judicial para devolução da taxa de capatazias, envolve-se na fase das empresas Farquhar e afinal desfecha no pedido oficial de São Paulo para construção de um cais próprio, como contrapeso ao existente. De tudo isso fica traslado adiante. Este capítulo anotará as medidas de caráter administrativo e os fatos ligados à parede, ocorridos todos entre 1911 e 1915.

Naquelas medidas, ocorrido o falecimento de Eduardo P. Guinle, foi substituído por Eduardo (22 de abril de 1913) e depois por Guilherme Guinle (30 de abril de 1914), o qual seria, afinal, com a morte de Candido Gaffrée, o presidente da Companhia. Falecido também um antigo membro do Conselho Fiscal, Olympio Frederico Loup, foi aprovado (assembleia de 22 de abril de 1913) um voto de pesar, elegendo-se no seu lugar Saturnino Candido Gomes, e como suplente, Virgilio Ramos Gordilho. Morto este no ano seguido, com idêntica manifestação de pesar por parte da assembleia geral então reunida, elegeu-se no seu lugar Alberto de Faria (30 de abril de 1915).

Aprovado a 16 de agosto de 1913, publicou-se no Diario Official, de 20 de novembro seguinte, novo regulamento para o serviço interno de administração e polícia da Companhia. Ao pessoal técnico da construção e da administração – Mario Monteiro, chefe da Contabilidade na matriz; Alvaro Ramos Fontes, superintendente em Santos; Ulrico Mursa, Victor de Lamare, Emilio da Gama Lobo d'Eça -, se juntou, como encarregado da direção das instalações de Itatinga, o engenheiro Affonso Krug, sendo louvados todos em assembleia (30 de abril de 1914), pelo desempenho das respectivas funções. Esse quinquênio vai ser, também, o de maior movimento conhecido até então no porto; o que, pelo reflexo nos lucros, mais avivava as hostilidades. A propósito do último Relatório da Diretoria escreveu a Noite no Rio de Janeiro (19 de abril de 1912):

Todo esse assombroso movimento, que o relatório nos revela, incluindo o dos armazéns gerais, verdadeiramente modelares em todo o Brasil, é o café, o grão de ouro, que lhe dá vida e o incrementa. É mesmo o café o único produto de exportação depositado nos armazéns gerais, onde dele entraram durante o ano passado 71.559 sacas, das quais 23.146 ficaram em depósito no fim de 1911.

Foi também nesse quinquênio que se julgou a ação proposta por Manoela Lacerda Vergueiro, Eurico Vergueiro Lacerda e outros, viúva e sucessores de Affonso Vergueiro, para rescisão da escritura de venda da fazenda Pelaes. Em sua sentença disse, entre outras razões, o juiz Pires de Albuquerque (Diario Official, 19 de abril de 1914):

Considerando que tanto esta como a segunda questão de direito levantadas na contestação provieram do interesse para a decisão da causa desde que os autores não conseguiram fazer a prova da pretendida lesão, na forma da Ord. 1, 13 pr.; de fato:

Considerando que não era o vendedor pessoa simples ou inexperiente, mas um comerciante inteligente e conhecedor do negócio, como atestam o êxito que logrou alcançar e as posições de destaque a que ascendeu no centro adiantado em que exercia sua atividade e a transação que se fez, não por captação, sugestão ou mesmo proposta dos réus, mas por insistente solicitação do mesmo vendedor;

Considerando que as referências vagas e imprecisas das testemunhas ao estado de saúde de Vergueiro e os dois graciosos e suspeitos atestados de fls., não bastam para autorizar a afirmação de que ele sofria, ao tempo da venda, de perturbações mentais que lhe viciam o consentimento, tanto mais quando é certo que então se achava ainda na direção de seus negócios;

Que tanto menos podem os autores invocar esta circunstância quando a primeira dentre eles, d. Manoela de Vergueiro, cujo tino e critério são abonados pelas testemunhas da causa, assinou sem relutância e sem opor objeções a procuração para a venda, apesar de saber que era 50 contos, preço ajustado, conforme ela mesma declara no seu depoimento de fls.

Considerando que os dois exemplos apontados, as vendas dos sítios Moinho e Portão Queimado – não fornecem o critério exigido pela citada Ordenação – o justo preço da coisa vendida por comum estimação ao tempo da venda – porque além de serem apenas dois casos, referem-se a transações efetuadas em época diversa e a imóveis em situação diferente;

Considerando que tampouco pode ser invocado para justificar o pedido o valor a que tenha porventura atingido hoje o imóvel em questão, valor imputável de um lado às grandes e dispendiosas obras praticadas pelos réus, já para sanear a região, já para captar e aproveitar as águas da cachoeira de Itatinga e de outro ao rápido e crescente desenvolvimento do porto de Santos;

Adiante:

Considerando que da influência deste desenvolvimento sobre o preço das terras circunvizinhas é um exemplo bem frisante a própria fazenda Pelaes, avaliada em 1877 em 5 contos, em 1880 em 10 contos, vendida em 1895 a Affonso Vergueiro por 15 contos e por este, em 1903, a Gaffrée & Guinle por 50 contos;

Considerando que os autores não contestam que Vergueiro adquirira por 15 contos a aludida fazenda e que para concluírem que foi lesiva uma transação que oito anos depois lhe dava um lucro de 35 contos sobre essa quantia, sustentam que ele despendeu cerca de 20 contos em benfeitorias, mas

Considerando que o exame de fls. ("meio mais pronto e fácil de verificar a procedência ou falsidade desta alegação" – Acórdão de fls. 622), acusa apenas uma despesa de 68:999$190, que não se pode considerar empregada em benfeitorias, mas sim na exploração agrícola e custeio da mencionada fazenda, exploração que foi um verdadeiro insucesso e como atesta ainda o exame, denunciando que a propriedade rendera em todo esse período a insignificante quantia de 2:751$000.

Considerando que este insucesso, aliado à má situação em que por fim caíram os negócios de Affonso Vergueiro, impossibilitado de empregar novos capitais e carecendo de recursos para satisfação de compromissos comerciais, explica por si só e cabalmente que ele acabasse abandonando os projetos que, em princípio, formara a respeito daquela propriedade agrícola que tão inúteis e pesados sacrifícios lhe estava custando e se resolvesse a aliená-la, como efetivamente fez;

Considerando o mais que dos autos consta:

Julgo improcedente a ação e condeno os autores ao pagamento das custas.

Distrito Federal, 14 de abril de 1914 – Antonio J. Pires de C. e Albuquerque.

Quanto ao esforço defensivo, o ano de 1911, como o anterior, passaria quase sem luta [01]. Em compensação, nos três seguintes retomaria a empresa a estrada áspera, que já não a surpreendia, tais os obstáculos encontrados. É que, para falar ainda só de 1911, a atenção pública se desviou, no Rio de Janeiro, para outro ramo da atividade do Ministério da Viação, o das estradas de ferro. Estas foram para o cartaz, atacadas violentamente pela remodelação por que iam passando nas suas respectivas concessões.

Dias a fio andou alta a acusação e a defesa – nesses assuntos industriais, pelos interesses em jogo, dominou sempre a paixão -, com réplicas e tréplicas. Os artigos de "Um engenheiro", no velho órgão, foram a metralha de maior calibre. Este trecho de suas razões davam ideia da ofensiva (Jornal do Commercio, 16 de janeiro de 1911):

Convencemo-nos de que, se não há documentos evidentes de concussão entre funcionários e contratantes, há provas esmagadoras do maior desbarato e menoscabo dos dinheiros públicos, há indícios veementes de falta de escrúpulo e de critério na concessão de favores e na seriedade com que têm sido ultimamente concluídos esses negócios da Viação.

Não tomou assim luvas a censura. "Próprio de um Governo desonesto e cínico" foram chamados aqui os acordos da Ceará e Sul Mineira. "É também assim que se explica o predomínio de outros dois arranjadores", escreveu-se ali, a propósito dos contratos da Rio Grande do Sul, Goiás e Noroeste. Raros foram os contratos de arrendamento ou construção de estradas de ferro já existentes que não sofressem alteração com gravame para os cofres públicos", exclamou-se acolá.

Repuseram-se as coias no seu lugar, falaram, algarismos em punho, as empresas em causa, destruindo exageros. O tempo faria justiça à iniciativa de homens que, enfrentando a precariedade da nossa vida política, quando não os excessos de nosso nacionalismo, souberam então atrair para o Brasil os capitais necessários ao desenvolvimento industrial. Igualmente visado na campanha, tendo com Teixeira Soares trazido para cá nada menos de 50 milhões de libras esterlinas, foram do nobre companheiro, também hoje morto, Pedro Nolasco, depois de cifras e argumentos, estas palavras (Jornal do Commercio, 20 de janeiro de 1911):

Nunca pretendi mais que trabalhar pela terra em que nasci; e por isso, quer como profissional, quer como industrial, tudo tenho feito dignamente para obter serviços e corresponder à confiança em mim depositada e que não solicitei.

As nossas empresas nunca ocultaram ao Governo o que quer que fosse, nem procuraram intermediários para solução de seus negócios e terão grande satisfação em fornecer ao sr. ministro, ou a quem s. excia. indicar, todos os elementos precisos para esclarecer as dúvidas que possa ter.

Quanto a mim, nunca fui arranjador de negócios, na maioria dos casos tenho sido consultado, como o nosso ilustre presidente; aos amigos dou a minha opinião com sinceridade e desinteresse; e até hoje nenhum mostrou-se arrependido de tê-la ouvido. Isto me tranquiliza.

O capital estrangeiro, tão requestado quando preciso e agredido quando já aqui produzindo, ia entrar em grossa celeuma no quinquênio em curso. O Rio de Janeiro se inquietaria com isso, sem que deixasse de se agitar, também em 1911, por outro assunto ruidoso, o do fornecimento da água, nos canos do Xerém.

Quanto a Santos, parecia de repouso, senão de louvor, o ambiente. "As Docas têm apenas vinte anos, e vinte anos em que aquela atividade foi muitas vezes desperdiçada na resistência a ingratas perseguições", comentou uma voz a propósito do relatório desse ano. Outra escreveria: "São Paulo, o grande Estado, sempre em franco progresso, tem na maravilha do porto de Santos o melhor expoente de seu formidável desenvolvimento". Mas a parede, a estalar logo depois, faria reaparecer a luta.

A essa parede – a quarta do porto, desde a inauguração do primeiro trecho do cais -, precedeu breve agitação operária, que lhe preparou o caminho. Foi a reunião contra a carestia da vida, que se convocou por um boletim da Federação Operária, com a cooperação dos sindicatos dos pintores, carpinteiros, pedreiros, canteiros, estivadores e outras classes. Era seu trecho principal (26 de maio de 1912):

O aluguel das habitações elevou-se consideravelmente, tendo os inquilinos que pagar 40 ou 50 mil réis por quartos que não passam de cubículos onde se amontoam em espantosa promiscuidade as numerosas famílias… O pão, a carne, o café e outros gêneros são objetos de luxo e alguns foram elevados cento por cento nos seus preços. Não se pode ocultar a triste realidade: nos lares proletários lavra a fome negra, a miséria horripilante.

Um mês depois, e apesar de desmentido nos centros operários de que se cogitasse de parede, já era o sindicato de estivadores e trabalhadores do porto que convidava para uma reunião, na qual se trataria "dos meios a pôr em prática para aumentar o salário aos trabalhadores de carga e descarga e das Docas".

Nesse mesmo mês de junho o referido sindicato concitou os companheiros "para prestarem apoio à greve de São Paulo, lutando pelas oito horas de trabalho". Dias mais tarde declaravam-se em parede, voltando, porém, pouco tempo depois, ao serviço. A esta reivindicação juntaram os carroceiros a sua – o dia de 10 horas -, uma vez que alegavam trabalhar de 14 a 18 horas por dia, num movimento que, também apenas iniciado, terminou. Escreveu a respeito o Diario de Santos (27 de julho de 1912):

A greve atual cifra-se em dar aos carroceiros o dia de 10 horas, quando as demais classes trabalhadoras já estabeleceram o dia de 8 horas. Haverá nada mais justo e racional? Se alguma coisa há, de injusto e de irracional, é esses homens, é os membros dessa classe contentarem-se com o dia de 10 horas, quando as demais classes já estabeleceram o de 8.

Foi logo depois que surgiu a grande parede (19 de agosto – 10 de setembro de 1912). Quando terminasse, oporia a Federação Operária a essa breve resistência a maior da anterior. Disse seu boletim (Cidade de Santos, 13 de agosto de 1912):

A greve terminou. Ninguém diria que ela durasse tão pouco tempo, visto como a de 1908 perdurou 27 dias; 27 dias de uma luta titânica que o proletariado de Santos sustentou heroicamente contra a polvo, sempre soberba, sempre insólita, para quem lhe produz toda a sua grandeza, para quem lhe serve de pedestal à sua irônica arrogância.

Apesar de insuflado por outros elementos do trabalho urbano, ficou o movimento restrito ao pessoal da carga e descarga da Companhia, em número de dois mil e cem, pedindo aumento de 5$000 para 7$000 de diária. Em ofício (19 de agosto), o sindicato de trabalhadores da empresa havia solicitado esse aumento, mas ao mesmo tempo telegrafou ao Governo Federal pedindo comutação da pena de morte imposta nos Estados Unidos da América a dois anarquistas italianos, Ettore e Giovanetti.

Respeitável no seu intuito de bem estar econômico, ficou assim claro que o movimento, como o próprio telegrama indicava, tinha raízes na inspiração de agitadores estrangeiros, expulsos de outras terras para a nossa. Pediu o Governo de São Paulo ao Federal a expulsão dessa gente.

Num dos comícios realizados em frente da Alfândega, os oradores mais violentos foram espanhóis, um dos quais concitou todos à luta, "antes que essa polícia, vendida ao Governo do Estado, nos venha esmagar à pata de cavalo; antes que esse exército de bandidos e de ladrões nos venha assaltar; antes que essa marinha de sicários e de miseráveis nos venha atacar".

O aumento de salário ficara para estudo, desde a última parede. Então, dirigira-se a Companhia às outras, do Estado e de fora, para o fim de informar-se sobre os salários dos respectivos operários e tomar uma decisão – Leopoldina Railway, Central do Brasil, Obras do Porto do Rio de Janeiro, Lloyd Brasileiro, Alfândega de Santos, São Paulo Railway, Mogiana, Sorocabana, Rio e São Paulo Light & Power etc.
[02].

Em comunicação pública, explicou Alvaro Ramos Fontes, superintendente, que o salário era de 5$000 por dia; e que, por trabalho suplementar, pagava a empresa mais 2$500 até às 10 p.m.
(N. E.: formato inglês de horário, post meridian, ou seja, 22 horas) e outro tanto dessa hora à meia noite; não podendo ir além no momento, o que, com os exageros já habituais, levantou impugnação. Assim, a Plateia, da Capital do Estado (22 de agosto):

Como ontem francamente acentuávamos, quanto mais se estudam as origens desse movimento, mais se convence a gente de que há nele qualquer coisa de simpático em favor daqueles cujo dorso verga ao jugo tremendo dos multimilionários da onipotente Companhia.

Sobre o suor dessa desventurada plebe, como sobre os esforços contínuos dos nossos lavradores e industriais arquitetaram os prepotentes concessionários do cais de Santos a fenomenal pirâmide de esterlinos em cujo vértice se alcandoram para zombar das queixas do povo atrozmente espoliado.

E a Gazeta, também de São Paulo (22 de agosto):

A Docas não é sentimentalista, nem costuma cumprir o que promete, desde que se trate de distribuir magras generosidades ao seu pessoal de serviço. Este fica, de ordinário, ludibriado, e quando apela para a greve, a Docas, superargentária como é, apita pela polícia e ordena uma violência; quando não se bate, encarcera-se pelo menos uma leva de homens que não se sentem escravizados ao mísero quinhãozinho que a Docas favorece como remuneração escassa e injusta, a título de paga de trabalho.

No porto, o Diario de Santos (24 de agosto):

A Companhia havia assumido o compromisso há quatro anos atrás de melhorar as condições de trabalho dos seus operários.

Entretanto, dominada pela vertigem dos seus lucros fabulosos, pelas suas rendas cada vez mais crescentes, esqueceu esse compromisso e foi deixando sempre os seus operários na mesma situação, a perderem dia e noite as energias de sua atividade no serviço esgotante de prosperidade da Companhia, sem que esta, ao menos por um sentimento de equidade, lhes aumente qualquer parcela no salário. Vem daí esse movimento de reivindicação em prol do cumprimento da promessa já feita e em nome do direito que tem todo homem, qualquer que seja sua posição, de melhorar de sorte.

Ao que respondeu A Noticia, também de Santos (26 de agosto):

O que nos parece é que toda essa grita, todas essas maldições, não passam de despeito por se ver uma companhia nacional, a mais poderosa do Brasil, tão bem dirigida, tão bem administrada e com um serviço que pode servir de modelo em qualquer país do mundo. À exceção dessa demora que, como demonstramos, não é culpa da Companhia, todo o serviço do cais é feito com uma perfeição admirável e com uma regularidade matemática.

No Rio de Janeiro, o Jornal do Commercio, sobretudo, verberou a parede, não tanto pelo salário, mas pelo instrumento, que era, de agitações perniciosas. O próprio salário era o comum, senão o maior do momento (20 de agosto):

O trabalhador braçal das Docas ganha 5$000 diários, ou seja, tanto ou mais do que muitos funcionários públicos de nomeação e muitos empregados do comércio. Gozam, além disto, de um sem número de vantagens, asseguradas por uma sociedade beneficente, que a própria empresa organizou e auxilia em benefício de seu pessoal. Compram os gêneros na Cooperativa pelo preço do consumo; se adoecem, têm médico, farmácia e diária garantida; e, nos casos de morte, a associação entra com o necessário para a despesa do funeral.

Apesar disso tudo, não estão contentes e querem agora a fixação de seu salário em 7$, ou seja, u aumento de 2$000 de pancada. É positivamente um regime de desordem e de terror que se quer implantar em Santos, com prejuízo para o comércio e a lavoura de São Paulo, cujo Governo precisa agir com energia para jugular esse movimento.

Ao Governo Federal também não pode ser indiferente essa atitude dos trabalhadores das Docas. O cais é zona federal e a sua intervenção ali, com tropa do Exército, completará de modo eficaz a ação da polícia paulista fora dos armazéns, nas ruas circunvizinhas.

Interveio, com efeito, o Governo Federal, para ali destacando o scout Rio Grande do Sul, sendo pouco a pouco retomado o serviço de carga e descarga, com o movimento, num só dia, de 4.876 volumes saídos e 11.148 sacas de café embargadas. Ao mesmo tempo, rebentavam em Juiz de Fora e no Estado do Rio de Janeiro outras paredes, também de breve duração [03].

A Companhia havia convidado os homens a retomarem o serviço, depositando judicialmente a soma de 198:799$970, equivalente ao salário dos que não haviam atendido ao seu apelo. Mais do que tudo, havia concorrido para o desfecho a agitação anarquista estrangeira. "Essa parede - escreveu no Rio de Janeiro ainda o Jornal do Commercio – deve ser interpretada no seu exato sentido, que vem a ser o de um péssimo sintoma da desorganização do trabalho no Brasil".

Para voltar ao assunto no dia imediato: "É o fermento da anarquia introduzida na massa proletária brasileira pelos elementos adventícios perigosos, expulsos de Barcelona, Genova, Buenos Aires e Montevidéu"
[04].

Esse foi também o sentimento na Capital do Estado, um de cujos órgãos, o maior, estampou de Santos comentário de seu correspondente, segundo o qual os operários da cidade, que primavam sempre pela honestidade e dedicação ao trabalho, deviam voltar a este, não mais aceitando "as insinuações perversas de meia dúzia de espertalhões deportados de outras plagas para, entre nós, aproveitando-se da bondade dos nossos trabalhadores, explorarem sua boa fé".

No porto invertiam-se os papéis, solidarizando-se o Diario com a parede e dela se divorciando a Tribuna, que, a propósito do apelo da empresa para a volta ao serviço, escreveu (20 de agosto):

Não sabemos qual será a atitude que manterá a classe dos trabalhadores, perante a resolução da Companhia. A atitude agressiva dos trabalhadores, nesta última parede, tem divergido notavelmente da que mantiveram nas paredes anteriores. Os trabalhadores têm tentado proibir a liberdade de trabalho, provocando a intervenção da força armada. Por este caminho, indiscutivelmente errado, tem alienado as simpatias, chamando sobre a classe o odioso deste movimento cuja demora pode trazer graves prejuízos à nossa praça, prejuízos que se farão sentir em todas as classes.

"Para onde vamos? É que os espíritos eminentemente conservadores da ordem social das coisas assombram-se com constantes movimentos paredistas", escrevia, na mesma cidade, A Vanguarda (25 de agosto); ao passo que para o Diario, a propósito da adesão de cocheiros e carroceiros, o autoritarismo, as intransigências nada resolviam, rematando: "As greves surgem universalmente" (16 de setembro).

O movimento teve repercussão na Câmara Federal, por causa de prisões efetuadas, na palavra de Martim Francisco, representante de Santos, que atacou a repressão policial, justificando a parede pelas dificuldades materiais da vida [05]; e de Nicanor do Nascimento, deputado pelo Distrito Federal, que a filiou à teimosia da Companhia Docas de Santos em não atender às reclamações dos seus operários, pedindo a intervenção do Governo de São Paulo para a terminação desse "anárquico estado de coisas".

Falou em defesa Galeão Carvalhal, representante também de Santos, para explicar que as prisões se haviam realizado por força de mandados judiciais e que não tinha havido tropelias policiais, pois já estava instituída a polícia de carreira, que constituía um progresso em São Paulo. "O movimento grevista em Santos, declarou s. excia. (26 de agosto) não conquistou, desta vez, a simpatia pública, devido aos processos adotados".

Imagem: reprodução parcial da página 373


[01] Não faltou impugnação ocasional à isenção de direitos. Entre outros, a 23 de julho de 1915 teve a empresa que responder à impugnação do Ministério da Fazenda sobre artigos importados. "Ora, gozando a Companhia Docas de Santos de isenção de direitos para todos os materiais necessários à construção e conservação de suas obras e edifícios, demonstrado fica que os materiais, a que se refere, são exclusivamente destinados e necessários à conservação dos edifícios de sua propriedade, não podendo sobre eles recair a negativa de isenção de direitos".

[02] "Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1908. Por ocasião da greve de trabalhadores ocorrida ultimamente em Santos, foi examinada a ideia do pagamento por hora, em substituição ao do salário por dia de 10 horas. Essa ideia, apresentada em conferência realizada nesta cidade entre os exmos. srs. ministros da Indústria, Viação e Obras Públicas da União Federal, da Fazenda e da Agricultura do Estado de São Paulo, foi aceita para base de estudo, no que concordou esta Companhia.

"A fim de fazer e submeter ao exame a decisão do exmo. sr. ministro da Indústria o estudo do preço por hora de trabalho, vem esta Companhia solicitar de v. s. a fineza de mandar fornecer-lhe as seguintes informações, referentes aos trabalhadores sem ofício empregados nos serviços a cargo de v. s.: 1º) o salário diário; 2º) O número de horas do dia a que se refere esse salário; 3º) Qual o preço pago por hora de trabalho, caso seja esse o sistema adotado. Agradecendo etc., pela Companhia Docas de Santos – C. Gaffrée, diretor".

[03] "O movimento paredista em Santos, aqui e em Niterói, continua com tendências a aumentar", analisou o Jornal do Commercio (23 de agosto), para escrever dois dias depois, sob o título de "Fermentos Anárquicos": "Em Santos, os paredistas, insuflados por anarquistas estrangeiros, persistem afastados do trabalho; mas a Companhia Docas, por seu lado, está resistindo à pressão, e já conseguiu ontem regularizar um pouco os serviços de carga e descarga do cais, por intermédio de pessoal que daqui mandou para lá. Os ensacadores de café também não desanimaram e continuam sustentando a parede, tendo porém os exportadores esperança de poder substituí-los em breves dias". Jornal do Commercio, 25 de agosto de 1912.

[04] "Trata-se, como os fatos estão provando, de um movimento anárquico, promovido por agitadores estrangeiros deportados do Rio da Prata e que encontram, no Brasil, um excelente campo para propaganda de suas doutrinas de morte ao capital e guerra sem tréguas aos interesses representados pelas suas classes conservadoras". Jornal do Commercio, 22 de agosto de 112.

[05] "Explica ter esse movimento do operariado tal ou qual justificativa, pois é a repetição do elogiável movimento de 1908, que o orador aplaudiu e animou, e que terminou por um acordo até hoje não cumprido. Tivesse havido observância do prometido e combinado e hoje estaria o trabalho em Santos sofrivelmente regularizado.

"Acresce assinalar que, em Santos, a vida é caríssima; a arrecadação de impostos municipais aproxima-se de quatro mil contos; e isso em cidade com pouco mais de sessenta mil almas, que do Governo Estadual e não do Município recebem os serviços de água e esgotos e pagam também diretamente o de iluminação. Em Santos, a dívida do Município está calculada em dezoito mil contos! O Município de Santos deve seis vezes a renda do Ceará e da Paraíba". – Martim Francisco, Câmara, 22 de agosto de 1912.